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A Presença da Astrologia na Mídia

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A Jornada Astrológica e a Mídia: A Presença da Astrologia na Mídia

Sacred Geometry

Ana Cristina Vidal de Castro Ortiz

Mestranda no Programa de Pós-Graduação da Faculdade Cásper Líbero.

Resumo

Este artigo aborda a presença do mito na mídia, especialmente o monomito, também conhecido como jornada do herói, que inicialmente foi apresentado por Joseph Campbell. Também será abordada a presença da Astrologia na mídia, com foco na jornada astrológica, que possui grandes semelhanças com a jornada do herói, pela ideia de ciclo que ambas têm em comum. Como exemplo, será apresentada a saga astrológica na mídia presente no mangá Os Cavaleiros do Zodíaco, que deu origem também a livros, filmes e jogos. Para compreender a presença do mito na mídia, especialmente a jornada do herói e a jornada astrológica, serão utilizados os autores Carl Gustav Jung, Vladimir Propp, Beatriz Del Picchia, Cristina Balieiro, Mircea Eliade, Malena Contrera, Vilém Flusser e Christopher Vogler.

O mito hoje

O mundo em que vivemos nos coloca muito mais em contato com os assuntos cotidianos, as notícias do dia a dia e uma infinidade de coisas que tende a nos aproximar muito mais com o mundo externo do que com nosso próprio interior. No entanto, de acordo com o mitólogo Joseph Campbell, isso nos afasta da “literatura do espírito” e da “ vida interior”, o que, para ele, é o que realmente “tem a ver com o centro de nossas vidas”. Segundo Campbell, quando ficamos velhos e todas nossas necessidades são atendidas, nos voltamos “para a vida interior” e se não soubermos “o que é esse centro”, vamos sofrer. É aí que entram os mitos. De certa forma, eles servem para nos contar a nossa própria história. Por isso, de acordo com o mitólogo, os mitos e suas informações “têm a ver com os temas que sempre deram sustentação à vida humana, que construíram civilizações e enformaram religiões através dos séculos”. Campbell continua, dizendo que os mitos têm a ver “com os profundos problemas interiores, com os profundos mistérios, com os profundos limiares da travessia”. Ele ainda complementa dizendo que “se você não souber o que dizem os sinais ao longo do caminho, terá de produzi-los por sua conta”.

Em resumo, os mitos, para Campbell, são pistas para as potencialidades espirituais da vida humana, são experiência de vida que nos ensinam a voltar para dentro e nos conectam com a experiência de estar vivo. Mais do que isso, para Campbell, “aquilo que os humanos têm em comum se revela nos mitos”. Por isso, contamos e estudamos mitos, para compreender a nossa própria história, já que todos nós precisamos compreender e enfrentar a morte, assim como precisamos de ajuda em nossas passagens ao longo da vida. Assim, de acordo com Joseph Campbell, “mitos são histórias sobre a sabedoria de vida”.

Apesar de aparentemente esquecido, o mito continua presente em nossas vidas, seja pelas histórias que ouvimos ou por sua presença, ainda que indireta, na mídia.

A jornada do herói

sacred

Campbell, em seu livro “O herói de mil faces”, apresenta a ideia de monomito, um mito comum a todos nós. Pensando no que Campbell definiu como a “função pedagógica do mito”, que nos ensina “como viver uma vida humana sob qualquer circunstância”, a jornada do herói nos ajuda a compreender cada etapa da nossa jornada, seja de nossa vida como um todo ou das pequenas e grandes jornadas pelas quais nos aventuramos durante nossa trajetória. Nesse sentido, a jornada do herói pode ser considerada “um modelo arquetípico que pode conter sentido e significado para pessoas reais e contemporâneas”.

Como bem resumem Beatriz Del Picchia e Cristina Balieiro, “o modelo da jornada do herói é composto de um ponto de partida – que, de certa forma, é também o ponto de chegada – chamado mundo cotidiano e de três fases: ruptura, iniciação e retorno”. Cada uma dessas fases é composta por algumas etapas, sendo que, dependendo da jornada, algumas delas podem ou não ser vividas. Em outras palavras, todo herói vive as três fases, que podem ser compostas de mais ou menos etapas.

As etapas da jornada do herói ou aventura do herói, como Campbell chama, descritas em seu livro “O herói de mil faces” são:

I. A partida

1. o chamado da aventura
2. a recusa do chamado
3. o auxílio sobrenatural
4. a passagem pelo primeiro limiar
5. o ventre da baleia

II. A iniciação

1. o caminho de provas
2. o encontro com a deusa
3. a mulher como tentação
4. a sintonia com o pai
5. a apoteose
6. a última benção

III. O retorno

1. a recusa do retorno
2. a fuga mágica
3. o resgate com auxílio externo
4. a passagem pelo limiar do retorno
5. senhor de dois mundos
6. liberdade para viver

As pesquisadoras Beatriz Del Picchia e Cristina Balieiro, além de grandes estudiosas de Campbell, pesquisaram a relação entre a jornada do herói e a vida de pessoas reais, tendo descrito a jornada com algumas diferenças em suas etapas. Para as autoras, é importante lembrar que “as etapas não acontecem de maneira linear como no mito”. Segundo a observação delas, nas vidas das pessoas “algumas dessas etapas acontecem para todas, são inerentes ao caminho”, enquanto “outras etapas podem ocorrer ou não”.

Para Christopher Vogler, a jornada do herói também está dividida em doze estágios: mundo comum, chamado à aventura, recusa do chamado, encontro com o mentor, travessia do primeiro limiar, testes, aliados e inimigos, aproximação da caverna oculta, provação, recompensa (apenhando a espada), caminho de volta, ressurreição e retorno com o elixir.

Círculos e ciclos

ciclos

Joseph Campbell, assim como C.G.Jung, pesquisaram sobre os acontecimentos circulares, especialmente os círculos e mandalas, que também possuem um conteúdo mítico. Também Mircea Eliade, ao falar do mito do eterno retorno, abordou esse tema.

Mandala é uma palavra em sânscrito que significa o círculo que é montado ou desenhado simbolicamente, adquirindo um significado de ordem cósmica Quando alguém faz uma mandala, está tentando coordenar seu círculo pessoal com o universal. Muitas cerimônias e rituais indígenas, por exemplo, acontecem em formas circulares.

A própria jornada ou aventura do herói pode ser descrita de forma circular, considerando que o herói parte do mundo comum, para onde retorna. O mito, aliás, rompe com o tempo linear histórico e inclui os ritos e rituais que, de forma circular, “asseguram a continuidade da vida”.

Essa concepção cíclica ou circular de mundo está ligada aos movimentos celestes, especialmente aos ciclos de Sol e de Lua. Mircea Eliade nos lembra de que as fases da Lua “desempenharam um papel importante na elaboração das concepções cíclicas”.

Vilém Flusser lembra sobre a “roda do Sol, o círculo do tempo”, que “coloca tudo e todas as coisas de volta no lugar que lhes é devido”. Flusser ainda lembra que “os planetas descrevem órbitas circulares, eclípticas ou elípticas”.

Nesse sentido, a base da Astrologia está relacionada a esses movimentos circulares e a ideia de ciclos que sempre se repetem. Apesar dos ciclos astrológicos possuírem diversos referenciais, todos eles são circulares e cíclicos. Considerando o homem na Terra como observador, a Astrologia considera o aparente movimento de Sol, Lua e dos planetas ao nosso redor. Além disso, tendo como base o local geográfico no qual está o observador, formam-se as doze casas astrológicas, diretamente ligadas ao movimento diário da Terra em seu próprio eixo, que faz com que tenhamos o tempo dividido em dia e noite.

A jornada astrológica: a narrativa do Sol pelo Zodíaco

A jornada do herói pode ser comparada aos diversos ciclos astrológicos existentes e suas narrativas. De acordo com Malena Contrera, a jornada do herói “em tudo é análoga ao Ciclo da Semente do Zodíaco (e ao mostrador das Casas Astrológicas) em um percurso que se constrói a partir da relação homem/céu”.

A principal jornada astrológica acontece a partir da narrativa do Sol e demais astros pelo zodíaco, uma faixa aparente que circunda a Terra, por onde temos a impressão de assistir o movimento do Sol, da Lua e de todos os planetas. Essa faixa é dividida em doze partes iguais, conhecidas como os doze signos.

Os doze signos estão intimamente ligados às quatro estações do ano, cada uma delas subdividida em três partes iguais, o início, o auge da estação, e a transição para a próxima. Astrologicamente, cada estação do ano tem início com um signo cardinal, tem seu ápice em um signo fixo e sua transição para a próxima em um signo mutável. Este ciclo também tem relação com a agricultura e os ciclos de plantio. De acordo com Malena Contrera, esse percurso do Sol pelo zodíaco “tem suas origens em narrativas míticas de sociedades arcaicas predominantemente agrícolas, que relacionam o percurso do Sol pelo fundo projetivo do céu ao ciclo da plantação, seus mitos e ritos”.

A jornada do herói astrológico – as casas astrológicas

universe holding it up

 Outra jornada astrológica importante é a das doze casas astrológicas que, em um mapa astral, representam áreas e assuntos, mas também falam da nossa própria jornada e experiência de vida. Por exemplo, a primeira casa, que inicia com o chamado Ascendente, fala do nascimento do dono do mapa, inclusive apresentando as condições do parto. Narrando a vida de alguém a partir das casas astrológicas, podemos imaginar a jornada de toda uma vida, incluindo todas as fases e desafios.

Se a narrativa do Sol pelo zodíaco tem a ver com o movimento da Terra em torno do Sol, responsável pelas estações do ano, a narrativa através das casas astrológicas tem a ver com o movimento da Terra em torno de si mesma, responsável pelo dia e pela noite. Astrologicamente, ambos os sistemas são utilizados concomitantemente, sendo que ambos, aparentemente, são movimentos opostos, já que o trânsito do Sol, da Lua e dos planetas pelo zodíaco acontece no sentido anti-horário, enquanto que o movimento do Sol, da Lua e dos planetas pelas casas acontece no sentido horário.

Assim, o chamado Ascendente, que é o início da primeira casa e representa o nascimento, a própria pessoa, incluindo seu corpo físico, seu comportamento e atitudes perante a vida, é o signo que está ascendendo no horizonte naquele momento. Portanto, os planetas próximos ao Ascendente estão para nascer, ou acabaram de nascer. Assim, quem nasce junto com o Sol terá este conjunto ao seu Ascendente. Por volta do meio dia, o Sol, que está à pino no céu, está no chamado Meio do Céu, início da décima casa astrológica, que representa o pai, a carreira, o destino, a vida pública e imagem social. Quando o Sol está se ponto, está no chamado descendente, que abre a sétima casa, considerada a área dos relacionamentos e dos contratos. Por volta de meia noite, quando o Sol está do outro lado, à pino no hemisfério oposto, ele está na chamada quarta casa, considerada a casa da família, entre outros assuntos, o momento mais noturno do mapa, quando, em geral, estamos dormindo.

Um aspecto levantado por Malena Contrera em seu livro é a relação entre a Saga do Herói Astrológico, abordando as casas astrológicas. Segundo Contrera:

as casas astrológicas se propõem a representar um percurso típico do desenvolvimento do ego (herói), estabelecendo fronteiras para definição de uma identidade, num percurso que conta uma história bastante arquetípica, presente sobretudo em sua própria estrutura narrativa.

Ao falar das doze casas, Malena Contreta compara sua estrutura narrativa aos conceitos de monomito, apresentado por Joseph Campbell, às estruturas apresentadas por V. Propp sobre os contos maravilhosos. Cada uma das doze casas está associada a um dos doze signos, possuindo alguns significados análogos.

Assim, o “herói (ego) nascente encontra no Ascendente seu batismo de identidade”, lida com seus valores pessoais na casa 2, conhece seu ambiente próximo na casa 3 e, na casa 4, encontra suas raízes familiares e sua estrutura emocional. Um dos grandes desafios do herói é sair da casa 4, seu mundo comum e confortável, para desenvolver seu próprio ego e individualidade na casa 5. Na casa 6, o herói precisa aprender a lidar com os desafios do cotidiano, trabalhar e cuidar de si mesmo, para, então, poder se relacionar com os outros, na casa 7. Quando o herói se relaciona, sendo a casa 7 a casa dos parceiros e também dos inimigos, aprende a lidar com os valores do outro e ganha intimidade com seus companheiros, assuntos estes da casa 8, que também representa as grandes perdas e os ganhos, as mortes e os processos de mudança. Na casa 9 o herói aprende a expandir suas fronteiras e ir além de seus horizontes. Cria sua filosofia de vida a partir de tudo que já viveu. Na casa 10 o herói tem o desafio de assumir seu papel social e desenvolver uma carreira, encontrando sua vocação e destino. Na casa 11 o herói encontra seu grupo e compartilha suas ideias. É a casa que fala dos grupos a que pertencemos e das comunidades das quais fazemos parte. Na casa 12 podemos dissolver nossa identidade individual e, neste caso, encerramos o ciclo em uma “grande re-união do indivíduo com o Cosmos”.

Segundo Malena Contrera, a partir deste momento, “o ciclo recomeça com um novo nascimento, o nascimento de um outro herói (ou o mesmo transformado?) ou de um novo dia após esse ciclo de 24 horas”.

Essa narrativa pelas doze casas também pode representar fases e idades específicas da vida ou, ainda, pode ser comparada mais objetivamente com a própria jornada do herói descrita por Joseph Campbell.

A saga astrológica na mídia

casas

O mito, muitas vezes na forma de jornada do herói, está presente na mídia. Como diz Christopher Vogler, “as ideias que Campbell expressa em seu livro (O herói de mil faces) estão tendo grande impacto nas narrativas”. Segundo ele, “era inevitável que Hollywood se aproveitasse da utilidade da obra de Campbell”.

A narrativa astrológica pode ser encontrada de forma objetiva e/ou subjetiva na mídia. Malena Contrera, por exemplo, relacionou a saga das doze casas astrológicas com a narrativa presente no filme O Rei Leão.

Um outro exemplo é o caso dos “Cavaleiros do Zodíaco”, nascido sob a forma de Mangá, em 1985, mas que já ganhou outros formatos na televisão, no cinema, em livro e em games. Na saga, alguns dos personagens possuem nomes dos signos ou constelações astrológicas. São cinco heróis (cavaleiros) que usam armaduras sagradas baseadas nos signos astrológicos e têm como missão defender a reencarnação da deusa grega Atena.

Em um dos episódios, chamado “A Saga do Santuário”, considerado uma das principais passagens do mangá, dez cavaleiros são enviados ao santuário para proteger Atena. A trama contém vários acontecimentos, entre eles o roubo da armadura de ouro do cavaleiro de Sagitário, nono signo do zodíaco, que é dividida justamente em nove partes, que serão buscadas pelos cavaleiros de bronze.

A saga é dividida em seis partes, o que equivale aos seis eixos astrológicos que se referem tanto aos doze signos como às doze casas. Em um determinado momento do episódio, acontece a Batalha das Doze Casas, que tem como enredo principal a tentativa de purificação do santuário, Saori (reencarnação da Deusa Atena) e os cavaleiros de Bronze. Para garantir seus desejos maléficos, o Grande Mestre convoca os lendários cavaleiros de ouro, os mais poderosos Cavaleiros de Atena. Cada um deles possui um nome e pertence a um dos doze signos astrológicos, na sequência do zodíaco: Mu de Áries, Aldebaran de Touro, Saga de Gêmeos (Falso Grande Mestre), Máscara da Morte de Câncer, Aiolia de Leão, Shaka de Virgem, Mestre Ancião de Libra (seu verdadeiro nome é Dohki), Milo de Escorpião, Aiolos de Sagitário, Shura de Capricórnio, Camus de Aquário e Afrodite de Peixes.

Na primeira casa Mu concerta as armaduras de bronze dos quatro cavaleiros que queriam ser rápidos e tentam passar pela casa de Áries. É interessante pensar que o signo de Áries está associado às guerras, às lutas e armaduras. Assim como a Casa 1, representa os inícios, inclusive o começo de qualquer jornada ou aventura. É um signo associado à velocidade, à rapidez.

Na segunda casa, a casa de Touro, os cavaleiros têm dificuldades ao tentar entrar, pois percebem uma “muralha” que mais tarde se descobre que era o corpo do próprio gigante cavaleiro de touro. Curiosamente, Touro é o signo que rege o corpo. É um signo muito mais denso do que Áries, por ser de terra. A casa 2 tem a ver com consolidação e matéria e na jornada do herói pode representar, também, a recusa ao chamado, pois em Touro ou na Casa 2, sempre parece mais fácil manter tudo como está, ficando em sua zona de conforto. Ainda na Casa de Touro, o cavaleiro Seiya corta o chifre de Aldebaran, fazendo também referencia ao próprio signo.

Na terceira casa, de gêmeos, os cavaleiros se deparam com duas casas, com dois caminhos, fazendo analogia ao próprio signo que é representado, mitologicamente, pelos irmãos Castor e Polux. Aliás, o signo de Gêmeos está relacionado ao duplo e às múltiplas possibilidades. Cada um dos cavaleiros segue por um dos dois caminhos. O cavaleiro cego percebe a ilusão de ótica que esconde a saída, mas o outro cavaleiro é atingido por um golpe e é enviado para outra dimensão, diretamente para a casa de Libra que, astrologicamente, possui relação direta com o signo de Gêmeos, por serem ambos signos de ar, conectados por um aspecto harmônico. Outra curiosidade sobre o cavaleiro de Gêmeos, na trama, é ser ele o falso grande mestre, já que este signo também tem como característica a facilidade de se fazer passar por outra pessoa.

Na quarta casa, de Câncer, os cavaleiros se deparam com várias cabeças sofrimento, justamente na casa relacionada ao signo do sentimento e, de certa forma, do sofrimento e do drama. Além disso, se deparam com cabeças de crianças e mulheres, também em referencia ao signo que rege a mãe e a maternidade. O cavaleiro responsável pela casa é o Máscara da Morte, que se encontra justamente na casa na qual o herói astrológico precisa se confrontar com suas raízes e matar certos aspetos de sua personalidade para poder seguir adiante e assumir sua própria individualidade (ego) na casa seguinte. Além disso, nesta quarta cara um dos cavaleiros é jogado de uma cachoeira, justamente a água que faz referencia ao signo de Câncer (a água cardinal e, portanto, a água dos rios e das cachoeiras).

Na casa cinco, a de Leão, encontra-se Aiolia de Leão, o mais poderoso cavaleiro, uma alusão ao signo regido pelo Sol, que tem fama de querer sempre ser o melhor. Na sexta casa, de Virgem, um dos cavaleiros tem seus cinco sentidos retirados, sendo que, astrologicamente, Mercúrio, regente do signo de Virgem, é também o regente desses sentidos. Os cavaleiros são enviados para outra dimensão, talvez uma alusão ao signo de Peixes, signo oposto e pertencente ao mesmo eixo de Virgem.

Na sétima casa um dos cavaleiros é tirado do gelo com as armas de Libra. Este cavaleiro é aquecido com calor humano, justamente no signo e casa que regem os relacionamentos e encontros. O cavaleiro recuperado abraça seu companheiro, que salvou sua vida, e o carrega no colo até a próxima casa, demonstrando a troca existente no signo de Libra e na sétima casa, a dos relacionamentos.

Na oitava casa, a de Escorpião, vários desafios são vividos, na área que, astrologicamente, rege as situações mais extremas e os riscos de vida. Nesta casa é utilizado um turbilhão de gelo e, em contra ataque, agulhas. Em um ato de desespero, o cavaleiro atingido desperta seu sétimo sentido, justamente na casa que rege o que está além, a intuição e a mediunidade. Nesta casa acontecem situações-limite, provas de resistência e coragem. Também nesta casa, a casa da morte, do renascimento e da reencarnação, um dos cavaleiros percebe que Saori é a reencarnação de Atena.

Na nona casa, a de Sagitário, é disparada uma flecha, um dos símbolos que representa o signo astrológico. Nesta casa, que astrologicamente rege os ideias e planos futuros, os cavaleiros confabulam e encontram, juntos, saídas e formas de seguir para a próxima casa.

Na décima casa, de Capricórnio, os cavaleiros encontram uma estátua de Atena, que pode ser vista como uma referencia ao sólido signo que rege a imagem social. Também se assustam com a abertura de uma fenda no chão, no signo que rege a terra. Há uma luta contra um dragão e uma vitória, na casa que fica no alto do céu astrológico e que fala dos resultados finais. Também é interessante o fato de que o cavaleiro de Capricórnio tinha uma honra incomparável, mais uma analogia com o signo.

Na décima primeira casa, a de Aquário, signo de ar fixo, o gelo, os heróis da saga encontram gelo, em uma temperatura próxima do zero. Nesta casa, eles encontram o ar frio que estava concentrado.

Por fim, na décima segunda casa, a de Peixes, os heróis encontram uma rosa e se deparam com Afrodite que, astrologicamente é Vênus, planeta que fica muito bem posicionado em Peixes, por ter uma semelhança essencial. Nesta casa os heróis também corem riscos de intoxicação e de enfrentar uma tempestade nebulosa, ambos referencias aos riscos e desafios piscianos. Nesta casa também é encontrado um caminho secreto e Seiya é salva.

Algumas considerações sobre mito, Astrologia e mídia

Por serem informações importantes sobre a vida e as potencialidades humanas, os mitos também estão presentes na mídia, seja de forma direta e objetiva, ou de forma indireta e subjetiva. Isso vale especialmente para a jornada do herói, ou o monomito, como chamou Campbell, já que a aventura ou jornada mitológica reflete aspectos importantes e essenciais da vida humana. O mesmo vale para a jornada astrológica, cujo zodíaco representa a própria história do homem e seus ciclos.

Campbell alertou sobre a necessidade de conhecer nosso centro, aquilo que realmente faz sentido dentro de nós. Também apresentou o mito como um caminho para chegar a este centro. Segundo ele, ao conhecer um mito e ter essa história em mente, ajudar a perceber “sua relevância para com aquilo que esteja acontecendo em sua vida”. Por isso contar histórias é tão importante. Especialmente histórias repletas de significados, como é o caso do mito, especialmente a jornada do herói, que tem tanta relação com a trajetória de uma vida.

Isso vale especialmente para a jornada do herói astrológico, contada há muitos séculos, seja pela narrativa do Sol pelo zodíaco ou por todos outros ciclos celestes que possuem relação direta com a vida na Terra.

Quando esses conteúdos são inseridos na mídia, sua conexão com o público é imediata, pela ressonância entre interior e exterior, entre o ser humano e a história que está sendo contada. No caso da Astrologia e dos ciclos celestes, essa ressonância vem de longa data, já que foram esses os primeiros ciclos e narrativas com os quais o homem teve contato. Para os antigos, conhecer o céu era questão de sobrevivência, já que dependiam desses ciclos para plantar e lidar com as mudanças climáticas. A partir daí foram criando narrativas que até hoje estão presentes no imaginário e na vida humana e, talvez por estarem tão inseridas no homem, estão também fortemente presentes na mídia.

Pyke Koch (Dutch, 1901-1991), Steenbok - Capricorn, 1944

Referências
CAMPBELL, Joseph (entrevista com Bill Moyers). O poder do mito. São Paulo: Associação Palas Atenas, 1992.
CAMPBELL, Joseph. O herói de mil faces. São Paulo: Pensamento, 2013.
CONTRERA, Malena Segura. O mito na mídia. São Paulo: Annablume, 2000.
DEL PICHIA, Beatriz. BALIEIRO, Cristina. O feminino e o sagrado: a mulher na jornada do herói. São Paulo: Ágora, 2010.
ELIADE, Mircea. O mito do eterno retorno. Lisboa: Edições 70, 1969.
FLUSSER, Vilém. O mundo codificado: por uma filosofia do design e da comunicação. São Paulo: Cosac Naify, 2007.
JUNG, Carl Gustav. O homem e seus símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.
______. WILHELM, Richard. O segredo da flor de ouro: um livro de vida chinês. Petrópolis: Vozes, 2012.
PROPP, Vladimir. Morfologia do Conto Maravilhoso. Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária Ltda, 2010.
VOGLER, Christopher. A jornada do escritor. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006.
Revista
Almanaque curioso das sagas: segredos das maiores aventuras de todos os tempos. Coleção Mundo Estranho. São Paulo: Abril, 2013.

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Imagens Astrais na História da Arte

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Imagens Astrais na História da Arte

A Mountain Storm

Propostas para uma Relação entre Cinema, Iconologia e Investigação Histórica

Francisco Santiago Júnior

Doutor em História pela UFF. Professor do Departamento de História e do Programa de Pós-graduação em História da UFRN.

Este trabalho almeja lançar bases para expansão do conceito de iconologia na historiografia a partir da apropriação dos estudos visuais. Nosso objetivo é fundamentar a análise do cinema como uma imagem na composição das formas e sensibilidades da cultura visual contemporânea. Seguindo Jacques Aumont, parece-nos que o cinema compartilha com a pintura e outras artes visuais uma história do olhar que permite a observação histórica da construção e da crise das representações. As sensibilidades modernas são formadas pela cultura visual com a troca incessante entre imagens de variados suportes que tomam umas as outras como referências.

O conceito de iconologia pode tornar-se chave para encaminhar a análise imagética uma vez que permite “passear” pela interligação conjunta das imagens visuais e não visuais que compõem as sociedades. Para W. J. Mitchell, a iconologia é uma crítica ideológica a partir da noção de imagem, que toma seu objeto como imagem e observa as diversas interligações visuais e não visuais. A iconologia permite a problematização da cultura visual, e insere o cinema numa dinâmica da história das representações e suas sucessivas crises.

Segundo Hors Bredekamp a noção de iconologia remete à tradição dos estudos da história da arte alemã, em especial, aquela desenvolvida por Aby Warburg, cuja percepção ampliada de uma “ciência da imagem” já fazia o que os atuais estudos visuais almejam. A fortuna da ideia caberia a Erwin Panofsky em Significado nas Artes Visuais, quando estabeleceu bases heurísticas da história da arte, dividindo-a em 3 etapas: a pré-iconográfica, a iconográfica e a iconológica. Esta última referia-se a um “espírito do tempo” que permitiria perceber a maneira de pensar de uma época. Essa perspectiva influenciou sobremaneira uma série de estudos entre os quais podemos citar as análises iconológicas da astrologia e das imagens astrais no Renascimento europeu.

Desde os trabalhos de Aby Warburg, Frizt Saxl e Erwin Panofsky, desenhou-se uma tradição de estudos sobre as imagens astrais renascentistas que dialogam diretamente com a história da cultura renascentista como um todo, entre os quais se destacam as obras de Frances Yates e Eugenio Garin, os quais necessariamente não eram historiadores da arte no sentido forte do termo. Este trabalho investiga algumas versões da constituição de iconologias influenciadas pela “tradição Warburg” na investigação de temas astrológicos.

Pretendemos apenas construir chaves de leitura sobre uma tradição de história da arte (ou em diálogo com esta), que, ao investigar discursos de época sobre o que Garin chamou de “polêmica astrológica”, conseguiu desenhar bases profícuas de pensamento metódico sobre as imagens que constituiu, de fato, uma crítica dos núcleos ao redor dos quais se moveram a sensibilidade e as formas de hierarquização de uma época – ou seja uma iconologia. Neste pequeno texto, dedicamos atenção apenas a Frances Yates e Eugenio Garin.

A Grande Dama

Earth and Moon

Como afirmou John Michael Krois, os estudos sobre o ocultismo de Frances Yates estiveram relacionadas a sua preocupação com uma questão de significado duradouro: a memória em um sentido cultural. Sua obra não teria sido influente na filosofia, contudo, na reflexão sobre a história da ciência, na história da arte e na história e teoria da memória, Yates tem um lugar central, principalmente, por sua atenção às questões “marginais” da epistemologia do Renascimento. Como Krois nos lembra, os sistemas mnemônicos estudados por Yates seriam Weltanschauungen, ou seja, “visões de mundo” que partem de uma caracterização mnemônica das formas humanas de relações com o mundo.

Estas visões, acrescentaríamos, se fazem por meio da construção de “sistemas de imagens” que externalizam-internalizam a criação de marcadores capazes de instaurar e reforçar a lembrança do que é importante numa dada realidade. Para Yates, as “visões de mundo” permeavam os tratados de memória e outras produções culturais, uma vez que elas estavam presentes em outras esferas da produção cultural das sociedades renascentistas, numa “nova estrutura renascentista da psique”. Yates estudava o que hoje poderíamos chamara de “processos de indexação” dos sentidos numa dada sociedade. Interessada na vida psíquica renascentista, concebia as tradições “ocultistas”, em especial, a tradição hermética. Não era, portanto, uma historiadora da arte estrita, mas entendia o quadro de relações culturais amplos nos quais seu tema era envolto.

Em vários momentos de seus textos, realiza leitura de obras artísticas, demonstrando o corpo de relações nas quais o hermetismo e a mnemotécnica estiveram envolvidos, realizando-se como prática de letrados europeus. Exemplar disso foi sua leitura da obra de Giotto em Arte da Memória, segundo a qual re-interpreta os afrescos (1305) do pintor na Capella degli Scrovegni. A autora propõe leitura então inovadora da obra do pintor.

Ao observar a disposição das figuras a partir da marcação dos “lugares memoráveis” e informada pela tratadística mnemônica da baixa idade Média, que enfocava na lembrança constante do destino da alma após a morte, ou seja, o céu ou inferno. A historiadora desenvolve a ideia da imagem como talismã, cujos inícios estariam nos afrescos de Giotto. Ao ligar a ideia do embelezamento (que acentuaria o individualismo humanista) com a arte da memória, Yates reconduz as obras de arte renascentistas às tradições culturais diversas e observa indexações de sentido improváveis numa apreciação puramente estética.

Na verdade este princípio de análise já havia sido esboçado pela autora um ano antes, em seu célebre Giordano Bruno e Tradição Hermética no qual analisa com brevidade, o mesmo princípio da imagem-talismã a partir da tela Primavera (1478), de Sandro Boticcelli. Yates estudava a “magia natural” de Marsilio Ficino, o qual concebia a possibilidade de afastamento da influência melancólica sobre pessoas nascidas ou influenciadas sob o signo do planeta Saturno a partir do desenvolvimento de “imagens do mundo”, ou seja, talismãs que gravavam sinais visuais astrais dos planetas benéficos (Sol, Vênus e Júpiter). Num exercício de “magia natural” capaz de capturar os poderes celestiais destes astros abençoados por Deus, a aproximação e posse desses objetos poderiam angariar melhor fortuna para os seus donos. Na tela de Boticcelli, segundo Yates, o Mercúrio e a Vênus representados seriam os próprios planetas, e o vento que captura a “ninfa da primavera” seria o próprio “sopro do espírito” preconizado pela tradição hermética de Ficino. O próprio quadro de Boticcelli era um talismã, um objeto artístico-místico. Yates construía outra concepção da arte renascentista:

A dignidade do homem como mago, como operador que tem dentro de si o divino poder criador e o poder mágico de casar terra ao céu, reside numa heresia gnóstica de que o homem já foi e pode vir a ser novamente, pelo intelecto, um reflexo da divina mens, um ser divino. Segundo a reavaliação final do mago da Renascença, ele se torna um homem divino. Ainda uma vez, vem-nos à memória um paralelo com os artistas criadores, pois era esse o epíteto que os contemporâneos de Pico concediam aos grandes, a quem com frequência se referem como o divino Rafael, o divino Leonardo, ou o divino Michelangelo.

Yates

Trata-se de observar a presença de “visões de mundo” herméticas difundidas na visão social, que se realizam tanto na obra de filósofos-magos como Marsilio Ficino e Pico della Mirandola, como nas telas de Boticcelli e Pintoricchio. Em Giordano Bruno, Yates está sobre influência da interpretação que Fritz Saxl faz das imagens pintadas por Pintoricchio no Aposento dos Bórgias, do Papa Alexandre VI.

Particularmente é importante reter que Yates faz a mesma observação dos processos de indexação de valor e sentido ao analisar as imagens dos pintores citados acima, quando os indaga a partir das tradições herméticas e cabalísticas. Observa o que hoje chamaríamos de diferentes apropriações do cristianismo que é reconduzido noutra direção teosófica, filosófica e prática a partir da imbricação de concepções herméticas e cabalísticas. Fraturando a própria concepção de que as visões de mundo seriam unitárias, Yates demonstra que estas são diversificadas e interpretadas de modos diferenciados por sujeitos sociais diversos que estão informados pela mesma atmosfera cultural, tornando a cultura um campo de disputas de “visões de mundo”. Por um lado, as tradições herméticas se impregnam de cristianismo e deslocam a própria ideia de mago medieval, que do necromante torna-se teósafo (e filósofo, como afirmou Eugenio Garin) que angaria a força divina das potências astrais (Ficino) ou do conjuro de forças angelicais (Mirandola).

O processo de conseguir essa potência a partir da elaboração de talismãs estaria inserido na obra dos artistas também, cujo sentido era mais do que a impregnação iconográfica de sinais astrais ou de personagens que remetiam aos poderes da magia natural ou cabalísticas. Estaria, na verdade, inserido no próprio funcionamento das imagens no “clima cultural” no qual estavam inseridas.

Evidentemente Yates não teoriza esses aspectos todos aqui apontados. Tampouco define ou usa os termos iconologia ou iconografia em seus trabalhos (ao menos naqueles aos quais consegui ter acesso). Contudo em seu método de leitura e interpretação do material histórico, tal como em Panofsky, texto e imagens são cotejados para informarem o sentido um do outro. Ainda que seu acento seja nos textos, Yates identifica não apenas a formalização de um sistema de imagens nos tratados de memória ou na “magia natural” de Ficino, como elabora uma indagação sobre imagens formadas nestes textos. Quando observa os signos que permitem a construção de talismãs ou “imagens do mundo” na obra de Ficino, por exemplo, Yates compara as imagens dos planetas e seus atributos definidas pelo mago com seus equivalentes no tratado do Picatrix, o que demonstraria o vinculo do autor renascentista com o texto. Se o uso de imagens visuais em suas obras é menor, a observância da construção de imagens textuais como objetos funcionais é fundamental.

O estudo sobre os tratados da memória são os mais significativos neste sentido. Yates acompanha a formulação de imagens da memória desde a antiguidade, seus deslocamentos no período medieval, transformação num sistema de imagens pela escolástica até finalmente evidenciar como na Renascença, pela apropriação das tradições herméticas, o sistema de imagens torna-se “talismânico”. Isso ocorre a partir da ressignificação dessas “imagens astrais”, da “magia astral”1 que aparece nos tratados de Ficino e Mirandola, mas também no Teatro da Memória de Giulio Camillo e nas artes herméticas de Giordano Bruno. Tratava-se de observar a gestação de teorias das imagens da memória na qual a criação de imagens é o centro da própria forma de elaborar conhecimento.

1 Yates faz uma diferença fundamental pela qual assegura que Ficino e Mirandolla não eram astrólogos. Evidencia, pelo contrário a diferença entre seus usos das imagens astrológicas a partir da noção de magia “astral”.

Imagens no texto que permitem reconfigurar a visão das imagens no mundo, mas que, também, a partir das imagens visuais como as telas de Boticcelli ou Giotto, permite observar outra dimensão da vivência renascentista. Neste sentido, a metódica de interpretação histórica de Yates tenta entender como dados textos geraram sentido, evitando projeções do presente sobre o material do passado, observando como num dado contexto, textos e imagens conferem densidade histórica ao momento contemplado pelo estudioso.

A Defesa do Humanismo

OCASO

Por mais problemático que seja a vinculação direta de Garin com a tradição Warburg, alguns historiadores sustentam que essa relação pode ser pensada em no mínimo duas perspectivas: temática e metodológica. Sempre interessado na discussão do significado da “volta da vida ao antigo” (das Nachleben der Antike) para os renascentistas, Garin dialoga diretamente com a tradição do Instituto Warburg, principalmente no desenvolvimento dos temas de um trânsito cultural entre política, filosofia e artes italianas na época clássica. Isso fica muito evidente em seus textos dedicados a magia e a astrologia. Yates reconheceu a inflexão criada pelos trabalhos de Garin publicados nos anos 1950 dedicados à vinculação entre astrologia e magia e que retomavam explicitamente, entre outros, aos estudos de Aby Warburg e Fritz Saxl.

O interesse fundamental de Garin era determinar o que fora de fato o espírito humanista e no que se configurou plenamente a experiência ideológica do Renascimento. Os aspectos da Nachleben são componentes de um quadro maior de reflexão. Para Garin a especificidade histórica do Renascimento Italiano deveria ser definida numa espécie de via média na qual se reconhecia as continuidades históricas com o período medieval e a novidade histórica humanista. O humanismo é concebido como um movimento dialético complexo de concepções de mundo e de sujeito, não apenas um fenômeno filosófico, literário ou retórico.

O humanismo faria parte da experiência e da expectativa construídas em várias camadas do que hoje chamaríamos de práticas sociais. A retomada do mundo antigo seria parte da busca de inspiração própria de um método de estudo com certa novidade histórica na qual o reconhecimento da diversidade das “formas de vida e de pensamento”, das diferentes “maneiras de viver” e “de sentir”, por meio do reconhecimento do legado clássico, construíam um sentido de história novo e não escatológico.

Surge certa “metafísica do homem criador” no qual a construção de uma novidade do homem como demiurgo capaz de negociar e controlar o universo a partir do conhecimento converteu-se em ideário de pensamento e das ações de intervenção urbana, política e espiritual. Com sua herança gramsciana o historiador formulou o que poderíamos chamar de um complexo ideológico no qual a magia e a astrologia ocuparam um papel fundamental. Para Garin, personagens como Marsilio Ficino, em seus interpretações do Picatrix e do Corpus Hermeticum, ao povoarem o céu e a terra de almas, restaurando o holismo hermético pela ligação das almas das coisas com as almas das estrelas, criaram uma posição mágico-astrológica no qual o universo surgia como um organismo imenso no qual se observava correspondências harmoniosas. A alma do mundo é a mediadora que torna o talismã possível, pois é um lugar de intersecção no plano estelar, de maneira que cada individuação é uma síntese de todas as unidades vivas do cosmos num “jogo de espelhos sem fim, uma sucessão de imagens e de sombras de imagens: em cima, as formas perfeitas das ideais em baixo, o enfraquecimento das influências”.

Diferente de Yates, Garin observa a astrologia como algo maior do que a reinterpretação de imagens astrais para fins não astrológicos, distinção que a autora torna fundante para compreender o papel das imagens dos planetas na tradição hermética. O italiano compreendeu a astrologia em Ficino a partir da maneira como Pico della Mirandola entendera a astrologia que lhe era contemporânea: uma concepção ou uma linguagem celeste da realidade, a qual Garin atribui uma projeção histórica da época com um todo. Quando se imita as figuras celestes em talismãs conforme regras astrológicas, surge uma possibilidade de mediação. Segundo Garin, Pico teria uma compreensão acertada de que a astrologia fazia parte da vida do homem e de diversos campos do saber e da ação. Tratava-se de uma concepção de realidade.

Exatamente por isso a “polêmica astrológica” acompanhada em Zodíaco da Vida livro fundamental de Garin sobre o tema, é concebida pelo historiador como um ponto de encontro das perspectivas de mundo na qual ocorria a afirmação dos valores modernos adaptando as tendências astrológicas, herméticas e cabalísticas num todo capaz de fazer um diagnóstico histórico de época. A astrologia era componente do “novo homem” e sob o signo de “magia natural” e outras denominações de época, permitia observar como as imagens astrológicas foram transformadas em sinais da primeira modernidade.

A interpretação de Garin sobre a relação entre a astrologia e Giordano Bruno também divergia da de Yates. Para o italiano, a astrologia e as imagens astrológicas estiveram sujeitas a um processo de desmistificação no século XVI. Bruno e outros fizeram um uso contínuo dessas imagens que lhes diminuiu o valor de referência e integração da própria concepção de mundo e história astrológica. Bruno, em especial, ao fazê-las componentes da sua arte da memória, tirou-lhes a capacidade de serem transformadoras do mundo em si mesmo, tornando-se apenas agentes pessoais. Para Bruno as imagens eram componentes de uma reforma moral que convertia o homem em mago, conferindo-lhe poder sobre o universo. O holismo astrológico que embasava Pico e Ficino os levou a uma concepção talismânica de imagens cujos fins eram integrar o homem com o universo para manipular a fortuna, enquanto Bruno almeja dominá-lo num esforço contínuo de racionalização cujo fim último fora a completa desmistificação dos astros em si mesmos.

Em sua “abertura metódica”, Garin tratava da atividade de reinterpretação que os humanistas fizeram das três fontes fundamentais de saber antigo: o neoplatonismo, a astrologia via Picatrix e a tradição hermética. Todas sendo atualizadas pela visão e interpretação dos humanistas que reconstruíram uma concepção ou visão de mundo em tensa disputa. Ou seja, para Garin o Renascimento era composto por fraturas e contradições. Se sua concepção não é propriamente hermenêutica no sentido estrito, o é no sentido aberto do termo, uma vez que está menos interessado na forma como as tradições astrológicas sobreviveram, e mais na forma como elas constituíram e permitiram a formação e transformação do Humanismo.

Isso implica compreender que Garin concebe as imagens astrais como componentes de uma época que são movidas em textos, ideais e obras de arte. Raramente o autor parara para abordar o que a história da arte chamou de pintura e de prática artística em si mesma. Em alguns poucos casos, discutiu temas astrais na pintura, e em geral, fazia isso via a retomada dos estudos dos historiadores da arte, principalmente os do Instituto Warburg (Aby Warburg, Fritz Saxl, Erwin Panofsky, Frances Yates) ou italianos que com este dialogava (como Salvatore Settis). Compreendeu que uma concepção de mundo atravessou vários campos culturais, manifestando-se na medicina, na arte, na filosofia, na retórica, na política, na arquitetura. Qualquer compreensão da astrologia e das imagens astrais e astrológicas no Renascimento era, portanto, uma discussão sobre as tensões e disputas no campo cultural que ativavam um complexo ideológico. Uma percepção mágico-astrológica do humanismo evidencia elementos importantes de que uma “concepção de mundo” estivera sujeita a deslocamentos em função da mobilização de imagens, as quais eram sinais de um arcabouço cultural mais amplo que era a própria astrologia.

Se Garin não trabalhou na direção propriamente de uma “ciência das imagens” (iconologia), mas de uma ciência da cultura, no sentido warburguiano-panofskiano do termo, ao contemplar elementos tratados nesta última, fica evidente que o autor italiano concebe um método de trabalho amplo no qual o material de análise transcende as obras dos magos filósofos. Uma vez que a iconologia pode ser pensada como uma crítica da própria criação das imagens e dos interesses, poderes e eventos nos quais os sentidos foram gerados, Garin trata desses elementos a partir das concepções astrológicas no decorrer dos séculos XIV-XVI. Tratando as ideias e movimentos de imagens como sinais de época, no que se refere aos temas astrológicos, o italiano evidencia uma lógica do sentido como processo em mudança que não pode, evidentemente ser resumido às imagens geradas, mas que possui nelas um aspecto fundamental. O objetivo de Garin é o mesmo da iconologia, embora as imagens que ele objetiva esclarecer sejam referentes ao estatuto epistemológico das imagens no período renascentista, estatuto reconstruído a partir das categorias históricas da época. Entre textos e imagens, o autor evidencia que a astrologia era um componente do que hoje podemos chamar de cultura visual.

Considerações Finais

Flemish astronomical manuscript, c. 1800 with volvelles

Para W. Mitchell pode-se atingir e distinguir os núcleos de entendimento que uma sociedade desenvolve a partir dos processos de significação gerados por ela. Uma das operações que torna tal crítica possível é a Iconologia. Mitchell retoma, para tanto, os trabalhos inaugurais de Erwin Panofsky para demonstrar que tipo de proposta iconológica seria possível. A análise do historiador alemão sobre a perspectiva seria indicativa de uma metodologia que relaciona texto e imagem para o entendimento da “visão de mundo” de uma dada sociedade. A crítica ao trabalho de Panofsky tem visado essencialmente seu neokantismo e a visão homogeneizadora com a qual classificou o Renascimento. Panofsky teria esvaziado a Nachleben e ignorando o potencial de memória contido nas “formas patéticas”, hoje tomadas como a grande contribuição de Aby Warburg para a história da cultura. Isto seria observável ainda no famoso Saturno e a Melancolia, iniciado na década de 1930 e reformulado em 1964.

A proposta de iconologia de Panofsky, portanto, era racionalista e homogeneizante quando enquadrava a forma como as imagens e a astrologia faziam parte do mundo renascentista. Contudo, como chama atenção W. J. Mitchell, a interpretação de Panofsky parece apontar na direção importante da ligação dialética entre texto e imagem como componentes da formulação mútua dos temas e formas da cultura. Este seria o sentido primeiro da iconologia do alemão, que observaria a maneira como imagens se gestam com textos e vice-versa. Este mesmo princípio estaria contido na obra de Frances Yates na medida em que as diferentes apropriações das tradições culturais estudadas pela historiadora inglesa tratam de imagens observadas a partir de textos. Também se encontra presente na obra de Eugenio Garin, para quem temas e simbolismos culturais atuaram no universo mágico como componentes do complexo cultural mais amplo, estando na base da própria formulação das imagens.

O agenciamento de tradições aparentemente estranhas umas às outras em contextos históricos diversos é um dos traços da tradição de Aby Warburg e de estudiosos a ele relacionados. O núcleo do projeto iconológico trata as imagens como ponto de cruzamento de demandas culturais amplas nas obras de Yates e Garin. Este núcleo é a base de uma proposta iconológica tal como pensada por Micthell: um projeto de investigação cultural que toma a imagem como questão, objeto textual-visual construído no cruzamento cultural.

Eugenio Garin

Referências Bibliográficas
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O simbolismo ascensional, a Arte da Memória e a busca do método científico.

As Plêiades – Relações Interdisciplinares entre Artes Visuais e Astronomia

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Origem Clássica dos Aspectos – Skyscript

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Origem Clássica dos Aspectos

By Leigh J. McCloskey

Deborah Houlding

Este texto foi traduzido com a autorização da autora. Sua cópia, tradução e publicação só poderão serem feitas com autorização prévia.

Skyscript

Tradução:
Rachel Zaniboni
rachelzaniboni@bol.com.br

A palavra aspecto vem do latim aspicio, “considerar”. Ela é encontrada durante a Idade Média, mas antes essa palavra similar foi usada para dizer que os planetas “consideraram-se”, “contemplaram-se”, “olharam-se”, “testemunharam-se” e “viram-se”. Alguns textos tradicionais nos dizem que não é correto chamar a conjunção de aspecto, a razão é que planetas confluintes não se vêm, eles se encontram. O termo é geralmente precedido pela palavra corpórea (“físico”), enfatizando que é uma união física ao invés de uma mistura de raios. Alguns astrólogos argumentaram que o termo foi somente apropriado quando o evento ocorreu sobre paralelos semelhantes de celestial latitude, embora com mais freqüência fora usada para planetas unidos por celestial longitude somente.1

 1 Ptolomeu, em seu Tetrabilos, diz sobre isto: “…uma relação é levada a existir se isso acontece por conjugação corporal ou através de um dos aspectos tradicionais, com exceção no que diz respeito às aplicações e separações dos corpos celestes que é utilizado também para observar suas latitudes, do modo que apenas essas passagens podem ser aceitas as quais são encontradas no mesmo lado da eclíptica. No caso das aplicações e separações por aspecto, no entanto, tal prática é supérflua, porque todos os raios diminuem e convergem de toda direção no mesmo ponto, isto é, o centro da Terra”.

gráfico 1

A maioria dos aspectos menores de hoje não existiam na astrologia primitiva. O fato é que eles são incapazes de inscrever uma forma dentro da roda do zodíaco, pois os invalida de acordo com os princípios da astrologia antiga. Apenas dois deles têm uma história clássica: o semi-sextil e o inconjunct (quincúncio). A maior parte do semi-sextil foi dispensado como fraco demais para ser de influência perceptível, a razão é que o ângulo entre os signos é muito obtuso para permitir uma linha clara de visão entre os planetas: “Suas atenções são concedidas em símbolos distantes que eles podem visualizar”, disse Manilius.2 Onde isso foi usado, o aspecto foi aceito por implicar uma condição de vaga familiaridade; uma relação que era improvável por ocasionar um evento dinâmico, por sua própria conta.

2 Manilius, Astronômica, 2. 385-395.

Inconjunct (literalmente alheio) era o nome aplicado aos planetas situados cinco signos separados. Com a ausência de qualquer forma física para conectar seus signos, o próprio termo sugere um estado de aversão natural. Tal relação foi considerada lamentável ou “alheia” e os signos foram citados ao afastarem-se um do outro, indicando uma quase malévola falta de simpatia. Na literatura clássica o termo ablepton significa “sem visão” ou “cego” é freqüentemente encontrado, como é o significado de asyndeton que significa “sem conexão”, aversum “se afastou”, e alienum “desconhecido”.3

3 Ver Firmicus II. XXII e a nota 38th do tradutor (Ascella Reprints p.303). Também Horóscopos Gregos por Neugebauer & Van-Hoesen, p.13.

Naturalmente, o trígono é o aspecto mais favorável, pois a harmonia e o equilíbrio são inerentes em sua forma.4 Ele tem a capacidade de facilitar uma concordância entre os planetas, e permite-os responder uns aos outros com simpatia como permite suas naturezas. Se o resultado é benéfico ou não depende inteiramente do que os planetas trazem consigo e o que eles representam – as energias destrutivas de um Marte debilitado podem produzir uma influência catastrófica!

4 Ver Astrólogo Tradicional, edição de número 7: “Uma introdução a Numerologia Pitagórica” e edição de número 6: “Clássico Uso das Triplicidades”.

A quadratura, conhecido como o quartil ou quadrado, não era um aspecto completamente indesejável. Embora incapaz de oferecer o acordo do trígono, o fato de que os sinais têm uma “visão” forte uns dos outros o que significa que há uma familiaridade entre eles. Manilius explica que o poder do trígono é maior do que a quadratura, mas fala favoravelmente de ambos quando diz:

E o que quer que juntou em uma série os quatro ângulos favoráveis, e qualquer ponto que a linha reta marca em sua pista tripla… em cima delas tem natureza outorgada e de direito comum, a boa vontade mútua e os direitos de amizade com cada uma.5

5 Astronômica 2. 340; (Leob p.109).

 A quadratura foi tomada como inquestionavelmente prejudicial quando um planeta maléfico ou desafortunado estivesse envolvido, embora muitos textos falam da necessidade de recepção ou alguma outra forma de familiaridade para que haja uma influência positiva.

Ilustrações de os chamados aspectos “maus” são interpretados positivamente e encontrados em todo o texto do século 1º de Dorotheus de Sidon. Ele diz, por exemplo, que é melhor ter o Senhor da triplicidade da Lua em um bom lugar com a Lua ou em oposição a ela ou quartil ou trino do que ter o Senhor da triplicidade não aspectando com o ascendente ou com a Lua. O último é uma má indicação para o nativo.6

6 Dorotheus, Carmen Astrologicum, Bk I. ch.25; (Ascella Reprints p.189).

Dorotheus lembra-nos que a natureza da relação aspectual depende de um número de fatores, principalmente da força e da natureza dos planetas envolvidos. Um trino de Júpiter a Vênus pode indicar fama, ele adverte, mas se Vênus estiver afligido vai ser uma infâmia notória causada por meio de relações vergonhosas. Da mesma forma, um aspecto quadrangular não irá prejudicar se ambos os planetas estão bem colocados, dignificados e recebendo uns aos outros de forma amigável.

Dorotheus refere-se ao trígono como um aspecto de muito amor e quanto ao quartil como um de uma quantia média de amor. Tal amizade não é indicada pela oposição; este aspecto é baseado no simbolismo divisivo do número dois, é o epítome da separação e da inimizade. Apenas ocasionalmente ele é levado a representar acordo – geralmente entre as partes conflitantes que golpeiam uma aliança instável. Manilius reconheceu uma semelhança fundamental entre signos oponentes por causa de seu gênero comum, mas acrescida das mais óbvias diferenças predominantes:

…signo afrontando signo brilham opostamente, ainda por causa de sua natureza, eles são muitas vezes tidas em aliança e uma simpatia mútua surge entre eles, como eles são ligados pelo laço do gênero: …mas sobre este laço as estações prevalecem: Câncer resiste Capricórnio, embora ambas fêmeas, uma vez que o verão conflita com o inverno… Admirando-se não com os signos, portanto situados durante a batalha.7

7 Astronômica, 2. 410; (Leob p.115).

Não só é hostil, a oposição é um aspecto muito forte e contundente porque os planetas têm uma visão clara e direta do outro.

O sextil, que tem um ângulo obtuso, tem uma linha de visão frágil e sua importância foi freqüentemente subestimada pelos autores clássicos.8 Onde foi usada, sua derivação do número três determinou sua interpretação. Foi dito ser como o trino, mas mais fraco.9

 8 Firmicus, nota 39th do tradutor (Ascella Reprints p.303).

9 Dorotheus, II.17; (p.221).

Night side of Earth

 Aplicação e Desenvolvimento das Órbitas

Assumindo que planetas estão em aspecto de movimento direto e são lançados por planetas mais rápidos e recebidos por uns mais lentos. É importante observar se um aspecto está aplicando ou separando porque isso agrega valor vital descritivo para o gráfico. Geralmente, aspectos separados representam o início da vida, pessoas idosas e eventos passados; aspectos aplicáveis indicam pessoas mais jovens (aqueles nascidos após o nativo), as condições de vida mais tarde e eventos futuros.

A atitude clássica com relação a aspectos e órbitas era muito mais descontraída do que a nossa. A regra simples era a de quando dois signos estão em aspecto, todos os planetas dentro desses signos estão aspectados também, independentemente dos graus específicos. Às vezes, os picos dos signos foram usados como limites para a influência do aspecto, como nos é dito no texto do século 12 de Ibn Ezra, que afirmou que os antigos não considerariam uma conjunção entre dois planetas, embora eles estivessem em órbita, a menos que ambos também estivessem no mesmo signo. No entanto, embora Ezra tenha escrito sobre a regra ele mesmo discordou sobre isso, dizendo:

Se os dois planetas estivessem em dois signos e cada um deles estivessem na força do corpo um do outro, eles não devem ser considerados em conjunção, porque eles estão em diferentes signos. Essa é a opinião dos cientistas antigos, mas eu, Abraão, o compilador do livro, não concordo com elas.10

10 Ibn Ezra, O Início da Sabedoria, capítulo 7; Ascella Reprints, p. 209.

Na prática, a maioria dos astrólogos permitiu um aspecto que cruzou os limites dos signos onde eram perto da exatidão por grau. Também, muitos textos lembraram o estudante que imputando aspectos pelos signos sozinhos não vai necessariamente manter a filosofia das formas, o que é mais correto considerar realmente os graus. Um planeta a 28º de Leão, por exemplo, trina a um planeta a 2º de Sagitário de acordo com a relação entre os signos, mas está perto de um quadrado exato quando as posições planetárias são medidas de grau em grau. Este último é conhecido como um aspecto em partes, por considerar as “partes” (ou graus) em vez dos signos. Aspectos julgados de acordo com a relação dos signos são chamados platick, a partir de um termo que significava “placa” ou “extensa zona”.11

11 Na astrologia renascentista o termo partil geralmente referia-se a aspectos que eram exatos ou perto da perfeição, enquanto platick referia-se aqueles que eram “soltos”, ou de uma órbita mais ampla.

Na maioria dos gráficos tirados dos arquivos de Vettius Valens, procedimento padrão era aparentemente para calcular aspectos de acordo com os signos, pois ele raramente chateou-se até mesmo ao listar as posições planetárias por grau. No entanto, ele estava ciente da necessidade de considerar os graus e em um exemplo refere-se a um aspecto prejudicial que ocorre entre Touro e Virgem “porque ele está em seu quadrado, contados pelos graus”.12

12 Neugebauer & Van-Hoesen, Horóscopos Gregos, p.82. Na sua nota de rodapé os tradutores afirmam que não é possível verificar o que se entende por este comentário, revelando sua raridade no trabalho de Valens.

Orbes originados a partir de uma necessidade de determinar um limite para “perfeição” – o período de maior força do aspecto. Normalmente, isso era interpretado como o grau de exatidão, mas a opinião variava e o segundo texto do Antiochus13 do século II menciona “contato” ou “aplicação no sentido próprio”, como ocorrendo com 3º.14 O texto do século XI de astrólogo árabe al-Biruni também contém uma lista de orbes planetários que são relatados para ser copiadas a partir do trabalho do século III de Porphyrius.15 Infelizmente, atualmente nós não temos exemplos claros e inequívocos do emprego de orbes na astrologia clássica e só se pode dar um palpite fundamentado no seu desenvolvimento, baseado em informações fornecidas em textos posteriores.

13 O Thesaurus, traduzido por Robert Schmidt; editado por Robert Hand; publicado pela Golden Hind Press (1993), como parte do compromisso do Projeto Hindsight para traduzir obras astrológicas antigas.

14 William Lilly menciona este 3º de órbita sendo significativo em seu Merlini Anglici, 1677, dizendo: O aspecto partil vem a acontecer dentro da diferença de três graus – embora em outro lugar, ele define um aspecto partil exatamente para dentro de 1º.

15 Al-Biruni, O Livro da Instrução nos Elementos da Arte da Astrologia, traduzido por Ramsay R. Wright (Ascella); Notas p.255.

Em latim orbis significa literalmente “círculo” ou “esfera”, definindo uma órbita planetária como essa área do céu que prontamente o rodeia – vasta e completamente esférica de repente não está lá no céu – foi como Plínio falou da Lua.16 Alguns autores referem-se a esfera planetária como a força de seu corpo, percebendo-a como uma espécie de aura altamente carregada, invisível ao olho nu, mas mergulhada na influência do planeta.

16 História Natural II. 42; (Loeb p.195).

órbitas 1

Nós podemos ser bastante confiantes de que as órbitas do Sol e da Lua derivam da distância em que o obscurecimento ocorre durante fenômenos heliacal. A esfera tradicional do Sol de 15º – 17º é apenas sobre a distância em que planetas desaparecem de vista quando entram em conjunção com o sol. A esfera da Lua de cerca de 12 graus da Lua é o que separa os luminares quando a nova lua crescente reaparece depois da conjunção. Torna-se visível a uma distância menor que os planetas porque é um corpo mais luminoso.17 Essas imagens só podem ser aproximadas porque elas são afetadas pelo brilho das condições meteorológicas prevalecentes dos planetas. É possível que todas as órbitas planetárias originam-se de uma primeira tentativa de obscuridade heliacal. A tabela acima, por exemplo, mostra as figuras que Firmicus utilizou como determinantes por quantos graus os planetas tornam-se estrelas da manhã, que nascem antes do Sol, ou estrelas noturnas que nascem após o Sol. Com exceção do vulto dado por Mercúrio, eles têm uma estreita semelhança com a lista das órbitas tradicionais.18 Um outro argumento, no entanto, é que os limites exteriores não foram baseados de forma alguma em qualquer tipo de arco visual, mas sobre a resistência ou a superioridade dos planetas. Assim, os planetas exteriores Marte, Júpiter e Saturno têm uma influência mais proeminente, e nesse sentido foram dadas maiores órbitas que os inferiores Mercúrio e Vênus.

17 Fontes tradicionais afirmam que os planetas vão “Sob os raios do Sol” no 15º ou 17º. Lilly mencionado ambos os limites, alegando na p.113 da Astrologia Cristã que um planeta gira sob Os Raios do Sol a 17º do Sol, mais tarde se contradizendo em nota editorial tradução de Henry Coley de Guido Bonatus Anima Astrologiae. Ele afirma ali que um planeta é mais corretamente intitulado de “Debaixo dos Raios de Sol” quando é inferior a 12º do Sol; e diz-se ser “Indo Debaixo dos Raios do Sol” quando a distância é entre 1º – 15º. (Apreciação 53, p. 25).

18 Firmicus, BkII IX. Para uma ilustração detalhada de como aplicação e separação estão ligadas ao relacionamento individual entre um planeta e o Sol ver de O Princípio da Sabedoria de Ezra, Cap. 7.

No momento em que Al-Biruni escreveu seu ‘Elementos na Arte da Astrologia’, no século XI, a opinião foi acentuamente dividida sobre os “limites da finalização”. De acordo com seu comentário alguns astrólogos utilizaram um 12º auxílio de ambos os lados dos aspectos (com base no fato de que esta é a esfera da Lua); outros utilizaram o auxílio de 15º graus (a esfera do Sol): e alguns usaram a principal esfera planetária média onde quaisquer dos planetas estavam em aspecto. No entanto, outros tomaram suas lideranças de Ptolomeu, que no Tetrabiblos tinha especificado 5º de orbe para o ascendente defendendo que este deveria ser aplicado a aspectos exatos também. Outros ainda preferiram um auxílio do 6º com base no fato de que, como um quinto signo, este é a extensão média do orbe planetário.19

19 Para al-Biruni sobre órbitas ver capítulo linha 436-437, 446 e 490.

Tendo em vista a confusão, não é surpreendente que a questão das órbitas foi inteiramente evitada. Um dos primeiros textos a abordar a questão com qualquer tipo de detalhe é a do astrólogo francês Claude Dariot (1533-1594). Sua obra ofereceu uma explicação clara de como as órbitas deveriam ser determinadas, e seu método se tornou o padrão para os astrólogos da Renascença Européia.

Porção da Órbita

Como uma introdução à questão das órbitas, Dariot primeiro menciona brevemente que “utilização” pode ser dito para o 6º de perfeição. Mas ele então descreve seu sistema preferido, em que o aspecto é decidido pela órbita principal de dois planetas em questão. Ele refere-se às órbitas como círculos, radiações ou raios dos planetas, “através do qual eles podem ser unidos por qualquer conjunção ou aspecto corporal”. Ele adere aos limites planetários especificados por al-Biruni, acrescentando que estes são realmente os diâmetros das órbitas.20 Mercúrio, por exemplo, tem uma órbita total de 14º, estendendo a 7º de ambos os lados, enquanto a Lua tem uma esfera 24º estendendo 12º graus de ambos os lados. É somente com Mercúrio e o “toque” da Lua que a metade do meio de suas órbitas de conclusão (ou aplicação) realmente se inicia. Esta região do meio é chamada de “porção” da esfera, moitie é uma palavra francesa do século 15 derivada do latim medietas, significa meio. Usando os dados de al-Biruni, a porção de cada órbita é mostrada na tabela seguinte:

20 Dariot, Ad Astorum Facilis Introductio, (1593) Capítulo 7. Este texto foi publicado em folhetim sobre as questões 5,6 e 7 de O Astrólogo Tradicional.

órbitas 2

Assim, um aspecto envolvendo Mercúrio e Vênus inicia sua conclusão (ou é “em órbita”) quando os dois planetas estão 7° distantes entre si, o total das suas respectivas porções: 3½ ° + 3 ½ °. Um maior auxílio de 13½ ° é aceito para o sol e a lua (7 ½ ° + 6 ½ °), reconhecendo a importância maior dos corpos luminosos. A separação começa a ocorrer logo que os planetas passaram com exatidão, mas a influência do aspecto não está totalmente diminuída até que eles terem ido além da porção de suas esferas.

Somente no último século as órbitas determinam pela natureza do aspecto ao invés dos planetas envolvidos, um processo de simplificação que não fracassa ao aceitar que alguns planetas têm uma influência mais forte do que outros. No entanto, tão tarde quanto os meados dos anos 1940, quando Sepharial escreveu seu Novo Dicionário da Astrologia, o entendimento popular das órbitas ainda estava muito ligado com os princípios da unidade empregados pelas preferências de Dariot e Lilly.

gráfico 2

Sinister & Dexter

Trígonos, quadraturas e sextis são chamados às vezes de aspectos de dois lados em obras tradicionais, porque eles podem ser lançados para a esquerda ou para a direita de qualquer planeta.22 Se um planeta é colocado em Áries, seu quadrado para um planeta em Capricórnio é chamado de um aspecto dexter (significado de dexter a direita) e seu quadrado ao planeta em Câncer é chamado de sinister (da esquerda). A interpretação destes termos é novamente ligada à filosofia de Pitágoras e repousa sobre o modo que os sinais vêm uns aos outros. Sua visão é dita para seguir o movimento diário do céu então dexter descreve uma visão para frente natural, enquanto sinister descreve uma vista para trás tensa.

22 Al-Biruni acrescenta que quando um planeta está no Meio do Céu e tem dois aspectos sextil ou quartil onde ambos caem sobre a terra, é dito ter dois lados direitos. Se eles caem abaixo da terra eles tem dois lados esquerdos. As indicações do anterior são sucesso e vitória, Cap. 503.

O diagrama demonstra como dexter e sinister relacionam o movimento planetário. Todos os dias os planetas giram em torno da Terra de leste a oeste. Eles aparecem no horizonte leste, culminam no meio do céu e desaparecem de vista no horizonte ocidental. O movimento diurno que transporta os planetas no sentido horário em todo o céu foi primordial na astrologia tradicional, embora nos textos modernos é praticamente ignorado.23 Como já perdemos muito do entendimento geocêntrico que jaze na base do nosso simbolismo, a ênfase tem sido situada sobre o movimento anti-horário dos planetas através dos signos. Este descreve o movimento astronômico dos planetas através do zodíaco, mas perde a perspectiva dos céus conforme eles aparecem da Terra, e ignora o simbolismo essencial ligado à polaridade do dia e da noite.

23 Ptolomeu, ao falar dos dois sistemas de movimento, referiu-se ao progresso diário de uma estrela do leste a oeste como “primeiro movimento primário” (Almagesto I.8). O poeta Chaucer resumiu a sua importância quando escreveu: Causa primeira do movimento, firmamento cruel, conduzindo as estrelas com a sua oscilação diurna e arremessando tudo do leste para o ocidente, que naturalmente iria tomar outro caminho.

gráfico 3

Astrólogos clássicos, no entanto, consideraram o movimento diurno central a sua arte e chamaram-no o movimento natural do céu. Manilius explicou que, conforme um signo se eleva, seu olhar é direcionado para os signos que se elevavam antes, não para aqueles que se elevaram depois disso. Áries olha direto na direção de Aquário por sextil, Capricórnio pela quadratura e Sagitário pelo trígono:

Capricórnio vê Libra, enquanto o Áries vê Capricórnio a frente e é por sua vez visto por uma distância igual por Câncer; e este é percebido pelas estrelas da esquerda de Libra como se segue: os signos anteriores são contados como signos a direita.24

24 Astronômica, 2.290-295; (Loeb p.105).

Um aspecto dexter é, portanto, mais direto. Ele tem uma influência mais forte do que sinister e é mais provável de produzir, um efeito direto sem complicações. Um aspecto sinister, porque é proferido contra o movimento natural do céu e tem que “olhar para trás”, é mais fraco e um pouco debilitado. Os termos geralmente transmitem algo da crença antiga e generalizada cuja direção “certa” é manifesta, forte e ligada a qualidades diurnas, enquanto a “esquerda” é oculta, passiva e noturna. Daí a palavra sinister, originalmente usada para descrever algo que pertence à esquerda, passou a significar algo que é escuro, oculto e de um estado antinatural.

O Planeta Dominante

Obras clássicas também nos dizem que o planeta sobre a direita de um aspecto (ou seja, aquilo que é mais a frente em um movimento diurno) domina, vence ou se sobrepõe a outro a esquerda. (No diagrama à direita a Lua em Áries domina Mercúrio em Câncer, enquanto que Saturno em Capricórnio domina a Lua). É muito melhor ter um benéfico dominando um maléfico – deste modo reduzindo seu poder para destruir – do que ter um maléfico dominando um benéfico. Por exemplo, Dorotheus nos diz que se Júpiter domina Marte pelo quadrado, o nativo será nobre, firme, compassivo. Mas se Marte domina Júpiter eles serão mesquinhos, cansativos, fatigados e difamatórios.

Astrólogos clássicos como Vettius Valens fizeram muito uso do planeta dominante. No gráfico a seguir reproduzido ele descreve como Saturno em Aquário trouxe ao nativo um ano precário no qual ele ficou doente, escapou por pouco no mar e um processo judicial muito caro (o qual, eventualmente, ele ganhou). Valens explicou que, embora Saturno fosse angular no 7º, foi dominado por Vênus em Libra (por trígono) e Júpiter em Escorpião (por Quadratura). Então, porque os benéficos dominaram Saturno e foram os mais fortes, o infortúnio do homem foi aliviado e Saturno foi inibido de causar grave dano.26

26 O. Neugebauer & H.B Van-Hoesen, Horóscopos Gregos p. 104, No. L108, XI.

CARTA

Gráfico de Vettius Valens 108 D.C

…”ele era tudo na sua época e tinha estreita evasão no mar e tinha grandes despesas, mas o beneficiário (as estrelas) foram destinadas a estar em dominância com relação a Saturno e eram as mais fortes”.

 Em linha com esta, as casas 9, 10 e 11 de qualquer planeta foram acreditadas terem a maior influência sobre ele – especialmente a 10ª casa, que dominou o planeta da mesma forma que o Meio do Céu domina o Ascendente. Ptolomeu refere-se a este quando diz que em questão de morte as únicas casas que têm algum poder de domínio (além do ascendente e descendente) são as casas 9, 10 e 11 do ascendente, que é a questão da vida.27

27 Tetrabiblos, III.10.

Deborah Houlding é uma astróloga honorária de renome internacional, palestrante e autora. Ela editou e publicou a revista O Astrólogo Tradicional de 1993 a 2000, tem sido Editora Honorária da Revista Astrológica e Vice-Editora do Boletim de Trânsito da Associação Astrológica. Deborah teve artigos publicados em várias publicações astrológicas incluindo o Jornal Considerações, Realta Astrológico, O Astrólogo Montanha, O Praticante Honorário, e A Astrologia Trimestral. Seu livro As Casas: Templos no Céu foi nomeado na categoria Internacional do Livro do Ano dos Spica Prêmios de 1999. Visite o site do Deborah Houlding para artigos, comentários e informação sobre a astróloga horária em www.skyscript.co.uk.

© Deb Houlding 2002 Todos os Direitos Reservados.

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Os Limites da Astrologia – Os Prognósticos Diluvianos

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Os Limites da Astrologia

relógio astronómico by Johannes Stöffle

Fr. Antônio de Beja contra os Prognósticos Diluvianos de 1524 

Pedro Campos Franke*

 * Mestrando do Programa de Pós-graduação em História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro e bolsista da Capes.

Nas primeiras décadas do século XVI, a atenção de diversos homens de letras da Europa voltou-se massivamente para o tema dos limites da teoria da influência dos corpos celestes sobre o mundo sublunar. A chamada astrologia judiciária teve suas bases teóricas postas em questão por uma enxurrada de impressos, especificamente nos anos que se seguiram à difusão de um almanaque de prognósticos, escrito pelos astrólogos alemães Johan Stöffler e Jakob Pflaum, que previa para o ano de 1524 uma grande conjunção planetária no signo de Peixes e sugeria, a partir de tal fenômeno, uma intensa alteração climática na Terra. As previsões do Almanach nova plurinis annis venturis inserniens (1499), de caráter assaz ambíguo no que concerne aos acontecimentos climáticos concretos, foram interpretadas por alguns astrólogos como claríssimos significantes de um segundo dilúvio universal, de idênticas proporções ao ocorrido nos tempos de Noé.

Diante de manifestações de pânico coletivo e da corroboração de tais vaticínios por parte de prestigiados astrólogos europeus, coube aos filósofos naturais, teólogos e outros homens de letras (dentre eles alguns astrólogos) um consistente questionamento dos fundamentos de uma astrologia divinatória fatalista que em última instância não deixava espaço para a ação do livre arbítrio dos homens. É justamente nesta atmosfera de controvérsia que é publicado em Portugal o livro Contra os juízos dos astrólogos (1523), do frei jeronimita António de Beja.

Após uma breve introdução sobre o lugar da astrologia na época do Renascimento, veremos como Fr. António de Beja constrói em seu tratado uma argumentação fundamentada tanto no humanismo neoplatônico de Giovanni Pico della Mirandola quanto na filosofia de pensadores gregos e latinos e em interpretações bíblicas, concatenando uma crítica astrológica voltada para a ação pragmática dos intelectuais na refutação do determinismo astral em geral, e dos prognósticos sobre a conjunção de 1524 em específico.

A Controvérsia Astrológica na Época do Renascimento

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Os processos que vieram a interferir na formação da cultura científica de nosso tempo estão longe de constituir um movimento linearmente evolutivo. As tentativas de uma periodização rígida e do estabelecimento de marcos como o da Revolução Científica foram historicamente construídas a partir de modelos explicativos em constante transformação, e através dos quais não podemos deixar de perceber o embate de idéias e uma série de tensões intelectuais que são parte fundamental e imprescindível da escrita histórica.

Uma percepção clássica da formação da ciência moderna costuma opor ao florescimento de uma cultura científica no século XVII as ações obstaculizadoras, ora do movimento das idéias religiosas, ora das tradições de caráter “supersticioso” e especulativo como a magia natural, o hermetismo e a astrologia. A historiografia do século passado procurou, em grande medida, problematizar tais proposições. De um ponto de vista sincrônico, nem se faz presente categoricamente tal oposição, nem é sustentável um modelo explicativo que suponha uma linearidade na forma pela qual os embates filosófico-científicos, desde o Renascimento até o século XIX, acabaram por desestruturar o antigo sistema cósmico inspirado na física aristotélica e introduzir novos elementos à cultura científica, como o empirismo e a matematização do universo sensível. O nascimento da ciência moderna se deu, portanto, a partir da tensão entre “visões metafísicas divergentes e opostas”, e “por caminhos tortuosos e difíceis, de múltiplas e discordantes tradições.” 1

1 ROSSI, Paolo. A ciência e a filosofia dos modernos: Aspectos da Revolução Científica. São Paulo: Ed. Unesp, 1992. p. 212.

Neste sentido, a contribuição do Renascimento ao pensamento científico tem sido um dos temas mais debatidos por historiadores e filósofos da ciência, e pode-se dizer, dos mais controversos. Um forte caráter anti-naturalista do primeiro humanismo, 2 impulsionado por um novo afluxo de idéias, transformações sócio-culturais e novas traduções de textos antigos, parece indicar, grosso modo, uma aproximação de filósofos, teólogos e intelectuais em geral do Quattrocento italiano a uma cultura moral, cívica e retórica que teve seu ápice no pensamento da antigüidade latina; e um conseqüente afastamento das leituras escolásticas do pensamento grego lógico e naturalista, sobretudo o de Aristóteles, senão através de uma crítica de fato, pelo menos de uma realocação do helenismo em seu próprio tempo. De Petrarca a Marsilio Ficino e desta primeira fase até a segunda, o que se observa ao mesmo tempo é uma trajetória de idéias que se distancia da rigidez aristotélica da física natural e da lógica em direção a uma filosofia da alma, derivada das concepções neoplatônicas e centrada no elemento humano e nas formas pelas quais ele procura atuar e modificar o mundo que o circunda. 3 E é justamente a partir deste movimento que foram formuladas as mais contundentes críticas à astrologia divinatória de fins do século XV e princípios do XVI; e não, como se poderia esperar, dos primórdios de uma cultura “científica” à maneira moderna, oposta ao caráter supersticioso e supostamente anti-naturalista da astrologia. 4

2 GARIN, Eugenio. O zodíaco da vida:A polémica sobre a astrologia do século XIV ao século XVI. Lisboa: Editorial Estampa, 1988. p. 44.

3 v. Id., L’umanesimo italiano. Roma-Bari: Ed. Laterza, 1973.

4 Exemplos destas críticas são FICINO, Marsilio. Disputatio contra iudicium astrologorum. Trad. italiana de Ornella Pompeo Faracovi, Milão: RCS Libri, S.p.A., 2000; PICO DELLA MIRANDOLA, Giovanni. Disputationes adversus astrologiam divinatricem. Ed. crítica de Eugenio Garin, Florença: Valecchi, 1946-52; SAVONAROLA, Girolamo. “Trattato contra li astrologi”. In: Scritti filosofici vol. 1. Ed. crítica de Eugenio Garin e Giancarlo Garfagnini. Roma: Angelo Belardetti, 1982.

De fato, já foi amplamente discutida e demonstrada a fundamentação aristotélico-ptolomaica da prática divinatória da astrologia na época do Renascimento. 5 Aristóteles não explicita em nenhum momento de sua obra uma opinião favorável à teoria da influência dos corpos celestes no mundo sublunar, mas algumas de suas proposições acerca da incorruptibilidade dos céus, sobretudo em De caelo, De generatione et corruptione e na Meteorologica, acabaram por dar margem à interpretação de que o movimento dos astros, suas conjunções e posições, constituem não apenas signos pelos quais se pode predizer eventos futuros, como também adquirem uma relação causal com os fenômenos terrenos. A difusão medieval do Tetrabiblos de Ptolomeu constitui um dos principais suportes teóricos de tal interpretação, na medida em que o texto transformava uma lacuna na obra aristotélica em fundamento para a prática de uma astrologia conjectural, porém ainda distante do fatalismo e necessidade astrais que uma outra tradição imprimirá de forma decisiva à tradição astrológica da baixa Idade Média: 6 a dos filósofos árabes e sua particular interpretação da física aristotélica.

5 v. BROECKE, Steven vanden. The limits of influence. Boston: Brill, 2003; KOYRÉ, Alexandre. Ibid.;ROSSI, Paolo. “Sobre o declínio da Astrologia nos inícios da Idade Moderna”, In: A ciência e a filosofia dos modernos, op. cit., pp. 29-48. E para o caso específico de Portugal, v. CAROLINO, Luís Miguel. Astrologia, ciência e sociedade. Rio de Janeiro: Access Editora, 2002.

6 Vanden Broecke traduz o aspecto conjectural, e não necessário, da astrologia ptolomaica no termo “epistemic secrecy”, op. cit., pp. 20-22.

A tradição islâmica da astrologia, introduzida no ocidente a partir do século XII através de traduções das obras de Albumasar, Abenragel, Albohali e Ibn Ezra, é responsável direta pela designação de judiciária. 7 O termo passa a fazer parte da linguagem astrológica ocidental, designando uma prática astrológica que prediz acontecimentos futuros de forma fatalista, e não apenas conjetural. Ora, além de uma fortíssima fundamentação aristotélico-ptolomaica, a tradição islâmica incorporou também a noção de necessidade universal, a partir de uma releitura de proposições estóicas que haviam eliminado da física aristotélica a idéia de um futuro contingente imprevisível – que se dá indiferentemente a partir de uma causa ou de uma cadeia causal – e articulado aos signos celestes um caráter de lei, fatalista e necessária. 8

7 v. GARIN, Eugenio. O zodíaco da vida, op. cit., p. 38. e FARACOVI, Ornella Pompeo. “Indroduzione” In: FICINO, op. cit., p. 14, 15.

8 Esta tendência estóica tem como principal fundamento os escritos de Posidonio de Apaméia e se faz fortemente presente através da Idade Média árabe e bizantina. Tal tradição se relaciona à doutrina das simpatias e dos quatro elementos, e via os corpos celestes “como agentes de uma cadeia cósmica que dispunham fatalmente a vida na Terra.” (CAROLINO, op. cit., p. 48).

É através desta chave de interpretação que a astrologia judiciária pôde ganhar espaço no discurso filosófico-científico das maiores universidades européias dos séculos XV e XVI. 9 Tal interpretação estava longe de constituir um pensamento minoritário e intelectualmente depreciável e, assim como a própria filosofia aristotélica, gozava de grande respaldo e credulidade na época do Renascimento.

9 v. BROECKE, op. cit. para o caso de Louvain e outras escolas e CAROLINO, op. cit. para o caso das universidades portuguesas. v. também NORTH, John D. “Celestial Influence: The Major Premiss of Astrology” In: ZAMBELLI, Paola. Astrology Hallucinati: Stars and the End of the World in Luther’s Time. Berlim: Walter de Gruyter, 1986.

Algumas das críticas mais loquazes à astrologia divinatória durante o Quattrocento italiano partiram de filósofos estreitamente ligados ao neoplatonismo, como Marsilio Ficino e Giovanni Pico della Mirandola. Ainda que em algum momento tais autores tenham se debruçado sobre o estudo da ciência dos astros, ambos terminam por condenar sem ressalvas a prática da astrologia judiciária ou divinatória como vã, supersticiosa e contrária à religião cristã. 10 Em suas argumentações, a astrologia divinatória é refutada, entre outras razões, por ser sua prática incompatível com o pleno desfrute do livre-arbítrio dos homens, articulado por Pico e Ficino à tradição neoplatônica fundamentada nas Enéades de Plotino, que impunha às influências astrais o limite intransponível da superioridade da alma em relação aos corpos terrestres e inclusive os celestes. Segundo esta tradição – seguida de perto pelos neoplatônicos medievais e da Antigüidade tardia – os astros, sendo corpos celestes, poderiam influir nas estruturas corpóreas terrenas, mas não nas almas dos homens, sendo estas superiores e substancialmente diferentes. 11 A reflexão sobre a astrologia por parte da metafísica neoplatônica assume, assim, o ponto de vista de que a característica mais especifica e essencialmente humana dos homens é a alma.

10 v. FICINO, Marsilio. Disputatio contra iudicium astrologorum, op. cit., e a introdução de Ornela Pompeo Faracovi da mesma obra, p. 12; e a ed. crítica de E. Garin das Disputationesde Pico, op. cit.

11 v. FARACOVI, op. cit., pp. 14-20.

O jovem Giovanni Pico della Mirandola, nos últimos anos de sua breve existência acaba por dedicar-se à redação daquilo que viria a ser o mais contundente, extenso e completo tratado anti-astrológico escrito até então: as Disputationes adversus astrologiam divinatricem.12 A obra, publicada postumamente pelo sobrinho de Pico, Gian Francesco, 13 apresentava, em doze livros, refutações à prática divinatória da astrologia fundamentadas tanto em argumentações teológicas quanto filosófico-científicas. O ataque à astrologia divinatória não é desferido por Pico a partir de um “naturalismo científico”, como querem alguns, 14 e sim de uma concepção filosófica, estreitamente associada à teologia, que recusa veementemente a submissão da alma humana à influência de qualquer categoria de causa eficiente, seja ela celeste ou mundana.

12 v. ed. crítica de Eugenio Garin, op. cit.

13 v. nota crítica de Eugenio Garin em SAVONAROLA, Girolamo. “Tratatto contra li astrologi” op. cit., 1982.

14 CARVALHO, “Prefácio”, In: BEJA, Fr. António de. Contra os juyzos dos astrólogos. Coimbra: Universidade de Coimbra, 1944, p. 19.

Num livro recente, Steven Vanden Broecke propõe que, apesar do teor crítico radical das Disputationes, o verdadeiro alvo dos seus ataques não é a astrologia ou a prática astrológica em todo seu conjunto teórico e instrumental, e sim a proliferação dos prognósticos baseados na teoria das grandes conjunções de Albumasar através de toda a península itálica durante o fim do século XV, e sobretudo o impacto social que a difusão de tais prognósticos acarretava. 15 Diversos autores já chamaram a atenção para a “atmosfera de anúncios escatológicos entre conjunções e mudanças fatais” do final dos quatrocentos e início dos quinhentos. 16 É bastante razoável, portanto, que em meio a tal surto de credulidade, um grupo assaz heterogêneo de filósofos naturais, teólogos e mesmo astrólogos procurasse refutar o fatalismo dos prognósticos não apenas visando o público culto das academias e universidades, como também os setores populares da sociedade, onde estes prognósticos se difundiam com mais alarde, resultando até em “casos de pânico coletivo”. 17

15 BROECKE, “Between astrological reform and rejection: Giovanni Pico’s Disputations”, In: The Limits of Influence, op. cit.

16 GARIN, O zodíaco da vida op. cit, p. 95. v. também BROECKE, op. cit. e ZAMBELLI, op. cit. Um estudo minucioso do impacto popular das profecias foi escrito por NICCOLI, Ottavia. Prophecie and People in Renaissance Italy. Princeton University Press, 1990.

17 NICCOLI, op. cit., p. 141.

É exatamente sob esta ótica que devemos entender os tratados anti-astrológicos de cunho “vulgarizador”, escritos em língua vernácula, como o Tratato contra li astrologi, de Girolamo Savonarola e, para o caso específico a ser estudado a seguir, o de Fr. António de Beja no contexto da literatura sobre a conjunção de 1524. Estes constituem aplicações práticas e divulgadoras das argumentações desferidas por Giovanni Pico em suas Disputationes, e de outras proposições acerca dos limites da teoria da influência dos corpos celestes no mundo sublunar.

 A Conjunção de 1524 e a Crítica Astrológica de Fr. António de Beja

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Mais de uma década após a publicação do Almanach de Stöffler e Pflaum, seus vagos prognósticos acerca da conjunção de 1524 assumem proporções provavelmente nunca vislumbradas pelos dois astrólogos alemães. Com base no prenúncio de “indubitável mutação”, 18 o célebre astrólogo italiano Luca Gaurico passa a difundir a idéia de que uma tal conjunção num signo aquático seria causa de um grande dilúvio universal, nas mesmas proporções daquele descrito no Velho Testamento. 19 Em diversos lugares da Europa, seguiram-se intensas manifestações de pânico coletivo: pessoas construíam barcos, refugiavam-se nas montanhas e acumulavam provisões para sobreviver ao pretenso cataclismo. 20

 18 Apud.THORNDYKE, Lynn. “The 1524 Conjunction” In: History of Magic and experimental science vol. V. New York: The Macmillan Company, 1923., p. 181.

19 v. ZAMBELLI, Paola. “Many ends of the world: Luca Gaurico Instigator of the Debate in Italy and in Germany”, In: Astrologi Hallucinati, op. cit. pp. 239-263.

20 Sobre a imensa repercussão popular dos vaticínios diluvianos, v. NICCOLI, “A case of collective panic”, In: Prophecy, op. cit.

A partir de 1519, diversas obras passam a discutir a possibilidade de um dilúvio universal, dentre as quais o Adversus prognosticatorumde Alberti Pigghio, o De falsa diluvii prognosticatione, de Agostino Nifo e o Defensionem astrologorum iudicantium, de Miguel de Pietrasanta. Entre defesas e ataques à ciência astrológica, tais obras têm em comum a negação de um dilúvio de proporções bíblicas, ainda que aceitem em alguma medida a influência dos astros acarretando grandes inundações e tempestades locais. 21

21 Sobre toda a literatura da conjunção de 1524, v. THORNDYKE, History of Magic, op. cit.

Como já ressaltamos, as demonstrações de pânico coletivo diante dos prognósticos sobre a conjunção de 1524 22 estimularam diversos homens de letras a redigir, em língua vernácula, tratados com fins essencialmente “vulgarizadores”; por um lado refutando qualquer possibilidade de um segundo dilúvio universal, e, por outro, esclarecendo os pormenores da ciência astrológica para atacar o fatalismo astral dos prognósticos judiciários. 23 Em Portugal não poderia ter sido diferente.

22 v. NICCOLI, Ottavia. Prophecy, op. cit.

23 Alguns destes tratados: CELEBRINO, Eustachio. Dichiarazione perchè non è venuto il diluvio nel 1524, Veneza, 1524; NIFO, Agostino. Rebrobacion neuvamente ordenada contra la falta de prognosticacion del diluvio, Sevilha, 1524; SAVONAROLA, Girolamo. Trattato contra li astrologi, op. cit.

O empenho da corte de D. João III em tornar pública a falsidade da astrologia divinatória e neutralizar o alarmismo gerado pelas profecias culmina com a impressão do tratado Contra os juízos dos astrólogos, de Fr. António de Beja. O livro foi encomendado e financiado pela rainha D. Leonor, escrito em português com a intenção explícita de esclarecimento sobre a falácia da astrologia divinatória, considerando as partes da ciência dos astros que são dignas de fé.

Empregaremos aqui a edição crítica de Joaquim de Carvalho, publicada em 1944, que contém um prefácio do estudioso português a ser citado e comentado criticamente quando for cabível. As proposições de Carvalho sobre a obra de Fr. António de Beja são desferidas com excessiva desconfiança quanto a sua relevância para o debate sobre a conjunção de 1524, distanciando-o da perspectiva de um humanismo cívico e aproximando-o tão somente do ponto de vista teológico.

 A Ação dos Homens de Letras na Vida Civil e Espiritual

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O primeiro capítulo de Contra os juízos dos astrólogos traz, de forma enfática, uma justificativa do impulso “vulgarizador” que levou o autor a redigir o tratado, inserindo-se no debate com a manifesta intenção de esclarecer aqueles que menos sabem. O frade considera tal atitude necessária por parte dos mais doutos e estudiosos, tanto no que concerne à salvação das almas, quanto ao bem da comunidade; e, assim, atribui à “ignorância e pouco saber” a credulidade do vulgo em relação aos prognósticos diluvianos. 24 Contra a indevida profecia, que “se diz ser fundada em ciência astrológica”, devem agir aqueles que têm conhecimento e instrumentos para tanto, “porque, neste caso e outros que à honra de Deus pertencem, se me eu calar, diz o profeta, as pedras bradarão.” 25

24 BEJA, Fr. António de. Contra os juízos dos astrólogos. Lisboa, 1523. Transcrito e prefaciado por Joaquim de Carvalho. Coimbra: Universidade de Coimbra, 1944, p. 22. A grafia das citações foi atualizada em relação à original, para contribuir a uma maior fluência de leitura.

25 Id., Ibid. p. 23.

Seja no âmbito das justificativas bíblicas e teológicas, seja no dos “seculares negócios”, Fr. António ressalta de forma enfática o dever dos mais sábios de esclarecer e tornar públicos os temas mais controversos da sociedade: “diz Deus que se por teu calar e falta de tua doutrina, o pecador e mau se não aparta de sua maldade, ele morrerá mau, e tu não serás sem culpa de sua danação.” 26 Neste sentido, é freqüentemente invocada a importância da sabedoria para o bom funcionamento da sociedade, “bem assim o que é dotado de entendimento e dom da sabedoria, em qualquer grau que seja, é obrigado a aproveitar com ela e não deve calar, mas pregar e dizer toda cousa que pertencer ao louvor de Deus e comum proveito dos próximos” 27.

26 Id., Ibid. p. 23,24. Os grifos serão sempre meus.

27 Id., Ibid. p. 24.

O emprego da noção de “bem comum” e a exaltação do lugar social da virtude da sabedoria não se limita, no pensamento de Fr. António de Beja, a estas páginas. Tais idéias são manifestas pelo teólogo português em toda sua obra, e com um forte caráter pragmático de atuação social dirigida pela virtude intelectual. 28

28 Referimo-nos, além de Contra os juízos dos astrólogos, a BEJA, Fr. António de. Breve doutrina e ensinança de príncipes Lisboa, 1525. Transcrito e prefaciado por Mário Tavares Dias. Lisboa: Instituto de Alta Cultura, 1965.

A Refutação do Prognóstico

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Dadas as justificativas para sua douta intervenção na polêmica, Fr. António de Beja começa sua exposição formalmente escolástica, apresentando as opiniões favoráveis à significação catastrófica da conjunção de 1524, a serem posteriormente refutadas: “Pergunto se a vulgar opinião que (afirma que) será dilúvio na terra é verdadeira, e parece que sim, por duas razões” 29. A primeira destas razões tem fundamento nos escritos de Ptolomeu e sua interpretação do aristotelismo físico, e defende que “toda conjunção e ajuntamento de planetas é causa de geração ou corrupção nas cousas inferiores”. 30 A segunda opinião, compilada por Fr. António da obra de Agostino Nifo, De falsa diluvii prognosticatione, e fundamentada pelos astrólogos judiciários no primeiro livro das Meteorológicasde Aristóteles, afirma “nunca vir nem ser feito dilúvio sem algum ajuntamento ou disposição celestial que haja poder de o fazer” 31. Tal disposição ocorreria com a conjunção de planetas de qualidade úmida, que seria causa de “abundância de águas”.

29 BEJA, Fr. António de. Contra os juízos dos astrólogos, op. cit., p. 26.

30 Id., Ibid. p. 27.

31 Id., Ibid. p. 27.

Ambas estas razões, afirma o teólogo, são falsas, e deduzidas a partir de equivocadas leituras das obras dos filósofos antigos. A refutação das duas razões pelas quais se deveria crer no prognóstico começa com a contextualização de sua origem – o Almanach de Stöffler e Pflaum, que afirmam “sem temor que do tal ajuntamento há de ser feita uma grande e tão comum alteração quanto nunca ouvimos de nossos maiores que será.” 32 O prognóstico original, portanto, não se refere especificamente à possibilidade de um dilúvio, como mostra bem saber Fr. António de Beja, mas apenas a “uma grande e tão comum alteração, (…) da qual sentença tomaram estes (os astrólogos de vulgar opinião) a ousadia e disseram sem nenhum conselho que há de vir dilúvio na Terra.” 33 A essência do problema se constitui, portanto, não do prognóstico contido no Almanach, e sim a partir da “vulgar opinião” que acaba por se espalhar e atiçar os ânimos populares, “deitando juízos por que dão novas de triste alvoroço ao mundo.” 34

32 Id., Ibid. p. 28.

33 Id., Ibid. p. 29.

34 Id., Ibid. p. 28. Tanto Joaquim de Carvalho no prefácio a esta edição quanto José V. de Pina Martins no artigo “Fr. António de Beja contra a astrologia judiciária” (in: NEMÉSIO (org.), As grandes polêmicas portuguesas, Lisboa: Verbo, 1962) ignoram o fato de não ter sido o Almanach a explicitar a significação de um dilúvio universal. Pelo contrário, atribuem ao livro de prognósticos uma categórica previsão para o dilúvio de 1524, o que vimos não ser correto no item anterior.

A reação popular às profecias diluvianas constitui o motivo principal da publicação de Fr. António de Beja, que descreve alguns aspectos do alvoroço entre os nossos portugueses e naturais,

(…) postos em tanto temor que não ousam alguns edificar casas, nem fazer outros edifícios, com medo que hão pouco de durar, e outros buscam lugares postos em altos montes onde pera o dito ano se vão e acolham, outros imaginam e cuidam em seus pensamentos fazer navios e arcas em que se metam e escapem de tanta tormenta. 35

35 Id., Ibid. p. 29.

Cenas semelhantes foram descritas por fontes documentais das mais variadas procedências, muitas delas enfileiradas por Ottavia Niccoli no capítulo dedicado à conjunção de 1524, de seu livro Profezie in piazza: note sul profetismo popolare nell’Italia del primo Cinquecento. Niccoli atenta para um aspecto menos “escatológico” e mais mundano das profecias, observando que, na Itália do século XVI, a palavra diluvioseria sinônimo de alluvione (enchente), e ressaltando a recorrência de enchentes causadas por excesso de chuvas e cheias dos rios na Itália de fins dos quatrocentos e princípios dos quinhentos. 36 De fato, como referimos anteriormente, a maioria dos tratados que procuraram refutar a iminência de um dilúvio universal em 1524 acabam por ceder à aplicabilidade da influência astral que redundaria em dilúvios “particulares”, altas pluviosidades e grandes cheias fluviais. 37 A plausibilidade da ocorrência de dilúvios locais e particulares parecia ser, portanto, bastante razoável para uma boa parte da sociedade letrada e mesmo das camadas mais populares; assim como a causalidade astral de tais catástrofes menores.

36 NICCOLI, Ottavia. Prophecy and people, op. cit.,p. 142-3. Niccoli enumera nada menos que sete enchentes na região da Lombardia entre 1450 e 1500, e mais seis entre 1500 e 1550.

37 v. THORNDYKE, History of magicop. cit.pp. 193-233. Veremos que Fr. António de Beja não figura entre esta maioria – sobretudo por seguir mais de perto as argumentações anti-astrológicas de Pico della Mirandola.

Depois de distinguir os fenômenos diluvianos entre particulares e universais, António de Beja expõe as causas pelas quais os primeiros podem vir a ocorrer naturalmente, segundo Aristóteles, em cidades ou regiões específicas; a saber: simples excesso de chuvas, abundância de águas subterrâneas (o “abismo”), terremotos ou “multidão de ventos”. Através de uma ou mais destas causas naturais, pode uma localidade sofrer os danos de uma grande enchente, “e isso concedem todos. Negam, entretanto, poder se fazer naturalmente cataclismo, e universal dilúvio que venha e alague toda a terra, ou todo um reino”.38

38 BEJA, Fr. António de. Contra os juízos, op. cit., p. 35.

Possíveis e freqüentes são, portanto, os dilúvios particulares, que têm como causa eficiente fenômenos naturais, passíveis de serem identificados com base na física aristotélica. Já para os dilúvios universais, a lógica causal deve ser necessariamente outra: “Pera vir universal dilúvio na terra, não pode ser sem multidão e excesso de águas em toda ela. Isto não se pode causar naturalmente, logo, virá que naturalmente não possa chover em toda a terra”, ao menos não “sem virtude e poder de Deus”. 39

39 Id., Ibid., p. 35-6.

Adentrando a seguir uma argumentação mais especificamente astrológica, Fr. António alude pela primeira vez aos escritos anti-astrológicos de Giovanni Pico della Mirandola, a quem se refere como “varão, além de sua nobreza, digno de louvor por sua ciência e mui honestos costumes (que poucas vezes em pessoas de tanto sangue se acham juntas)”. 40 O conteúdo do livro quinto das Disputationesé evocado para que se mostre a falsidade de uma “sentença de Fr. Gregório de Módica da ordem dos pregadores, a qual divulgou em um juízo que veio da Itália, mui notório a todos e a quem se dá muita fé nesta terra”. 41 O dito juízo do monge pregador corroborava com a opinião mais freqüente entre os escritores envolvidos na polêmica – a de que a conjunção prenunciaria a ocorrência de dilúvios locais, grandes enchentes e destruição. Tais juízos constituiriam uma descabida contradição astrológica na significação de dilúvios particulares, devidamente destrinchada por Pico em suas Disputationes. Segundo esta proposição contraditória, o alinhamento na esfera celeste desses cinco planetas num determinado signo teria mais poder de influência no mundo sublunar do que cada um dos mesmos planetas agindo sozinhos, cada qual com suas próprias propriedades elementares. Fr. António contra-argumenta então que a conjunção poderia fazer “cousas novas”, mas jamais “cousas maiores”.42

40 Id., Ibid., p. 38.

41 Id., Ibid., p. 37. Não encontramos outra referência a Fr. Gregório de Módica e seus escritos, nem no compêndio de Lynn Thorndyke, nem nos livros de Paola Zambelli e de Steven Vanden Broecke.

42 Id., Ibid., p. 38, 39.

Especificamente para o caso desta prevista conjunção, acompanhada pela hipótese de dilúvios particulares decorrentes de sua influência, seria inegável, segundo os argumentos empregados por Pico, que planetas de virtude seca como Marte, Mercúrio e o Sol (não citado por Fr. Gregório de Módica, mas sim pelo prognóstico original de Stöffler) anulariam os efeitos úmidos de outros planetas como a Lua, Vênus e Júpiter. Ainda assim, veremos que ao fim e ao cabo, as proposições do conde mirandolano, corroboradas por Fr. António em seu tratado, não admitem de forma alguma tal sorte de influência astral por parte dos planetas que não o sol e a lua.

Fr. António conclui esta parte voltando aos argumentos de caráter teológico, com a certeza de que um novo dilúvio universal por mandado divino de forma alguma se concretizaria, já que teria Deus, após o dilúvio de Noé, prometido ao mesmo que tal sorte de cataclismo não ocorreria novamente. Afirma, portanto, que “se somos cristãos verdadeiros, bem devemos crer que jamais há de vir dilúvio sobre a terra, porque assim o prometeu Deus, depois daquele grande que foi em tempo de Noé.” 43

43 Id., Ibid., p. 86.

O texto remete freqüentemente à impossibilidade do dilúvio ocorrer especificamente em Portugal, segundo as proposições de Ptolomeu acerca da relação entre os signos zodiacais e as localidades geográficas da Europa. Segundo a articulação ptolomaica, assim como a Itália está submetida ao signo de Leão e a Germânia a Áries, Portugal e Espanha seriam regidos por Sagitário, o que minimizaria a influência de uma conjunção em Peixes para toda a Península Ibérica. 44

44 Id., Ibid., p. 44, 45.

Numa das passagens mais interessantes do tratado, Fr. António, ao mesmo tempo em que condena o alarmismo escatológico das profecias diluvianas, redige um enfático sermão de teor moralizante sobre a proximidade do fim do mundo e os seus “sintomas”, que se fazem notar através da degeneração dos costumes de seu tempo. Apesar de ser falso o prognóstico do dilúvio, é certo o merecimento de uma catástrofe semelhante por parte das gentes corruptas, para que os “não honestos costumes e desvairadas maldades das gentes sejam castigadas com tristes e espantosas penas em os perpétuos fogos do inferno”. Fr. António compara os maus costumes da época do dilúvio bíblico com os de seu próprio tempo, concluindo “não ser agora menor malícia na terra, nem são nestes tempos nossas vontades e desejos menos inclinados ao mal” e, dirigindo-se à rainha D. Leonor, pergunta:

que cousas (excelentíssima senhora), podiam ser naqueles dias de tanta ofensa pera Deus que agora mais não haja? (…) Presentes são a nós tantas maldades quantas nunca puderam ser. Não faltam agora escusadas tiranias nos reis, nem pouco justas e encobertas opressões e peitas no povo, más governações e irosos mandadores. 45

45 Id., Ibid., p. 47.

O clima de renovação moral com o qual são desferidas tais palavras constitui, como tentei demonstrar no primeiro capítulo, uma característica marcante do humanismo luso. Sua intensidade aumenta em meados do século XVI, sobretudo em nomes como André de Resende, Aires Barbosa e Garcia de Resende, movimentando-se freqüentemente para o âmbito do reformismo das estruturas eclesiásticas e da sociedade civil.

Fr. António de Beja articula tal sermão moralizante ao propósito anti-astrológico de sua obra, vociferando contra os astrólogos judiciários que,

buscando seu próprio e particular proveito, seguindo seus maus desejos, chamam-se doutores e mestres, por que havendo por estes nomes autoridade entre as pessoas de pouco saber, com sua falsa conversação, falem doces palavras, dizendo a uns o que há de vir, (…) tirando-os da verdade, os façam assim tão familiares, que dêem crédito às fábulas, e fingidas novidades, que cada dia quiserem dizer. Destes fuja todo cristão! 46

46 Id., Ibid., p. 48.

Na primeira parte de seu breve tratado, Fr. António se mostra muito mais interessado em refutar qualquer possibilidade de um dilúvio, e sobretudo um que possa atingir o reino de Portugal, do que em constituir uma sólida crítica à astrologia nos moldes das Disputationes de Pico della Mirandola. De fato, tal aspecto é marcante na redação de todo este tratado. Seu autor não escreve do mesmo ponto de vista dos astrólogos que polemizam entre si sobre as teorias conjuncionistas, ou mesmo dos filósofos naturais que procuram atacar tais teorias, mas tampouco remete pura e simplesmente à defesa dos interesses teológicos que procurariam refutar os prognósticos apenas quando encontram-se ultrapassados os limites da providência divina e da doutrina cristã. 47 Fr. António de Beja escreve com um intuito divulgador, e esclarecedor das falsidades de uma ciência que considera vã e supersticiosa, com a finalidade de amainar o pânico difundido nas gentes de Portugal, em específico.

47 Esta é a opinião de Joaquim de Carvalho, manifesta enfaticamente no prefácio que escreveu para a edição de Contra os juyzos dos astrólogosde 1944.

As Duas Faces da Astrologia

Johann de Sacrobosco Textus spherae materialis, Leipzig, 1509.

Fr. António de Beja dedica à parte segunda e principal de Contra os juyzos dos astrólogos uma explanação detalhada da astrologia, dividindo-a em duas partes, como era habitual: o estudo contemplativo do movimento dos astros – ciência verdadeira e parte integrante das sete artes liberais – e a arte de adivinhar o futuro a partir dos movimentos celestes – falsa ciência, supersticiosa e condenável. O teólogo jeronimita realiza um amplo e sólido compêndio sobre a ciência dos astros, fundamentando-se em filósofos gregos e latinos da Antigüidade, nos grandes doutores da Igreja e em autores renascentistas como Giovanni PicoAgostino Nifo.

À verdadeira ciência astrológica, “uma das sete artes liberais, que a sutil invenção do juízo humano achou porque usando delas houvesse virtuoso exercício e viesse em conhecimento de outras mais excelentes doutrinas”, 48 opor-se-ia uma falsa ciência divinatória, equivocada tanto pela natureza vil daqueles que a inventaram (os cananeus, povo amaldiçoado por Deus), quando pela falta de precisão de seu método – argumentações basicamente compiladas das Disputationes de Pico.

48 Id.. Ibid., p. 50.

Acerca da efetiva influência das propriedades astrais sobre os corpos terrenos, Fr. António recorre à opinião de São Tomás de Aquino, apenas para concordar parcialmente com ele. O frade concede aos depoimentos astrológicos de São Tomás apenas no que toca ao tema do livre-arbítrio – assunto que ocupa um lugar privilegiado em toda a obra do teólogo português – porque “nenhuma estrela tem poder sobre as obras humanas que procedem do livre arbítrio, (…) e posto que pera isso bem concede (São Tomás) que os podem mover e inclinar alguma cousa, não empero em tanta maneira que os constranja fazê-las se eles não quiserem”. Segundo a opinião de São Tomás, “se algum usa do juízo das estrelas pera por elas saber algumas cousas futuras que se causam e procedem dos corpos celestiais, como são securas e chuvas, (…) não é ilícito usar do conhecimento e uso das estrelas”. 49 Sobre a constatação de São Tomás, Fr. António adota a ressalva crucial de Giovanni Pico, corroborada por Savonarola, admitindo ser verdadeira tal influência apenas por parte dos “dous luzeiros do mundo, convém a saber: o sol e a lua, que somente hão poder de fazer estas mudanças de tempos e cousas temporais, cá as outras (estrelas) em estes pouco ou nada obram em nós”. 50

49 Id., Ibid., p. 66.

50 Id., Ibid., p. 67, 68.

A negação da influência dos corpos celestes que não o sol e a lua, portanto, é adotada de forma radical por Fr. António de Beja, identificando-se com a opinião de Pico, Savonarola, e aqueles que “não querem conceder que as estrelas têm alguma outra coisa mais que luz e movimento do céu em que estão”, 51 e afastando-se da opinião majoritária dos astrólogos envolvidos na polêmica diluviana.

51 Id., Ibid., p. 69.

Ao longo de toda uma longa exposição escolástica sobre os erros da astrologia judiciária, Fr. António nunca se abstém de lembrar aos leitores quanto ao principal propósito do tratado – o de refutar o prognóstico diluviano e atacar a irresponsabilidade dos astrólogos, mais interessados na “glória, fama e proveito temporal” do que no bem estar de seus próximos, exercendo sua falsa arte “pera que, dizendo muitos erros conformes ao desejo dos pouco sábios, sejam deles tidos em muita honra e estima, e alcancem por isto algum proveito temporal”, 52 e “cá fingem estar cheios de divindade e com uma enganosa astúcia dizem e pregam aos homens cousas que hão de vir”. 53

52 Id., Ibid., p. 64.

53 Id., Ibid., p. 69.

Mais adiante, como que celebrando e valorizando seu próprio trabalho de esclarecimento, refere-se ao livro que então escrevia:

por ventura quis o sumo Deus que este pequeno livro em nosso Portugal se fizesse agora, para que, sendo por ele sabida a verdade, não houvesse em os belicosos portugueses menos poder pera resistir aos publicadores de tanto alvoroço do que houve nas outras partes, de que sempre foi lançada, e isto não por outra causa salvo porque por sua incerteza era geradora de muitos alvoroços e falsidades. 54

54 Id., Ibid., p. 85.

Tais manifestações parecem confirmar a hipótese de que Contra os juyzos dos astrólogos, além de compilar das Disputationes e de outras fontes uma explanação detalhada dos pormenores da astrologia e sua parte judiciária, servia principalmente ao propósito de divulgação e esclarecimento sobre as falsas profecias, dirigido sempre à percepção crítica do papel que exerciam os astrólogos defensores das teorias das grandes conjunções na sociedade da época do Renascimento, na qual gozavam de ampla credulidade e tinha sua prática grande respaldo, tanto em meio ao vulgo, quanto entre os homens de letras e os governantes.

Como vimos na primeira parte do presente capítulo, a crítica astrológica do final do século XV e princípio do XVI parte predominantemente de um impulso que se encontra tanto ou mais no plano moral que no científico. Tal é o caso do ataque à astrologia de Pico della Mirandola, e também de Marsilio Ficino e Girolamo Savonarola. Mesmo as opiniões mais moderadas, lançadas no debate sobre a conjunção de 1524 por astrólogos e filósofos naturais, colocam ênfase na falsidade das profecias de um dilúvio bíblico, ainda que adotem sem grandes ressalvas a teoria da influência dos corpos celestes no mundo sublunar, concordando com a significação de enchentes e dilúvios particulares.

Contra os juyzos dos astrólogos traz visivelmente a urgência de tal impulso moral em sua refutação astrológica. Ao mesmo tempo em que compila argumentações técnicas e específicas sobre a ciência dos astros para comprovar a falsidade de sua parte divinatória – no que de fato extravasa o propósito inicial de refutação do cataclismo – Fr. António dirige uma poderosa exortação aos homens de letras seus “naturais” para que passassem a fazer com afinco aquilo que então levava a cabo: a interferência dos sábios e daqueles ligados às “cousas intelectuais” nos grandes temas da sociedade de seu tempo, sobremaneira através de publicações impressas. O que novamente manifesta em seu epílogo:

Não é minha intenção escandalizar alguma pessoa em particular, mas mostrar a verdade, que o dizer e autoridade de tantos doutores e santos como nesta aleguei me ensinaram, e se algum alumiado por graça divinal achar neste caso doutrinas mais saudáveis, publique-as!Porque minha intenção foi, como disse, espertar os que mais sabem, e a quem isto não satisfazer, contente-se com um dito de meu padre São Jerônimo que, escrevendo das pessoas a quem nenhum bom dizer contenta, diz: Quem não quiser beber água clara, beba a cheia de lama. 55

55 Id., Ibid., p. 103.

Considerações finais

Hieronymus Bosch_Extraindo a Loucura

 A obra de António de Beja foi escassamente discutida pela historiografia portuguesa do século XX. Sobre Contra os juyzos dos astrólogos, apenas dois estudos mais vultuosos se destacaram. O primeiro deles é o prefácio de Joaquim de Carvalho à edição que organizou do livro em 1944. Apesar do esforço em concretizar a publicação e de um aprofundado levantamento de fontes sobre a polêmica, o estudo de Carvalho diminui o valor do pensamento de Fr. António com excessivo ceticismo e com uma coleção de lugares comuns historiográficos que, tendo em vista o brilhantismo de tal pesquisador, só podemos atribuir ao contexto historiográfico específico de sua redação. O filósofo português atribui a autoria do tratado a uma “mente de formação medieval”, esvaziando-o de qualquer conteúdo de caráter humanístico. 56

56 CARVALHO, Joaquim de. Posfácio à edição de Contra os juyzos dos astrólogos. p. 114.

Duas décadas depois, José Vitorino de Pina Martins, como que para atualizar e corrigir as proposições de Carvalho, publica o artigoFr. António de Beja contra a astrologia judiciária”, em que de fato atribui uma essência humanística ao tratado anti-astrológico, ressaltando seu débito em relação à cultura italiana do Quattrocento, sobretudo ao pensamento de Pico della Mirandola. 57 Entretanto, não é apenas à “dependência ostentada pelo frade em relação a Giovanni Pico della Mirandola”, a qual “inculcaria a sua abertura ao Humanismo italiano”, 58 que se deve a aproximação de Fr. António à cultura humanística. De fato, podemos vislumbrar no pensamento de Fr. António de Beja um ímpeto ativamente moralizante e uma visão privilegiada do papel dos homens de letras na cultura impressa da época do Renascimento, características que, nas formulações acima comentadas do teólogo jeronimita, claramente podemos atribuir a uma associação estreita com uma nova concepção sobre o lugar do homem no mundo.

57 MARTINS, José V. De Pina, “Frei António de Beja contra a Astrologia Judiciária”, In: As grandes polêmicas portuguesas, vol. 1. Lisboa: Verbo, 1963, p. XVIII.

58 MARTINS, José V. de Pina. “Joaquim de Carvalho: historiador da Cultura Portuguesa”, In: CARVALHO, Joaquim. Obra Completa, vol. 2. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1982, p. XVIII.

É evidente que o presente artigo procurou analisar algumas idéias e proposições manifestas através de uma herança textual, cuja repercussão, de que não se tem de fato notícia alguma, não está, e não poderia estar, dentro dos limites de nosso objeto. Como e para que buscar, então, em livros “ignorados dos contemporâneos e esquecidos pelos confrades, sem rastro de memória entre os cronistas”, 59 aspectos elucidativos dos primórdios de um humanismo português?

59 DIAS, José Sebastião da Silva. A política cultural na época de D. João III, vol. 1, Coimbra: Universidade de Coimbra, 1969, p. 178.

A resposta talvez resida na hipótese de que aqueles livros “signifiquem já algo de novo na história da nossa cultura”, 60 ou talvez a vislumbremos por detrás das próprias palavras de São Jerônimo, colhidas por Fr. António: “quem não quiser beber água clara, beba a cheia de lama”.

60 MARTINS, Ibid., p. XVIII.

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Paisagem dos Templos Zodiacais na Grã-Bretanha

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Círculos Zodiacais de Luz – Paisagem dos Templos Zodiacais na Grã-Bretanha

Glastonbury Abbey

© Richard Leviton 1985; revisado em 1992

Tradução:
Rachel Zaniboni
rachelzaniboni@bol.com.br

Um cavaleiro da Távola Redonda do Rei Artur, ao voltar para Camelot da busca do Santo Graal, poderia ter dito isso aos seus companheiros:

Eu morava na barriga do cão Girt onde o pavio da chama do dragão chamusca sua face inferior. No equinócio da primavera, sentei-me no coração de Arthur no Archer em Windmill Hill. No solstício de verão, eu andei nas costas da águia; no equinócio outonal eu fiquei acordado a noite toda no olho iluminado do Touro de Aldebaran sobre a colina de Ivy Thorn. Tenho meditado pelo bem da Água-Transportadora em Glastonbury. Tenho saltado sob as nuvens dentro da cúpula translúcida no Castor, a testa do irmão gêmeo. Eu tenho andado em silêncio ao longo da coxa da Grande Ursa através de madeira confusa. Tenho visitado a câmara de pedra dentro do nariz do Cão. Tenho me maravilhado com o pôr da lua no Monte do Juramento sob a luz da estrela Sirius. Tenho disputado com cavaleiros de Artur sobre os flancos de Centaurus. Tenho buscado o Santo Graal no Bosque de Draco no Parque Madeira. Muitos dias inteiros e longas noites tenho peregrinado em Caer Sidi, o castelo infinitamente giratório do Graal. Onde eu estive?

Tenho estado na região das Estrelas de Verão praticando geometria, vivendo o mito do Rei Arthur e do Santo Graal na paisagem dentro do templo do zodíaco de Somerset, na Inglaterra.

Somerset night sky

Os Contornos de um Templo de Vasta Paisagem

Podemos penetrar através da definição cultural da geomancia e explorar um pouco outro lembrado contexto dos Mistérios da Terra para o que James Swan em seu ‘Lugares Sagrados’ chama de “reinventar a espécie humana.” Eu estou me referindo a uma característica geomantica conhecida como paisagem do zodíaco. Para explicar este aspecto interior da geomancia por trás da ecologia, devemos ocasionalmente mergulhar no maleável, multimatizado vocabulário do mito, folclore e lenda.

Os contornos de outrora da vasta paisagem do templo, ocupando todas as ilhas britânicas – de fato, todo o mundo – estão sendo gradualmente restaurados a consciência pós-industrial. Grande parte dessa lembrança do antigo templo de Albion – o nome antigo para a Grã-Bretanha, originalmente a Ilha de Prydein – vem do um movimento misterioso da terra e sua exumação entusiasmada e análise dos mais de 1000 sítios megalíticos em todo o “mágico, místico” Reino Unido.

Na Grã-Bretanha, pelo menos, uma certa quantia de atenção ultimamente tem sido concedida a um particular a um enorme templo megalítico elíptico, o zodiakos kyklos ou círculo de doze dobras de zodiacais animais acrobatas e efígies, em Glastonbury, Somerset, no sudoeste da Inglaterra. É chamado de vários nomes: Star-Spangled Avalon, Somerset Star Fields, Mesa Redonda do Rei Artur, o Zodíaco de Glastonbury, ou como um comentador tem, recebendo pela bolsa escolar do Hebreu, Shamarsheth e significa O Relógio dos Céus Estabelecido.

O que alguns poucos corajosos defensores do mistério da terra estão reivindicando por Somerset – mais um punhado de outros antigos sites britânicos – é a presença anômala de uma completa paisagem de um completo templo zodiacal, feita de doze enormes efígies modeladas e seqüenciadas com os seus homólogos celestes (por exemplo, Taurus, Gêmeos, Câncer, Leão, etc.) ao longo da eclíptica cósmica, exceto tudo isso, é colocado para fora como um modelo sobre uma porção de diâmetro circular de 30 milhas de Somerset com Glastonbury (possivelmente o local físico da lendária Avalon Céltica) no meio. Dentro dessas maciças paisagens de efígies (em todas as várias milhas de largura) são centenas de numerosos pontos de poder onde desce “a luz das estrelas” de muitas dezenas de estrelas dentro das respectivas constelações acima. O Templo de Glastonbury das Estrelas tem atraído medidas iguais de entusiasmo selvagem e grave ceticismo.

O conhecimento da extensão e operação do Templo de Albion e suas possíveis eclípticas terrestres foi por muito tempo um segredo Druida guardado. Além dos estudos isolados do astrólogo elisabetano do século 16, o ocultista erudito Dr. John Dee, pouca consciência das paisagens zodiacais tem sido expressa publicamente até o século 20, quando os contornos do domínio estrelado Somerset primeiramente começaram a ser esboçados. O zodíaco Somerset seria o primeiro de muitos a serem redescobertos.

O curioso incansável Dee mergulhou em questões da história oculta e de esoterismo druida e fez várias visitas ao zodíaco Somerset para preparar gráficos e um comentário por volta de 1580 em relação ao que ele chamou de “Segredo de Merlin” sobre Glastonbury. Dee havia notado “os arranjos incomuns de terraplanagem pré-históricos” na área de Glastonbury, como nas notas do biografo do século XX Richard Deacon e a forma como eles aparentemente representavam as imagens padrões das constelações do zodíaco. “Os estrelados que concordam com suas reproduções”, escreveu Dee, “no chão fazendo lixívia do caminho celestial do Sol, da lua e dos planetas”. “Assim é a astrologia e astronomia cuidadosamente e exatamente casadas e mensuradas em uma reconstrução científica dos céus que apresenta que os antigos entenderam tudo o que hoje se entende como fato”.

Mas este exemplo hermético da união topográfica do Céu e da Terra em Somerset não seria redescoberto até 1929, quando uma artista canadense chamada Katherine Maltwood repentinamente percebeu uma paisagem Somerset repleta de gigantes mitológicos. Maltwood vinha preparando ilustrações para um texto do Graal Francês medieval supostamente composto na Abadia de Glastonbury e, como ela descobriu, aparentemente foi minuciosamente referenciado com a paisagem local, como se fosse um manual para uma topologia esotérica escrita em código mítico. Lembrou-se de ler o antiquário do século 13, William de Malmesbury, cujo comentário maiúsculo de Glastonbury foi “um santuário celestial na Terra.” Este seria um indício importante.

Maltwood tinha fotografias aéreas preparados do terreno Somerset, em seguida, no que deve ter sido um grande momento de inspiração, Maltwood viu, imaginativamente, sobreposto sobre as fotos como uma delicada toalhinha de mesa modelada, o círculo zodiacal completo de imagens – o padrão morfológico de “esqueleto” para os doze signos do zodíaco, Aquário, Peixes, Áries, e o resto – cujos contornos foram gravados por córregos, terraplanagens, valas de drenagem, sebes, faixas, pastos, montes, morros, e paredes de pedra. De alguma forma, quando visto de cima, os recursos domésticos comuns da paisagem britânica local, esboçaram as imagens dos signos do zodíaco; e mais notavelmente, de alguma forma inconsciente, os agricultores locais, construtores e herbívoros tinham mantido esta paisagem inquietante, tapeçaria intacta ao longo dos séculos.

A GUIDE TO GLASTONBURY’S TEMPLE of the STARS

Maltwood publicou suas descobertas em Um Guia para o Templo das Estrelas de Glastonbury (1929) e Os Encantos da Grã-Bretanha (1944), dois volumes delgados, poeticamente opacos, muitas vezes obscuros, mas entusiasmados com esta recém-descoberta “mito dual da terra e do céu”, como ela designou-o: “as constelações estelares expostas na terra, e os cavaleiros imitando as estrelas acima deles.” Os Cavaleiros eram do Rei Arthur, disse Maltwood, transitando no Templo Estrela de Logres (o nome antigo para a Grã-Bretanha nas sagas arturianas), que era o “caldeirão mágico de fonte infalível” de Arthur (que Maltwood também chamou de Templo da Tradição Secreta Britânica, Herança Científica mais Velha do Homem), a eclíptica mitológica dos cavaleiros do Graal do Rei Arthur através do qual eles buscavam por segredos maçônicos perdidos. Para Maltwood, misticamente vertiginosa e espiritualmente chocada por sua descoberta, a característica da paisagem atingiu-a como “um laboratório de pensamento e mistério” provavelmente construído por Sumérios-Caldeus 5000 anos atrás.

Não vai parecer surpreendente para nós, hoje, que a pioneira zodiacal Maltwood estava à frente de seu tempo quando imbuiu celticamente a Grã-Bretanha. Ainda hoje suas especulações obscuras têm uma tecnologia de ponta, top de qualidade atual para eles. Não seria antes do final dos anos 1970 que suas idéias seriam retomadas em cenário de pesquisa zodiacal e seriam renovadas, chispadas em parte por um muito compreensivo, tratamento simpático de outra mulher Inglesa intrépida, Mary Caine, em seu Zodíaco Glastonbury – Chave para os Mistérios da Grã-Bretanha.

Caine, que ainda vive em Londres, estendeu afirmações ousadas sobre Maltwood ao afirmar que o templo Somerset não era apenas o original, presumivelmente a mítica, Távola Redonda do Rei Arthur, mas a origem do modelo egípcio, grego, caldeu, e mitologias célticas. Além disso, disse Caine, essa paisagem Somerset da Mesa Redonda era “uma mesa de medidas traçando os movimentos da terra e céus” tal que “mitos e matemática foram unidos em um esplêndido esquema de espaço-tempo.” Cavaleiros de Arthur eram ninguém menos que as efígies gigantes na terra e o famoso “caldeirão” em que eles montaram em corpos de terra, pedra e água, foi “feito pela Natureza em primeiro lugar e continuou pelo homem como seu desenvolvimento contínuo abraçando todas as idades do homem até os dias de hoje”.

O objetivo do zodíaco é exortativo, sugere Caine, atuar como um professor perene nos Mistérios. Aqui nós temos um quadro majestoso “a estrelar tradição de todas as idades, a fonte de todos os ensinamentos religiosos”, descrevendo plenamente “a paternidade de Deus, a Irmandade do Homem”, o processo de criação, evolução e ressurreição, exemplificado por uma variedade de heróis míticos. “Por tais parábolas eram os iniciados nos Mistérios instruídos”, diz Caine. “Bem pode o nosso zodíaco ter sido elaborado pelo próprio Deus para a salvação dos homens”.

Essa é a afirmação da zodiacologista americana Caroline Hall Hovey em seu Santuário Somerset. A proposta de Hovey – com base em sua considerável bagagem escolar Hebraica de mitos e etimologias e um fresco exame de fotografias aéreas além de inúmeras viagens pessoais ao campo do estranho domínio de Avalon – isto é o que o zodíaco Somerset é “um Santuário modelado após o antigo Tabernáculo no Deserto” de Moisés, Arão e os filhos de Israel. A tribo de Levi, principalmente, construiu o Santuário Shamarsheth. Hovey postula, em aliança divina. Locais sagrados foram pela primeira vez indicados pela pedra estabelecida, mais tarde, por igrejas; em qualquer dos casos, estes foram lugares onde a etérica luz estrelar de pelo menos 72 estrelas (com 21 cenários de constelações) irradiou os nós dentro de Shamarsheth, todos os quais documentados por Hovey com gráficos e planisférios. Os Levitas geomancistas deixaram um glossário de “proto-hebreu” lugares-nomes em Somerset como um mítico mnemônico para o iniciado, diz Hovey.

Nem sempre é a forasteira de Somerset que aposta uma queixa nas explicações de concursos zodiacais. Para Barri C. DeVigne, quarenta anos residente de Somerset e conferencista em matéria de mito e folclore, o zodíaco Somerset finalmente se intrometeu em seu mundo só depois de muitos anos de resistência cética. Foi só “depois de muitos anos, muitas discussões, muitas milhas de caminhada, antes de me sentir capaz de aceitar a possibilidade de que essa área realmente continha uma forma de zodíaco marcado no chão.” O zodíaco Glastonbury e mitos Arturianos estão ligados, sugere DeVigne, a título de “o ano solar como fator orientador” e como parte de um ciclo religioso, ciclo sazonal. Em sua estimativa, o zodíaco originado a partir de um processo de interação simbiótica entre a humanidade e a Natureza. “A configuração natural da terra tem sido reforçada por alteração de trilhas, caminhos, e em alguns casos, vias navegáveis, para criar um esboço”, observa ele, e sem dúvida tinha “um grande significado para os habitantes de por volta de 2500 a.C. e provavelmente bem antes disso”.

Quanto antes de 2500 a.C. é um assunto de natureza selvagem e de insubstancial especulação. Às frequentes alegações extravagantes apresentadas pelos defensores do zodíaco apreendem-se rapidamente, desafio indedutível, visões ortodoxas da história, evolução cultural e metodologias de pesquisa. Não é incomum para um defensor do zodíaco vagar na história, para além dos documentos Caldeus, e nesta vaga, contestável mundo inferior, John Michell e outros chamam de Atlântida, e cujo desaparecimento Platão datou por volta de 10.000 a.C., pelo menos. Este é um território em que Brinsley le Poer Trench se sente em casa. Em seu “Homens entre a Humanidade”, sustentou: “A Grã-Bretanha é um remanescente da Atlântida e que, antes do naufrágio do Poseidon, a metade “celestial” da raça humana deixou as instruções à metade terrestre na forma do colossal Zodíaco em Somerset. Deixando-nos encontrar nosso próprio caminho desastrado volta ao pleno reconhecimento de que somos apenas duas metades de um todo.”

O sábio e geomiticista Anthony Roberts em Mistérios da Terra Glastonbury amplifica a especulação de Le Poer Trench. Para Roberts, que escreve e pensa e fala com uma expansividade Blakeana, o zodíaco paisagem é só mitos na paisagem, ou o que ele denomina ‘geomítica’. “Simbolismo imaginativo fisicamente decretado em larga escala em todo o terreno geomantico do Solo Sagrado de Avalon. Tudo é realmente simbolicamente físico e fisicamente simbólico. Este é a essência do que ele chama de geomítica. Também é também uma excelente descrição do Zodíaco Glastonbury; aquelas vastas efígies natureza/estrelas que sonhadamente giram na Mesa Redonda da terra, as ricas emanações seminais dos Pensamentos da Vida de Deus”.

Por outra Glastonbury mística exegeta e iniciada zodiacal é para o americano Robert Coon o templo da estrela de Somerset é o “Templo Atlântico de Iniciação, uma grande máquina de sincronicidade.” Em seu diário de viagem mística, Navegações Elípticas através da Multitudinária Aethyrs de Avalon, Coon sustenta que o zodíaco é “um grande ideal latente na paisagem de Somerset”, com chave para o desenvolvimento espiritual-mágico da consciência humana e baseado no Hebraico por trás Qaballah, o lado oculto do judaísmo antigo. “Cada templo estrela dentro do zodíaco Somerset representa uma fase progressiva de iniciação”, propõe Coon, que sugere que antigamente os homens e mulheres propositadamente transitaram na paisagem estrelada como parte de um ciclo de iniciações e talvez semelhante ao que os americanos nativos chamam da busca da visão.

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O Zodíaco Territorial é Somente Subjetivamente Real?

O templo estrela de Avalon é provavelmente a mais conhecida das paisagens propostas zodiacais na Grã-Bretanha ou em qualquer outro lugar hoje, e certamente aquela que tem atraído a gama dos sensatos ao comentário estranho. Outros possíveis zodíacos têm sido descritos e anotados nas últimas duas décadas incluindo um baseado em Londres que Mary Caine, sua explicadora, chama de o Zodíaco Kingston. Stephen Jenkins (autor de O País Desconhecido) tem traçado os mapas das efígies para uma roda zodiacal em Walsingham, Norfolk, centrada em torno do santuário Santa Maria da Grã-Bretanha. Na verdade quase duas dezenas de zodíacos têm sido propostas por outros pesquisadores britânicos independentes, como se a Inglaterra tivesse uma franquia cósmica notável.

Mas enquanto as reivindicações inebriantes dos caçadores do zodíaco frequentemente borbulham como espuma neo-Atlântica, assim também os fogos céticos vinculados a terra disparam nestes dirigíveis de ar quente, geomitos gloriosos. Obviamente um dos principais problemas com esta súbita proliferação de zodíacos “redescobertos” é epistemológica. Que papel pode o método científico e a revisão pelos pares exercerem um campo tão repleto de especulação não confirmável como a caça ao zodíaco?

Uma das principais objeções críticas do zodíaco apresentadas é a sua dimensão. Muitas vezes, uma paisagem efígie mede 3-5 milhas de comprimento e é visível, tecnicamente, apenas com elevações superiores a 5.000 pés; você não consegue vê-los ao nível do solo. Os antigos sacerdotes druidas voavam em torno de Somerset observando seu magnífico templo? Muito improvável, dizem os ‘Zodíacofobos’. Depois, há o problema que as efígies nem sempre correspondem às formas padrões das imagens zodiacais; há de fato muitas vezes uma grande questão de licença poética – distorção, dizem os críticos – no modo como eles são terrestremente apresentados. No zodíaco Somerset, por exemplo, o Aquário do Portador da Água é retratado como uma fênix; Câncer não é um caranguejo e sim um navio; Libra é uma pomba e não uma balança de equilíbrio. Zodíacos descuidados não impressionam os que duvidam.

A paisagem zodiacal tem na melhor das hipóteses apenas uma realidade subjetiva, dizem os críticos mais graciosos. O ‘expert’ em Glastonbury Artúrico, Geoffrey Ashe observa em seu “Avalonian Quest”: “Eles deveriam entender de fotografias aéreas. Tenho estudado estas fotografias. Eu sei o que estou destinado a ver: eu honestamente tento ver; e eu simplesmente não vejo. Eu não consigo acreditar que o Zodíaco está “lá”, como, se diz, Stonehenge está lá. O fenômeno é parecido com o teste da mancha de tinta Rorschach, ou para ver fotos no fogo. É um fato e deve ser admitido. O Zodíaco Glastonbury é um círculo mágico, uma mandala estilizada onde o inconsciente de alguns – mas só alguns – toma conta e se projeta na paisagem. Como resultado, a paisagem para eles é acusada de energias ocultas”.

Além disso, comenta Ian Burrow, da equipe arqueológica do Departamento de Planejamento de Somerset, enquanto que os contornos das efígies podem ser traçadas hoje, sua antiguidade é ilusória. As informações relativas ao terreno e ao uso da terra hoje vêm a este formulário apenas nos últimos séculos através de moderna hidrovia e engenharia de drenagem e outras alterações da paisagem. Uma vez que a morfologia de paisagem de Somerset é assim relativamente contemporânea, é fantasiosa e errônea ao reivindicar a medieval céltica, ou sua origem Caldeu-Atlântica.

Liz Bellamy e Tom Williamson têm observações a fazer também contra os zodíacos em seu “Linhas Ley em Questão”. Eles criticam os caçadores do zodíaco por sua flexibilidade morfológica, por sua facilidade, normas frouxas e abordagem um pouco improvisada para traçar figuras zodiacais. Zodíacos, Bellamy e Williamson afirmam, parecem serem construídos “por um processo de separação e escolha de figuras, de modo a completar um padrão, em vez de haver algo intrinsecamente significativo sobre aqueles que são escolhidos.” Folclore e toponímia são confiados extensivamente para confirmação “manipulada”, dizem os autores, mas a metodologia é duvidosa. “Caçadores de zodíaco são preparados para interpretar nomes de lugares ingleses em todas as línguas conhecidas pelo homem. Folclore é contorcido de forma semelhante. É particularmente condenável quando caçadores de zodíaco revelam como formas alternativas facilmente podem ser encontradas na mesma paisagem por constantes alterações revisando criações do outro”.

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Provável Origem e Idade dos Zodíacos

Assim, temos um resumo das reivindicações dos promotores de zodíaco e seus detratores. Entretanto, com base em meus 18 meses de pesquisa na qual a lenda Celta lembra como a Região das Estrelas de Verão (1983-1985), eu tenho uma visão alternativa do templo zodíaco presumida, que dirige em linha reta através dos cardumes espumantes de defensores e detratores. Algumas das visões serão decididamente exóticas, sem dúvida controversas. Um conceito-chave aqui envolvido é a geomítica, apropriação de Anthony Robert “palavra-valise” que significa o mito na paisagem, o geomito.

O uso contínuo e original do zodíaco Somerset – de qualquer paisagem zodiacal autêntica – é geomítica, o que significa “viver o mito na paisagem” através de um ativo, participativo, processo pessoal de re-encenar o mito Arturiano na consciência, no contexto dos múltiplos aspectos da paisagem do templo que está em sintonia astrológica e astronômica com o cosmos e o humano. Como Robert Coon sugere, o zodíaco é uma matrix pré-iniciática perfeita.

Fundamentalmente, o templo zodiacal originou-se coincidentemente com a criação e consolidação geomorfológica da Terra. A eclíptica zodiacal e suas numerosas efígies constelares são componentes da rede matriz planetária que consiste em muitos aspectos, incluindo as linhas Oroboros, grandes copas etéricas de energia (domos) e menores (tampas de cúpula). Os zodíacos terrestres eram círculos microcósmicos intencionais de luz com variáveis astronômicas – coordenadas astrológicas. Eles foram concebidos para incorporar o princípio Hermético, “tanto acima, como embaixo”. Eles foram destinados – como foram discretamente os outros, componentes numinosos da rede do mundo – para uso humano e interação, para ser utilizado como um templo para fins de expansão da consciência, individuação, e iluminação.

As numerosas paisagens zodiacais – existem muitas ao redor do planeta – quando apreciadas através da extensão da residência planetária humana, periodicamente vem em ativação e então prescrevem novamente em dormência, como despertadores pré-definidos, em um ciclo de onda senoidal de alguma forma ligada ao ciclo astrológico do ano 25.900, chamado de Ano Platônico (que consiste em 12 meses, ou eras, de 2.150 anos cada, no qual a influência de um signo zodiacal predomina – por exemplo, a Era de Aquário – quando o Sol precessa ao longo da eclíptica cósmica). Durante esta “idade” de 2150 anos o templo zodiacal pode ser fixo e móvel dentro de uma localidade específica; ou seja, as principais características topográficas do templo e tamanho permanecem constantes, mas a localização de efígies individuais gira em pequenos aumentos sobre um círculo imaginário (a eclíptica), retornando ao ponto zero a cada 25.900 anos.

É como se alguém segurasse um cata-vento com buracos perfurados para todas as estrelas, brilhando uma luz através dele projetando pontos de luz no chão, e em seguida virasse lentamente o disco do cata-vento em torno de um círculo completo de modo que, onde os pontos das estrelas caíssem sobre a paisagem, eles ficariam mudando. Cada vez que se segura o cata-vento por um momento, a paisagem zodiacal surgiria na vida com aquela específica sobreposição panorâmica. Embora os zodíacos fossem inerentes na matriz energética da Terra como parte de nosso “legado divino”, o período inicial de ativação e reconhecimento ritualizado não ocorreu até muito mais tarde. Uma data sugerida em materiais esotéricos é 21.600 mil anos atrás para o início do trabalho no templo do zodíaco. Se isso for verdade, isso significa que caldeus itinerantes de Maltwood ou a trincheira dos engenheiros de Atlântida de le Poer não só construíram o zodíaco como traçaram novamente e remodelaram suas coordenadas estelares primordiais, marcando a queda das estrelas cadentes atuais com adequados monumentos megalíticos.

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Identificando uma Paisagem Zodiacal

Metodologia correta e fiável é crucial para localizar e traçar uma paisagem zodiacal. O passo inicial, para melhor ou pior, é em grande parte inspirado e intuitivo. Alguém pode ter desde um intuitivo flash como a possível localização de um templo ou se começa com indícios de folclore, lenda, ou o oculto, que afirma que, por exemplo, um templo de estrelas é encontrado em Glastonbury, ou Walsingham, ou Londres. Em seguida, se analisa a localidade usando um mapa topográfico detalhado, à procura de nomes de lugares sugestivos, configurações topológicas, monumentos, sítios arqueológicos, monólitos, poços, colinas com reputações incomuns, igrejas muito antigas, e outras pistas possíveis. Sempre úteis no local de investigação.

O próximo passo seria uma preparação de um planisfério reverso e sobrepondo-o no mapa da pesquisa ordenada. Alguém faz um palpite quanto ao tamanho do templo paisagem. O gráfico da estrela padrão pode ser xerocado em acetato claro de modo que o diâmetro de sua elíptica está na mesma escala que no mapa da pesquisa ordenada; invertendo o mapa da estrela, alguém coloca-o no mapa. O mapa estelar é revertido porque o planisfério (gráfico celestial) quando sobreposto na Terra aparece como em posição simétrica reversa, esquerda/direita, ao invés de direita/esquerda.

Com o zodíaco Somerset somos afortunados porque vários mapas estelares detalhados das efígies já foram preparados e publicados (mais notavelmente, o de Mary Caine). As figuras propostas e suas localizações, eu descobri, quando comparados com os resultados desta metodologia, são imprecisas e na melhor das hipóteses diretrizes aproximadas. Uma estratégia importante aqui é começar com o contorno esquelético estelar, apenas as estrelas, sem os “animais” desenhados; em seguida, procurar pelas coordenadas do cenário das constelações, estrela por estrela. Vamos tomar como exemplo o signo de Touro (o Boi). Esta constelação, um dos 12 ocupando a eclíptica e então uma das 12 casas padrões do zodíaco, tem 16 estrelas principais (302 estrelas catalogadas “a olho nu”), incluindo Aldebaran (13ª mais brilhante estrela no planisfério vista da Terra) e as Plêiades (um aglomerado de estrelas de sete grandes estrelas, e “famosa” como uma suposta fonte UFO).

Quando consideramos os componentes estrelares do signo de Touro como eles cobrem a paisagem – que chamamos de centros estrelares – nós notamos que eles muitas vezes não se parecem com o animal, o touro, mas sim expressam a essência morfológica da constelação. Por exemplo, Arcturus, uma constelação retratada como um pastor com um pé brilhante foi originalmente entendida como sendo apenas a estrela Arcturus; obviamente, isso não vai parecer como um pastor silvestre na imaginação. Isto é onde muitos caçadores do zodíaco – e seus críticos – se confundem: eles estão procurando pelos esboços familiares do touro, do caranguejo, e o escorpião na paisagem, seja em um mapa topográfico ou fotografia aérea; o fato é que isso não é necessário. Em última análise, você precisa encontrar apenas o principal, estrelas mais brilhantes na constelação para identificar a presença terrestre de um zodíaco; se você vai ligar ou não os pontos (estrelares) é opcional.

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A Extensão de uma Paisagem Zodiacal

O zodíaco Somerset é realmente maior e mais completo do que a maioria dos caçadores zodiacais têm presumido. Caroline Hall Hovey estava no caminho certo quando ampliou o domínio zodiacal de 12 a 21, mas ainda é muito maior do que isso. Há muito mais constelações e estrelas que duas dúzias: todo o planisfério é representado na paisagem – 144 efígies constelares, todas dispostas em duas eclípticas.

O pensamento zodiacal padrão pressupõe uma única eclíptica; isto é verdade em relação ao cosmos, mas não em relação a paisagem planetária. Quando você transpuser uma realidade multidimensional – o cosmos – para um terceiro globo dimensional, algumas mudanças estruturais devem ser acomodadas. É mais facilmente imaginado com a imagem de uma maçã. Se tomarmos o cosmos como a maçã, a transposição da maçã cósmica para a paisagem exige que seja cortada em dois. Isso porque não existe lugar na Terra onde possamos ficar e sermos totalmente expostos à luz das estrelas em ambos os hemisférios Norte e Sul. Se estivermos na Austrália, temos a presença física das estrelas do hemisfério Sul; se estivermos em Londres, é o hemisfério Norte.

Assim, cada zodíaco é bipolar: um meio, uma eclíptica, representa estrelas do hemisfério Sul, e outro, as estrelas do hemisfério Norte. As 12 constelações da eclíptica se repetem como uma imagem-espelho uma da outra, deixando 120 constelações diferentes. Estas são divididas de forma desigual entre as duas eclípticas zodiacais: 96 no hemisfério Norte, ou eclíptica física; e 48 no hemisfério Sul, ou eclíptica etérica. Etérico aqui significa indireto, difuso, atenuado; fisicamente significa, em certo sentido, diretamente suspensas e presentes.

Assim, dentro do zodíaco Somerset, que agora é ampliado para cerca de 40 milhas de diâmetro, não encontramos só as estrelas cadentes para Leão, Capricórnio e Peixes, mas Bootes, Ophiuchus, Orion, Pegasus, Ursa Maior, e muitas outras. Temos um extenso templo geomantico pontilhado com pelo menos 1000 centros estrelares, iluminados com aproximadamente 22 cúpulas primárias e centenas de tampas de cúpula menores, atravessadas por uma miríade de retas e espirais linhas de cúpula (linhas ley), a totalidade constitui uma poderosa rede astrológica de luz. Os dois círculos, ou eclípticas, brevemente se cruzam, formando uma imperfeita piscis vesica (peixe geométrico) com Glastonbury no meio dela. Não admira que tem sido chamado de Secretum Domini, “O Segredo do Nosso Senhor.”

O zodíaco estrelado de Avalon tem seu triplo-dirigido Cerberus guardando as laterais ocidentais do templo. Cerberus aqui é chamado de cão Girt de Langport e, classicamente, Canis Maior, o Grande Cão. O cão tem cerca de 5 milhas de comprimento e um pouco menos de 2 milhas de largura; isto inclui 15 centros estelares, incluindo Sirius, a estrela mais brilhante do cosmos, que cai em uma pequena elevação chamada Colina do Juramento. Um segundo cão de caça zodiacal, corresponde a Canis Menor, que se encontra nas proximidades, e é conhecido localmente como Polden Hound; este “cão” dorme, com dois centros estrelares, assinalados por igrejas antigas. Ambos os cães viram o rosto a Deusa Ceridwen do Caldeirão da Sabedoria (uma designação celta do zodíaco), guardando sua propriedade de forma como todo o cão bem treinado deve. Um terceiro cão, não reconhecido localmente, é Monoceros, tecnicamente um unicórnio de acordo com a convenção astrológica, mas neste caso a terceira “cabeça” de Cerberus, um sétimo centro estrelar canino feminino enrolando seu nariz de frente a Ilha Beckery em Glastonbury, uma das entradas do tempo.

Assim, os três cães cumprem sua função mandatória mitologicamente, conhecida diversamente como o egípcio Annubis ou o céltico Dormath – ou o Cabal do Rei Arthur. O cão é psicopompo, mentor, guardião, custódio, e cão de guarda do templo das transformações. O cão geomítico orienta o novato cavaleiro do Graal sobre a natureza e requisitos do templo zodiacal, primeiro conduzindo ele ou ela através das realidades energéticas de seu próprio corpo cenário. O noviço desta forma obtém uma compreensão preliminar de como o templo geomítico funciona; em seguida, ele é sem cerimônia – alguns diriam impiedosamente – lançado nas águas agitadas do caldeirão zodiacal para uma experiência mais penetrante. Metaforicamente falando, os cães rasgam-no em pedaços quando ele começa sua jornada através da Região das Estrelas de Verão.

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O Propósito da Paisagem Zodiacal

O templo estrela Somerset está disponível para uso hoje em dia apenas como o foi no quinto século celta arturiano e sua cabala geomanticamente-sintonizada de Caveleiros do Graal, e para os Druidas, Caldeus, Atlantes antes disso. É um teatro geomítico para a purificação e transmutação do indivíduo sob a égide de um mitopoético sistema simbólico mediado pelas energias de uma paisagem matriz astrológica. O templo é preparado para uma coincidência de eventos macro astrológico-astronomicos com micro-precipitação humana individual e revelação. Nessa iniciação, o horóscopo natal da pessoa é o roteiro.

O lendário Merlin em tempos arturianos era o astrólogo mestre, cabalista, e “Trabalhador das Estrelas”. Merlin era o mentor druida da Távola Redonda e busca do Santo Graal; seu envolvimento nas vidas dos cavaleiros era incrível. Diz-se que ele dispôs para sua concepção através de consultas com os seus futuros pais para que um sortimento astrologicamente equilibrado dos cavaleiros pudesse ser cultivado. Ele colocou cada cavaleiro para trabalhar através da dinâmica de personalidade de seu/sua mapa de nascimento usando o templo do zodíaco como oficina. Cada cavaleiro teve que experienciar e trabalhar através de suas oposições, quadrados, trinos e sextis usando o zodíaco como um espelho experiencial vivo de suas próprias particularidades astrológicas. Merlin expediu-os em todas as horas do dia e da noite para centros específicos estrelares onde suas meditações silenciosas e acesso intuitivo puderam iluminar tanto sua natureza individual como seus aspectos cósmicos.

Suas visitas eram muitas vezes coincidentes com eventos astronômicos importantes, tais como eclipses, equinócios, solstícios, cheias e novas luas. A intenção de Merlin era ajudar cada cavaleiro a livrar-se do obstáculo do planetário, zodiacal, e influências elementares para que a consciência de cada um pudesse viver livremente e operar sem obstrução. A cultura dessa consciência humana livre era a busca do Santo Graal em si.

É claro que essa explicação nos joga ainda mais na epistemologicamente problemática corrente porque a maioria das pessoas não credita Arthur, Merlin, a busca do Santo Graal com qualquer autenticidade histórica. Mítico, certamente, mas não vivente, efetiva realidade histórica. E há o problema, também, da profissão de Arthur. A convenção arturiana torna-o como um comando de tempestade no deserto lutando contra os infiéis saxões; ninguém pensou em reposicionar Artur como uma espécie de Alto Lama Celta e Rei Sol presidindo um tribunal de iniciados. No entanto, esse pode ser o caso, e, francamente, mesmo que um Artur ou Merlin nunca existiram em termos humanos, esta interpretação analógica do zodíaco ainda funciona. O que nos leva a outro termo útil: autogeomítica. Isso significa “um ego vivendo o mito na paisagem”. É como entrar em arquétipos energéticos de Artur, Merlin, os cavaleiros, e a busca do Santo Graal e usá-los como um mitopoético impulso ao transitar no templo do zodíaco em uma experiência de transmutação. O assunto arturiano é um vocabulário útil, um léxico com o qual você pode negociar o sutil terreno zodiacal e sair, ainda hoje, com resultados notáveis.

A chave que abre o portão para geomítica é a consciência. O zodíaco é um gigante interativo, espelho mitologicamente preparado; a experiência de iniciação é o ato de contemplar e em seguida, transmutar a própria reflexão. Os primeiros cristãos chamaram essa profunda mudança da mente de metanoia. Isso é o que todos os templos da paisagem e sua influência de seus equipamentos geománticos mostram numa primeira intenção. O mito do Rei Artur oferece a oportunidade de acordar, para mesclar a prática espiritual com geomancia, cultivar a geomancia espiritual, para reacender os céus estrelados sobre os poderosos membros da Albion, para inverter um famoso traço de William Blake, uma geomântica iniciática do século 18 e sucessora de John Dee. É por isso que em Galês o zodíaco Somerset é chamado de Gwlad yr Hav, O Brilhante Lugar (Plano Astral), evocando o círculo zodiacal de luz que ocupa grande parte de Somerset. Esta é a mesma terra que magicamente traiçoeira – para a iluminação é a traição final do ponto de vista da personalidade – sobre o qual Taliessin, o bardo celta lendário, disse (em Charles Williams – poeta arturiano) “as pedras do desperdício brilhavam como estrelas de verão”.

Glastonbury

Referências
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Caine, Mary, O Zodíaco Glastonbury – Chave para os mistérios da Grã-Bretanha, Grael Comunicações, Torquay, 1978.
Coon, Robert, Elliptical Navigations Through the Multitudinous Aethyrs of Avalon, Excalibur Press, Street,1984.
Deacon, Richard, John Dee: Cientista, Geógrafo, Astrólogo e Agente Secreto da Elizabeth I, Londres, 1968.
DeVigne, Barri C., “O Zodíaco Glastonbury,” De Avalon a Camelot, Vol. 1, No. 2, Winter 1983.
Hovey, Caroline Hall, O Santuário Somerset, Merlin Books Ltd., Braunton, 1985.
Leviton, Richard, “Círculo Zodiacal da Luz”, Timetrack, No. 4, Junho-Julho 1992.
Leviton, Richard, “Paisagem de Mistérios & Gaia Curativa – Uma Prece de Geomancia Espiritual”, Astrólogo – Geomancista da Costa Oeste No. 3, Abril-Maio 1992.
Leviton, Richard, “Ley Linhas e o Significado de Adão”, em Antigravidade e a Rede Mundial, editada por David Hatcher Childress, Aventuras Imprensa Ilimitada, Stelle,1987.
le Poer Trench, Brinsley, Men Among Mankind, Neville Spearman, London, 1962.
Maltwood, Katherine, Um Guia ao Templo das Estrelas de Glastonbury, James Clarke & Co., Cambridge, 1982.
Maltwood, Katherine, Os Encantamentos da Grã-Bretanha, James Clarke & Co., Cambridge, 1982.
Roberts, Anthony, Geomancy-A Synthonal Re-appraisal, Zodiac House, Westhay,1981.
Roberts, Anthony, editor, Glastonbury-Ancient Avalon, New Jerusalem, Rider, London, 1978.
Swan, James, Lugares Sagrados: Como a terra procura por nossa amizade, Bear & Empresa, Santa Fe, 1990.
Williamson, Tom, and Bellamy, Liz, Linhas Ley em Questão, Trabalho Mundial, Ltd., Kingswood, 1983.

Summer Solstice, Glastonbury

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Capricornio y el Natalicio de Augusto

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Capricornio y el Natalicio de Augusto

The Muse Urania by Johann Heinrich Tischbein

Alberto González García*

*Doctorando por la Universidad Complutense de Madrid.

Revista Numismática HÉCATE Nº 1

Resumen

Este artículo pretende demostrar que Augusto nació en el mes de diciembre astronómico, bajo el signo de Capricornio, en una fecha que se correspondía con el septiembre calendárico debido a las viejas discrepancias del calendario tradicional romano con respecto a la realidad astronómica, así como señalar la endeblez de las demás teorías propuestas acerca de esta cuestión.

1. La problemática del natalicio de Augusto

En el presente año 2014 se conmemoran los dos mil años de la muerte del emperador César Augusto. Contrariamente a su fallecimiento, su fecha de nacimiento (y, por consiguiente, su signo zodiacal, un importante tema iconográfico) ha sido uma cuestión debatida a lo largo de siglos, a pesar de la aparente ingenuidad y simplicidad de las noticias a tal respecto.

Según narraba el historiador Cayo Suetonio Tranquilo en su De vita Caesarum, completada hacia el año 120 de nuestra era, cuando Octaviano se encontraba en Apolonia de Iliria (45 a.C.) consultó, junto con Agripa, al astrólogo Teógenes, el cual le predijo su halagüeño porvenir a través de su horóscopo (thema), arrojándose a sus pies en un alarde de adulación. Por ello, el futuro Augusto lo hizo público y acabo acuñando denarios con su signo zodiacal, Capricornio, en el reverso1. La veracidad de lo narrado es atestada tanto por Dión Casio como por la existencia física de las propias monedas.

1 SUETONIO, Aug. 94. La decisión de publicarlo es relevante y evidencia la confianza en sí mismo de Augusto. Los horóscopos imperiales eran un secreto celosamente guardado y su confección y posesión un crimen contra el Estado. Diversos emperadores hicieron ejecutar a gente por ello, como Tiberio (DIÓN CASIO LVII, 19), Domiciano (SUETONIO, Dom. 10) o Adriano (HA Adri. 23, 3), cf. CRANMER 1954.

La más antigua que conservamos es una acuñación realizada por el praefectus classis Quinto Oppio en Cirene, hacia 41-40 a.C., pero hay numerosas piezas con este motivo procedentes tanto de la pars occidentalis (e.g. fig. 1) como de la orientalis, muy especialmente de Pérgamo y Éfeso (fig. 2).

figura 1

Figura 1. Denario de 16 a.C., posiblemente emeritense.4

4 Busto de Augusto a derecha. REV / Capricornio a derecha con orbe, timón y cuerno de la abundancia.

figura 2

Figura 2. Cistóforo efesiota, c. 28 a.C.5

5 Busto de Augusto a derecha REV/ AVGVSTVS Capricornio a derecha con la cabeza vuelta a izquierda, con una cornucopia superpuesta, circundado por una corona de laurel.

Es de destacar la aparición del Capricornio en algunas de las emisiones conmemorativas de la conquista de Egipto (figs. 3 y 4) y de la recuperación de las águilas de Craso (fig. 5).

figura 3

Figura 3. Denario asiático de 28 a.C.6

6 Busto de Augusto a derecha y un pequeño capricornio bajo el mismo. REV/ AEGYPTO CAPTA. Cocodrilo a derecha.

figura 4

Figura 4. Cuaternión del Museo Arqueológico Nacional (1921/9).7

7 Busto de Augusto a derecha sobre Capricornio. REV/ AEGYPTO CAPTA Hipopótamo estante a derecha. Se trata de una pieza única de discutida autenticidad.

figura 5

Figura 5. Áureo pergameno, c. 19-18 a.C.8

8 Busto de Augusto a derecha. REV/ SIGNIS RECEPTIS. Capricornio a derecha.

Además, un cobre local de Chipre, provincia senatorial desde 22 a.C. (fig. 6), muestra los signos zodiacales de Augusto (Capricornio), y Tiberio (Escorpio; nació el 16 de noviembre de 42 a.C.) bajo sendas estrellas (¿el Sidus Iulium?). Tiberio no fue sucesor oficial hasta la muerte del princeps iuventutis Cayo César en 4 d.C., lo que sitúa esta moneda entre los años 4 y 14 d.C. El diseño del Capricornio es distinto, sin la cornucopia, el orbe y el timón característicos de las acuñaciones occidentales, lo que apunta a una producción autónoma, al margen de la autoridad romana.

figura 6

Figura 6. Moneda de cobre chipriota (AE18) de época augústea.10

10 Capricornio a derecha bajo una estrella de seis puntas. REV/ Escorpio a izquierda bajo uma estrella de seis puntas.

Capricornio también figura de forma destacada en tres camafeos coetáneos, objetos cortesanos de gran valor y belleza. En primer lugar, el camafeo de Actio, donde dos capricornios sostienen el afamado Clipeus Virtutis que le concedió el Senado (fig. 7). En segundo, en la celebérrima Gemma Augustea, donde el signo zodiacal aparece inscrito en un orbe (presumiblemente solar) sobre el propio Augusto, representado como Júpiter (fig. 8). Por último, Camafeo de sardónice del Museo Metropolitano de Nueva York, con dos capricornios y un busto de Augusto circundado por una corona de laurel (fig. 9).

figura 7 e 8

Figuras 7 y 8. Detalles del camafeo de Actio (Kunsthistorisches Museum, IX a 56) y la Gemma Augustea (Kunsthistorisches Museum, IX a 79).

figura 9

Figura 9. Camafeo del Museo Metropolitano de Nueva York (29.175.4)

Finalmente, el historiador austrohúngaro Alfred von Domaszewski (1856-1927) llamó la atención ya en el siglo XIX sobre el hecho de que en muchos estandartes legionarios figuraba el signo zodiacal del Emperador: Capricornio, en el caso de Augusto (por ejemplo la II Augusta, la IIII Macedonica o la XXI Rapax) y Escorpio en el de Tiberio (en las cohortes pretorianas).14

14 DOMASZEWSKI 1892. RITTERLING 1925 señalaba que no sabemos cómo se elegían los emblemas legionarios y qué significaban. Pero, aunque no fuera el único motivo, está claro que Tauro, Capricornio y Escorpio son signos zodiacales.

Sin embargo, un simple vistazo a la biografía de Augusto comporta la inmediata aparición de datos que, en apariencia, contradicen estos hechos. El signo zodiacal de Capricornio se corresponde con los días que median entre el 22 de diciembre y el 19 de enero del calendario astronómico. Pero el propio Suetonio afirma unos capítulos antes que Augusto nació el 23 de septiembre de 63 a.C. (“Natus est Augustus M. Tullio Cicerone C. Antonio conss. VIIII. Kal. Octob., paulo ante solis exortum”), fecha que, en teoría, se halla bajo el signo de Libra (23 de septiembre a 22 de octubre).

El mismísimo Augusto confirmaba que celebró su sexagésimo tercer cumpleaños el 23 de septiembre del año 1, en una carta a su sobrino y heredero el princeps iuventutis Cayo César. En esa fecha se celebraban sus ludi Natalicii, que fueron decretados en 30 a.C., y desde 8 a.C. se realizaron anualmente. En 13 a.C., con asistencia del rey Herodes el Grande, quien le regaló 300 talentos. Los Juegos Isactios, instituidos en conmemoración la Batalla de Actio, también se celebraban el 23 de septiembre, en vez del 2, para hacerlos coincidir con su cumpleaños. El Feriale cumanum (c. 4-14 a.C.), los Fasti Vallenses (c. 7 d.C.) una inscripción de Narbona (12 ó 13 d.C.) y un papiro del templo de Artemisa Azzanathkona en Dura-Europos (223–7) indican la misma fecha de nacimiento. También sabemos de siete templos de Roma restaurados por Augusto que fueron consagrados de nuevo, y no por casualidad, en 23 de septiembre: los Aedes Apollinis y Neptuni in circo, Jovis Statoris y Junonis Reginae in portico Octaviae, Martis in circo, y Felicitatis y Apollinis in Campo Martio. De igual modo que el teatro de Marcelo también fue inaugurado en esa fecha. En el año 9, el koinon de la provincia de Asia, a propuesta del procónsul Paulo Fabio Máximo, amigo personal del princeps, decretó que a partir de entonces el calendario comenzaría el 23 de septiembre, declarando explícitamente que lo hacía porque ese día nació César Augusto. Lo mismo ocurrió en Siria, posiblemente en conexión con el culto imperial. Parece pues, fuera de toda duda, que Augusto no es que celebrara su cumpleaños, sino que nació en 23 de septiembre.

Esta aparente incongruencia ha generado un amplio y encendido debate historiográfico, así como numerosos y rebuscados intentos de resolverla, que se há dilatado a lo largo de más de cuatro siglos.

En líneas generales, hay tres grandes corrientes interpretativas que han conquistado los corazones y las mentes del grueso de los historiadores, las cuales detallamos a continuación.

2. Explicaciones basadas en la concepción

Ya el famoso astrónomo Johannes Kepler (1571-1630), a quien el emperador Rodolfo II de Habsburgo (1576-1612) había pedido que trazara el horóscopo del princeps, se encontró con este problema en apariencia irresoluble: ¿cómo podía ser Augusto Capricornio si había nacido en septiembre? Incluso Albert Rubens (1614-1657), hijo del célebre pintor, escribió toda una Dissertatio de Natali Die Caesaris Augusti. El erudito francés Joseph Scaliger (1540-1609) propuso por primera vez en 1579 la teoría de que, aunque su signo solar fue Libra, el signo de la concepción fue Capricornio ya que, según Demófilo, el signo con una determinada relación angular con el Sol en el horóscopo natal era el signo de concepción, situando el nacimiento en el 21-22 de julio.

En fechas más modernas, el historiador francés Auguste Bouché-Leclercq (1842-1923) arguyó que el signo podría tratarse del chronocrator del mes de su concepción, algo que no pasaba de mera conjetura.

Esta suposición aventurada ha encontrado numerosos seguidores, hasta convertirse en mainstream historiográfico en su planteamiento más simple: que su signo solar fue Libra, y que el horóscopo mencionado por Suetonio calculó su concepción para diciembre de 64 a.C., nueve meses antes de su nacimiento, cuando el sol estaba en Capricornio.

Pierre Brind’Amour (1941-1995), partícipe de esta teoría, se basó en una serie de complicados cálculos hipotéticos para intentar de demostrar que Augusto nació el 22 de septiembre, porque este mes tenía 29 días antes de la reforma juliana, y que esa fecha se correspondía astronómicamente de forma exacta con su equivalente en el calendário juliano. Con posterioridad su cumpleaños se cambió al 23 de septiembre, pero el autor no aduce ningún motivo para ello; suponemos que, simplemente, mantener el “a.d. VIIII. Kal. Octob.”, en vez de cambiarlo a “X”. Aunque parecen correctas sus suposiciones de intercalación en los años 62, 58, 55 y 52 a.C., diversas noticias e inscripciones muestran la falsedad de su reconstrucción entre 67 y 63 a.C., en concreto; así por ejemplo, la ILLRP 589 afirmaba que el 11 de octubre de 67 a.C. la luna estaba en su tercer día de fase, lo cual no concuerda con su cálculos.

Cabe señalar que, según Dion Casio, Augusto vivió 75 años, 10 meses y 26 días, el período que media entre el 23 de septiembre de 63 a.C. y el 19 de agosto de 14 d.C. en el Calendario Juliano. Pero, como escribía hacia el año 230, probablemente se limitara a restar sin tener en cuenta los cambios calendáricos, ya que el tradicional calendario romano vigente hasta 45 a.C. tenía sólo 354 días, y no 365. El cálculo, pasado a días, no puede ser correcto, porque el año 46 a.C. tuvo 445 días.

El problema común a todas estas hipótesis es la asunción acrítica de un hecho bastante discutible: que Capricornio se trataba del signo de la concepción, no el solar. Y como no nos cuadran las cuentas, era Suetonio, quien se equivocaba, estimando que debió confundir el horóscopo natal con la concepción. Él, que fue casi coetáneo a los hechos, y no nosotros, que estudiamos el asunto a veinte siglos de distancia. Si bien es cierto que Suetonio escribía casi cien años después de la época de Augusto, los aristócratas romanos eran, en general, apasionados de la astrología, y él mismo era secretario de un experto en esta disciplina, el emperador Adriano ¿Podemos pensar que cometiera semejante error de bulto? ¿A pesar de disponer de todas las fuentes que precisaba en los archivos imperiales, incluyendo el propio horóscopo de Augusto, que, para colmo fue hecho público? ¿Hemos de creer realmente que se equivocó sólo porque el dato contradice a la teoría preestablecida? Parece muy poco plausible.

En realidad, la importancia del signo de la concepción no aparece por ningún sitio al consultar el tratado astrológico más célebre y completo de la Antigüedad, el de Fírmico Materno (s. IV), que se refiere siempre al natalicio. Tampoco figura en la obra de astrología más antigua y cercana a los hechos que se conserva, la de Gémino de Rodas (c. 50 a.C.). De hecho, y por lo que nos consta, los únicos astrólogos de la Antigüedad que estimaron importante el momento de la concepción a la hora de elaborar un horóscopo fueron Ptolomeo de Alejandría y su discípulo Vetio Valente, a mediados del siglo II d.C., pero añadían que si no se conocía, como era habitual, debía emplearse el de nacimiento.

La única fuente clásica que se cita en apoyo de la hipótesis de Capricornio como signo de concepción es el hecho circunstancial de que Lucio Tarutio de Firmo (s. I a.C.) calculara tanto la fecha de nacimiento como la de concepción del fundador de Roma, Rómulo, a petición de Marco Terencio Varrón, sin mencionarse en absoluto cuál era su signo del zodiaco y empleando, para colmo, el calendario egipcio.

De hecho, ni uno sólo de los horóscopos grecolatinos que conservamos, recopilados por Otto Neugebauer y Henry Bartlett van Hoesen, antepone la concepción al natalicio. Dentro de este corpus documental, es relevante señalar que los únicos horóscopos imperiales peservados, los de Nerón y Adriano (patrón de Suetonio), se basan en sus fechas de nacimiento, el 15 de diciembre de 37 y el 24 de enero de 76, situándolas en Sagitario y en el octavo grado de Acuario, respectivamente. De igual modo, el muy posterior horóscopo del emperador Constantino VII (905-959) sitúa el sol en Virgo en su natalicio, el 3 de septiembre. Idéntico es el caso del horóscopo que se ha atribuido a Lucio Cornelio Sila y sitúa el Sol en Géminis el 23 de mayo (astronómico, no calendárico) de 138 a.C.

3. Explicaciones basadas en el signo lunar

The constellation Capricornus

Un segundo conjunto de autores defiende la imposibilidad de que su signo solar fuera Capricornio, y que un oscuro pasaje de Manilio podía confirmar que la luna era más importante que el Sol para definir los horóscopos. Así, Capricornio no sería sino el signo lunar de Augusto.

El primero en exponer esta teoría fue Albert Rubens, en el s. XVII, aunque no creía en ella. Sostenida por Housman, desde entonces ha sido apoyada de forma destacada por Riess y Kraft.

Esta teoría pone menos en duda la palabra de Suetonio, pero se basa en la indemostrada teoría de que el signo lunar tenía más importancia que el solar. Lo cual tampoco parece corresponderse en modo alguno con lo que sabemos de la astrología grecolatina a través de los diversos tratados ya mencionados. Yendo a los horóscopos conservados, ninguno de ellos confiere preponderancia alguna a la luna. De hecho, dos de ellos llegan a calificar al Sol de “regente del mundo” y “el más poderoso y gobernante de todos ellos” (los planetas). Por añadidura, las fuentes que nos hablan de los signos zodiacales de los emperadores se refieren siempre al signo solar (Tiberio Escorpio, Nerón Sagitario, Adriano Acuario, etc).

Cabe mencionar, por último, que la teoría del signo lunar tiene un problema adicional que la echa totalmente por tierra: se ha demostrado que, cualquiera que sea el método de cálculo empleado, el hecho es que el 23 de septiembre de 63 a.C. la luna no estaba en Capricornio.

4. Explicaciones que se olvidan del natalício

Las opiniones más recientes, aunque son de gran interés por sus detallados estudios sobre el simbolismo asociado a este signo zodiacal, simplemente evaden la cuestión de intentar determinar la fecha correcta de nacimiento y signo zodiacal de Augusto. Josèphe-Henriette Abry ha defendido que el princeps escogió deliberadamente Capricornio como símbolo de renovación. En la misma línea, Danielle Porte sostiene que cambió de signo porque el de Libra lo compartía con sus fracasados enemigos Bruto, Casio, Mesala y Pompeyo. Si esto fuera cierto, Porte debería tomarse la molestia de explicar cómo es que entonces Augusto decidió asociar tan íntimamente su persona con el dios Apolo, cuando Bruto –más fracasado aún– hizo también lo mismo, incluso en mayor medida que el joven César. Y eso teniendo en cuenta que el Triunviro disponía de otras deidades alternativas en las que centrarse a las que, de hecho, también se asoció en menor medida, como Júpiter o Mars Ultor.

Tasmyn Barton –al que sigue Alfred Schmid– mantiene que todas las teorías acerca de si era Libra o Capricornio han fracasado por intentar encontrar una única respuesta simple: fueron su flexibilidad y polivalencia simbólica las que hicieron de la astrología una herramienta tan útil al servicio de la propaganda augústea, pretendiendo asimilar su reinado con una nueva era. La cuestión de si fue o no de tal o cual signo es, en realidad, algo secundario.

Añade Barton un pasaje que, en su opinión, podría dar la razón tanto los teóricos de la concepción como del signo lunar: “Petosiris dice que donde quiera que se halle la Luna en la concepción, ese será el Ascendente o su opuesto. Donde quiera que se halle la Luna en el natalicio, ese será el Ascendente de la concepción”.

Sin embargo, no vemos qué relevancia puede tener este texto a la hora de defender la superioridad de la concepción sobre el natalicio, y del signo lunar sobre el solar, ninguna de las cuales es avalada por las fuentes. Se trata de un simple comentário técnico sobre un asunto muy oscuro, no una declaración explícita.

Al desistir de intentar buscar una respuesta concreta, conformándose con perderse en prolijos laberintos simbólicos, el resultado es que el problema del natalício de Augusto sigue abierto: ¿se produjo en septiembre o era Capricornio?

5. Las fuentes clásicas confirman que Augusto era Capricornio

Roman emperor Augustus

Además de los testimonios ya mencionados, contamos con tres escritores distintos avalando de forma tajante que Augusto nació bajo el signo de Capricornio: el historiador Suetonio (“nummumque argenteum nota sideris Capricorni, quo natus est, percusserit”), el poeta Manilio (“Capricornus in ipsum convertit visus, quid enim mirabitur ille maius, in Augusti felix cum fulserit ortum?”) y el propio Germánico, el hermano del emperador Claudio y sobrino-nieto de Augusto (“hic [Capricornus], Auguste, tuum genitali corpore numen attonitas inter gentis patriamque pauentem in caelum tulit et maternis reddidit astris”). Todos ellos compartían el interés de la aristocracia romana por la astrología. Germánico era, además, miembro de la familia imperial. Pero la cosa no acaba ahí: unas crípticas palabras recogidas por Plinio (“sibi illum natum seque in eo nasci”), relativas a la aparición del Sidus Iulium en la constelación de Capricornio, indican que el mismísimo César Augusto, a quien deberíamos suponer razonablemente bien informado a tal respecto, decía pertenecer a ese signo zodiacal.

Según Francisca Moya del Baño, el testimonio de Germánico formaba parte de la propaganda augústea, ignorando deliberadamente que el princeps era Libra. Hecho patente, según esta autora, en las Geórgicas. Sn embargo, al leer a Virgilio, lo más que señalaba es que el nuevo dios Augusto podría escoger las Chelae (pinzas de Escorpio, es decir, Libra) como su sede celeste. Lo cual, en realidad, tiene otras explicaciones mucho más sencillas, no relacionadas con su signo zodiacal. Por ejemplo, atribuir la Balanza a Augusto como símbolo de la justicia que instauró, tal como indicaba el comentario a ese texto realizado por alguien mucho más cercano a Virgilio que nosotros, Mauro Servio Honorato, en el siglo IV. Además, Libra era el signo de Italia y de Roma, según Manilio55. Este autor también afirma que Roma se fundó bajo Libra, lo cual es incongruente con la tradicional fecha de 21 de abril de 753 a.C. A menos, claro está, que aceptemos que el primitivo calendario romano a menudo tenía poco que ver con el año astronómico.

55 MANILIO IV, 773-777. CICERÓN, De Div. II, 98, afirmaba que su amigo Tarutio de Firmo había calculado que Roma fue fundada cuando la Luna estaba en Libra, lo que podría apoyar la teoría del signo lunar. Pero también podría ser, simplemente, que el Sol y la Luna estuvieran en conjunción.

¿Es realmente posible defender la existencia de una operación propagandística a gran escala, impuesta de forma oficial o aceptada tácitamente por estos escritores? ¿A pesar de lo cual no es mencionada en las fuentes? ¿Hay alguien capaz de argumentar cómo es que esa feroz censura no fue capaz de impedir a esas mismas fuentes, en cambio, criticar a Octavio y registrar sus actos más reprobables en sus peores años de demagogo incendiario, incluyendo sacrificios humanos? A nuestro juicio, la respuesta a todas estas cuestiones es un rotundo “no”.

Siempre podemos optar por negar la mayor, claro está. El eminente numismático Michael Crawford se limitaba a señalar que Augusto era Libra (“of course”), y que, por tanto el Capricornio en su moneda no podía tener una motivación zodiacal.

6. Explicaciones basadas en el desfase existente entre el calendario republicano y el año astronômico

Julia Sysoeva - capricórnio

La solución a este espinoso enigma nos parece de una sencillez y evidencia meridianas: Augusto nació en Septiembre y era Carpicornio. Es decir, nació, en efecto, un 23 de septiembre, pero fue Capricornio, y no Libra, debido al desfase que acumulaba el tradicional calendario romano de 355 días con respecto a la traslación de la Tierra en torno al Sol. Esta diferencia, motivada tanto por la negligencia de los pontífices como por el cálculo político, era de unos 90 días en el año de la implantación del Calendario Juliano, 46 a.C., motivo por el cual tuvo 445 días. Así, no hay nada de extraordinario en que el septiembre calendárico se correspondiera con el diciembre solar, y que un nativo de aquel mes pudiera, antes de la reforma juliana, ser Capricornio.

Esta teoría fue propuesta por primera vez por Joseph Scaliger en 1599, suponiendo que Augusto y Teágenes se confundieron al trazar el horóscopo, suposición que se nos antoja absurda: los que vivieron aquellos días conocían su cotidianeidad bastante mejor que nosotros, que pretendemos estudiarla a milenios de distancia. En tiempos más modernos, la teoría no ha tenido demasiada fortuna. Fue resucitada a mediados del XIX por Edward Greswell, que identificaba la fecha astronómica con el 5 de diciembre, en la idea de que los astrólogos romanos adelantaban los signos siete grados en relación a la astrología moderna y que para los antiguos el signo natal no era el signo solar, sino el Ascendente (con lo cual el 5 de diciembre se situaba al inicio del signo de Capriconio).

William Garrod proponía en 1911 la fecha del 20 de diciembre, asumiendo las ideas de Greswell sobre la astrología romana, y añadiendo –por si fuera poco– dos nuevas y arriesgadas asunciones de cosecha propia: que César sólo intercaló 67 días –y no 90– en 46 a.C. y que hubo un mes intercalar entre 63 y 46.62

62 GARROD 1911: 114-20. Al igual que BRIND’AMOUR 1983, también sostenía que Augusto nació el 22 de septiembre, porque en el calendario tradicional tenía 29 días, y no 30, de modo que el día octavo antes de las calendas de Octubre era el 22 y no el 23.

Tras un largo paréntesis, el más reciente defensor de esta teoría ha sido Gerhard Radke, que sitúa el nacimiento de Augusto el 17 de diciembre, considera que Teógenes no tuvo en cuenta la intercalación y arguye que fue recalculado por el Senado en 30 a.C. a la hora de decretar su celebración oficial. La teoría hace aguas porque, además de lo especulativo de sus cálculos, no hay ninguna prueba de esto último.

Brind’Amour se oponía a estos cálculos indemostrados… esgrimiendo los suyos propios, claro está, en la peregrina idea de que ¡no hubo diferencia astronómica alguna entre el calendario republicano y el juliano en 63 a.C.!Lo cual, como hemos indicado, es un error constatado.

Sin embargo, no es preciso recurrir a tan elaboradas cábalas y arriesgadas suposiciones como hacen estos autores. Basta con leer atentamente las fuentes, pues es el propio Suetonio quien nos indica la fecha: el biógrafo decía haber leído en el Theologoumenon de Asclepíades de Mendes que Atia, madre de Augusto, se quedo dormida tras asistir a una ceremonia nocturna en honor de Apolo y se le apareció una serpiente (el mes consagrado a Marte y Apolo-Helios era marzo, en especial las lunas nueva y llena), que su hijo nació en diciembre (“Augustum natum mense decimo, et ob hoc Apollinis filium existimatum”), añadiendo un detalle significativo: fue el mismo día en que el Senado deliberaba acerca de la Conjuración de Catilina (“Quo natus est die, cum de Catilinae coniuratione ageretur in Curia”). El problema es que ninguna otra fuente da cuenta de la existencia de alguna otra reunión del Senado a este respecto el 23 de septiembre de 63 a.C., siendo la del 21 de octubre la primera sesión documentada donde se habló de la Conjuración.

Suetonio podría referirse a una de las reuniones celebradas el 3, el 4 y el 5 de diciembre (“III Non. Dec.”; “pridie Non. Dec.”; “Nonae illae Decembres”), en las que Cicerón pronunció su Tercera y su Cuarta Catilinarias. Hemos visto que Greswell proponía el 5 de diciembre. Pero ninguna de estas fechas se corresponde con el signo de Capricornio, sino con Sagitario.

Tenemos, no obstante, otra opción posible: la última sesión senatorial del mes y del año, la del 29 de diciembre. Sabemos que, en esta reunión del Senado, Cicerón fue humillado por los tribunos de la plebe, los catilinarios Calpurnio Bestia y Metelo Nepote, que pretendían impedir su discurso de despedida ante el pueblo al finalizar su consulado, ya que había ordenado la muerte de ciudadanos romanos sin juicio prévio (delito que provocaría, finalmente, su exilio en 58 a.C.).

Del 23 de septiembre al 29 de diciembre van 95 días,70 lo que se acerca mucho más a la diferencia de 90 existente en 46 a.C. Los pontífices intentaban corregir el calendario intercalando días y meses adicionales, por lo que una diferencia de cinco dias entre el desfase de 63 a.C. y el desfase de 46 a.C. no tiene nada de extraordinario. Los sucesivos intentos hallar la diferencia exacta de días existente en 63 a partir de cálculos hipotéticos de base astronómica, como hicieron Brind’Amour o Radke, no sólo no coinciden lo más mínimo entre sí, sino que no pasan de constituir meras especulaciones. A nuestro juicio, debemos, ante todo, apoyarnos en las fuentes clásicas.

70 Recordemos que, según el calendario tradicional romano, septiembre y noviembre tenían 29 días, y octubre 31.

Surge, no obstante, una cuestión importante. Estas fechas ciceronianas no eran astronómicas, sino calendáricas, como demuestra el hecho de que el 29 de diciembre fuera el último día del consulado de Cicerón, y, por tanto, también deben adolecer necesariamente del mismo desfase entre el calendario tradicional y el Juliano que la fecha de nacimiento de Augusto. De modo que no nos sirven para calibrar la fecha astronómica.

Esta aparente incongruencia no tiene una solución aceptable, aunque puedan ocurrirse explicaciones ad hoc. Es bien sabido que Cicerón rescribió sus discursos, de modo que no sería que extraño que corrigiera las fechas, acomodándolas al nuevo calendario en algún momento entre su instauración y antes de su muerte en 43 a.C., para congraciarse, quizá, con los cesarianos (ya que fue abolido por los Libertadores y reimplantado por los Triunviros). Sabemos por Plutarco que el orador fue siempre alabado por Augusto, el cual se resistió a proscribirlo durante dos días, antes de ceder a las presiones de Marco Antonio. Cicerón era muy consciente de los câmbios calendáricos y sus implicaciones políticas: llamó a César, “segundo Metón” (célebre astrólogo ateniense) y, cuando en una ocasión alguien señaló que la constelación de la Lira saldría al día siguiente (las Nonas de enero), el orador respondió: “Sin duda, se há promulgado que así sea”, indicando su conocimiento exacto de que el nuevo Calendario tenía errores, pues en realidad ese fenómeno se produjo el anterior noviembre. También parece haber indicios de similares inconsistencias de fechas en la obra de Cicerón, así como en la de otros autores, por ejemplo Flavio Josefo.

Sin embargo, son argumentos poco convincentes y requerirían ulteriores investigaciones para ser demostrados. Motivo por el cual, y al menos de momento, debemos decantarnos por concluir que ese 23 de septiembre calendárico, correspondiente al diciembre astronómico, hubo una reunión en el Senado sobre la Conjuración de Catilina que no es mencionada en ninguna otra fuente, pero que debió aproximarse a la elección consular de aquel año, 63 a.C., como sostenía Thomas Rice Holmes, aunque este autor creyera que el 23 de septiembre del calendario republicano se correspondía a la misma fecha en el Juliano. Sabemos que en esas fechas los catilinarios reunían tropas en Etruria y ya se estaban produciendo disturbios por toda Italia.

Parece lógico suponer que, una vez se produjo la corrección del calendario, Augusto se limitó a seguir celebrando su cumpleaños en la misma fecha calendárica, aunque la astrológica fuera diferente, en vez de optar por corregirla, lo que sólo hubiera provocado confusiones. De igual modo que, cuando en 1582 se implantó el Calendario Gregoriano, no se corrigieron las conmemoraciones a pesar de la inexistencia de diez días enteros, del 4 al 15 de octubre. No había necesidad de aclarar públicamente la aparente incongruencia, porque todo el mundo era consciente del cambio calendárico.

La existencia de un desfase de unos tres meses hacia esos años parece estar confirmada por algunos textos.

Según Salustio, el plan original de los catilinarios consistía en asesinar a los nuevos cónsules el día de Año Nuevo de 64 a.C. y enviar un ejército a ocupar Hispania, un plan que se postergó a las nonas de febrero. Difícilmente hubieran podido enviar un ejército a Hispania en pleno invierno. Pero no si ese invierno calendárico se correspondiera con la primavera astronómica.

La Segunda Catilinaria, pronunciada el 9 de noviembre de 63 a.C., habla de la huida a la Galia Cisalpina de Catilina y sus partidarios, y de los rigores del invierno y largas noches que debían soportar; las nevadas en la región son habituales entre los meses astronómicos de diciembre y febrero.

De igual modo, en enero de 62, Catilina intentó cruzar los Apeninos, tarea bastante dificultosa en pleno invierno, cuando se suspendían las operaciones militares, pero algo menos al comienzo de la primavera. Desde luego, su avance no fue interrumpido por la nieve, según las fuentes, sino por un ejército lealista. Los rebeldes plantaron batalla a los defensores de la República en Pistoya, al carecer de trigo y provisiones para continuar resistiendo, según la arenga de Catilina. El momento de mayor carencia de alimentos siempre es el final del invierno y el comienzo de la primavera. De igual modo, Cicerón indicaba que Catilina dejó atrás las heladas y la nieve de los Apeninos, y tenía todo el verano por delante (“neque umquam Catilina, cum e pruina Appennini atque e nivibus illis emersisset atque aestatem integram nanctus”).

A finales de marzo de 58 a.C. (año en que la descoordinación del calendario llevó a una nueva intercalación), César se enfrentó a los helvecios, reunidos a orillas del Ródano el día 24 (“Is dies erat a.d. V Kal. Apr., L. Pisone, A. Gabinio consulibus”), encontrándose con un serio problema logístico: no sólo el cereal de los campos locales estaba sin madurar, sino que ni siquiera había abundancia de forraje (“non modo frumenta in agris matura non erant, sed ne pabuli quidem satis magna copia suppetebat”). En las sociedades preindustriales, el trigo se plantaba a comienzos de la primavera y se cosechaba entre julio y agosto, y la carencia de forraje se empezaba a notar desde finales del mes de junio y era más acusada en agosto y septiembre. Es decir, César se encontró con la escasez de forraje propia del verano, y una cosecha de trigo que aún no estaba lista. De haber sido marzo, el trigo no hubiera estado sin madurar, como dice el texto, sino recién plantado, sin germinar siquiera. Y no hubiera habido escasez, sino la falta absoluta de forraje propia del final del invierno y el inicio de la primavera. De igual modo, parece muy poco razonable que los helvecios decidieran congregarse al inicio de la primavera, justo cuando más escaseaban los alimentos.

7. Augusto y Apolo

Eros Riding the Goat-Fish Aegipan. Mosaic, end of 2nd century AD

Como hemos visto, según Suetonio, el natalicio de Augusto le relacionaba con el dios Apolo. Un nacimiento a finales de diciembre astronómico, es decir, bajo el signo de Capricornio, se aproxima a una fecha tan simbólica como es el Solsticio de Invierno. Augusto nació justo al amanecer, motivo por el cual Nigidio Fígulo, erudito en astrología y adivinación, declaró que había nacido el señor del mundo (“nota ac vulgata res est P. Nigidium, comperta morae causa, ut horam quoque partus acceperit, affirmasse dominum terrarum orbi natum”), una idea ésta, la del cosmocrator, que nos remite a aquellas monedas donde el capricornio sostiene el orbe entre sus patas, junto con el cuerno de la abundancia y el timón de la nave de República. Octavio, padre de Augusto, también había soñado que su esposa alumbraba un rayo de sol (“Somniavit et pater Octavius utero Atiae iubar solis exortum”), el hijo de Apolo/Helios. Este nacimiento divino es confirmado por uno de los Epigrammata Bobiensia, el número 39, escrito por Domicio Marso, el cual se carteó con Apolodoro, el tutor de Octaviano durante su estancia en Apolonia. El poema ha sido datado entre la dictadura de César y 31 a.C., es decir, mucho antes de que Octaviano fuera proclamado Augusto (27 a.C.):

Ante omnes alias felix tamen hoc ego dicor,
Sive hominem peperi femina sive deum.

De igual modo, la Legio XV, llamada precisamente Apollinaris, fue creada en 41-40 a.C., o incluso antes. “Apolo” fue el santo y seña de los cesarianos en la batalla de Filipos. Por la misma época comenzó a llevar el sello con la talla de la Esfinge, símbolo del regnum Apollinis profetizado por la Sibila. Lo cual apunta a que ya mantenía una conexión con ese dios desde el Triunvirato, mucho antes de la formación ideológica de la monarquía imperial, de convertirse en Augusto y ser loado por los poetas como un nuevo Apolo. Apolo era, de hecho, venerado por los Julios muchos años antes; su padre adoptivo, César, nació durante los ludi Apollinaris del año 100 a.C. y financió de su bolsillo los celebrados en 45 a.C. De hecho, se avino adoptarlo al escuchar a Atia la ya mencionada historia de la aparición de Apolo y la concepción de Octaviano.

Hay otros testimonios ligeramente posteriores, como el banquete que ofreció en mitad de una hambruna (c. 39-37 a.C.), en el cual los convidados se disfrazaron de los Dioses Olímpicos, y el propio Octavio de su patrón, Apolo, la compra de la casa de Quinto Hortensio en el Palatino, junto al Templo de Apolo, consagrado en 36 a.C., o la celebración de la victoria de Actio con advocaciones a Apolo. Y, como hemos visto, en el camafeo conmemorativo de esta victoria aparecía el Capricornio.

8. Conclusiones

La explicación del desfase entre el calendario tradicional romano y el Juliano confiere veracidad y coherencia a todo cuanto afirman las fuentes sobre el natalicio del primer princeps, a pesar de su aparente contradicción. Algo de lo que no pueden jactarse el resto de teorías sobre el nacimiento de Augusto y su signo zodiacal, basadas en el signo de la concepción, en el signo lunar, o en no responder a la cuestión. Todas ellas son frágiles en el mejor de los casos, y rebuscadas sin excepción alguna, constituyendo verdaderos alardes de voluntarismo. Para colmo, optan por el expeditivo método de ignorar o intentar negar aquellas afirmaciones de las fuentes que no cuadran con su discurso, adaptando los hechos para que coincidan con la hipótesis.

De tal modo, creemos poder afirmar, con pocas dudas, que Augusto nació un 23 de septiembre, que se correspondía astronómicamente con finales de diciembre, y que por este motivo su signo zodiacal fue Capricornio. La emisión de moneda y todo el simbolismo asociado vino después, y como consecuencia de ello, contra lo pretendido por diversos autores.

capricorn augusto

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capricornio signo de augusto

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Olhando para as Estrelas – A Fronteira Imaginária Final

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Olhando para as Estrelas

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Esquema cosmográfico medieval: A Terra, personificada por um astrônomo com um astrolábio, está situada no centro do universo, cercada de círculos concêntricos onde estão figurados os quatro elementos, os sete planetas (a Lua era considerada um planeta), os signos do zodíaco e as estações e fases da Lua. Em cada canto do quadrado maior estão personificadas as quatro estações do ano. Atlas catalão, século XIV.

A Fronteira Imaginária Final

Ricardo da Costa

 Astronomia e Astrologia na Idade Média e a Visão Medieval do Cosmo

Via Láctea

“Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso! E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto.

E conversamos toda a noite, enquanto
A Via Láctea como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.”

Direis agora: “Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?”

E eu vos direi: “Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas.”

Olavo Bilac

Esta passagem magistral de um dos maiores poetas brasileiro ilustra magnificamente a ânsia humana de entender o universo. É uma pista literária que não deve fugir dos olhos do historiador, pois uma das formas mais notáveis de se compreender os homens de um determinado período histórico é descobrir como eles entendiam o tempo e o espaço e de que forma se sentiam inseridos neles. Ao localizarmos historicamente a concepção humana desses dois vetores e os conceitos de ciência e natureza podemos circunscrever o homem em seu tempo e o “aprisionamos” dentro do conhecimento de sua época; no entanto, é fato que o espírito humano possui e dá asas à imaginação. Isso acontece porque possuímos a eterna angústia de buscar as respostas para aquelas perguntas clássicas: “De onde vim? Para onde vou?”

Assim, as formas com as quais os homens se projetam para além das explicações científicas de sua época dão o tom de sua sensibilidade, de sua capacidade de imaginação, e, por que não, de seus sentimentos mais profundos e perenes.

Certamente o homem medieval possuía todas essas capacidades sensitivas e talvez mais, pois tinha em si um sentimento profundo de pertencer ao universo, de fazer parte de algo transcendente, de integrar e estar unido a todo o espaço imaginado, visível e invisível. A teia de reciprocidades tão característica da sociedade dita feudal ultrapassava e muito o mundo material, mundo considerado das aparências. Ao contrário dos homens de hoje e do homem do tempo de Bilac – que considera tresloucado aquele que ouve e entende as estrelas porque ama – o homem medieval tinha esse amor em si quando contemplava o cosmo, quando dirigia seus olhos para as estrelas. Pois ele não era mesmo um microcosmo do universo? Para a visionária Hildegard Von Bingen (c.1098-1179) sim: antecipando Leonardo da Vinci em quatro séculos, para a monja, o homem ocupava – e legitimamente – o centro do mundo, no centro de uma série de círculos maravilhosos:

“No centro do peito da figura que eu havia contemplado no seio dos espaços aéreos do Sul, eis que surgiu um roda de maravilhosa aparência. Continha os signos que a reaproximavam dessa visão em forma de ovo, que eu tive há dezoito anos e que descrevi na terceira visão do meu livro Scivias (…) na parte superior aparecia um círculo de fogo claro que dominava outro, de fogo negro (…) em seguida vinha um círculo que era como que de ar carregado de umidade (…) sob este círculo de ar úmido aparecia um de ar branco, denso (…) esses dois círculos estavam igualmente ligados entre si (…) Enfim, sob esse ar branco e firme apresentava-se uma segunda camada aérea, tênue, que parecia estender-se sobre todo o círculo, provocando nuvens, ora claras, ora baixas e sombrias. Esses seis círculos estavam ligados entre si, sem espaço intermediário (…) A figura do homem ocupava o centro dessa roda-gigante…”

Hildegarld Von Bingen. O Livro das Obras Divinas

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A tríplice figura abraça o universo inteiro; um círculo de fogo claro, um outro de “fogo negro”, um círculo de ar úmido, um outro de ar branco, uma segunda camada aérea – traçados com a precisão que caracteriza o texto de Hildegard. Uma figura humana erguida no centro recebe os sopros enviados dos quatro cantos, das cabeças de animais – leopardo, leão, lobo, urso, caranguejo, cervo, serpente, cordeiro – enquanto os planetas irradiam em direção às cabeças de animais e à figura do homem. Repare que Hildegarda está sentada à esquerda, abaixo, contemplando o homem-microcosmo e redigindo sua visão.

Hildegard von Bingen – O Rubor Sanguinis/Favius Distillans

São imagens fantásticas essas da visionária beneditina, imagens compartilhadas pela teoria geral do microcosmo vigente então. Juntamente com a concepção medieval do espaço, elas merecem um aprofundamento. Mas antes uma advertência: devemos necessariamente abandonar a prepotência de nosso racionalismo triunfante moderno (ou pós-moderno) e olhar para esses textos dos séculos XII-XIII com os olhos que devem ser olhados, isto é, com os olhos da delicadeza e da sensibilidade, com os olhos de Olavo Bilac. Só então poderemos perceber o quanto as mentes dos que tentavam entender o mundo das estrelas estava então impregnada de medo e temor, mas também de poesia e lirismo, de amor contemplativo.

Olhar para o céu, ver estrelas, é um dos atos primordiais que diferem o homem da besta. Algum idiota da objetividade nelsonrodrigueano dirá: “Ora, aí está um tema secundário para se estudar.” Tolo insensível, néscio, decerto. Pois dirigir os olhos para o céu e tentar entender a cor e o brilho das estrelas foi, é e sempre será uma atividade do espírito humano. Arrisco afirmar que essa talvez seja uma das ocupações humanas mais poéticas. E a História, por sua vez, se ocupa do homem e de suas atividades, materiais e imaginárias (DUBY, s/d: 11). Ou não? Assim, advirto que não escrevo este artigo para os néscios: eles passam, passarão.

Para fruir intensamente essa sensação de integração cósmica, era necessário ao homem medieval percorrer a natureza e tentar encontrar nela o simbolismo da divindade ali impresso. O século XIII descobriu a maravilha de observar a natureza e perceber a beleza da criação. A curiosidade científica nasceu dessa capacidade de se espantar, de se maravilhar com o mundo e a vida nele contida. A estupefação do homem medieval não era menor quando ele dirigia seu olhar para as estrelas. Como ele entendia o universo? Responder a essa pergunta, pelo menos em parte é o objetivo desse texto.

A Divisão do Universo

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“O universo é totalmente entrelaçado”, pensavam eles. Quando algo não ia bem, era necessário perceber a manifestação de suas correspondências, de seus entrelaçamentos. O primeiro lugar que se devia então olhar era o céu. Foi o que fizeram Raul Glaber († 1044) e Ademar de Chabannes (n. 988), historiadores do ano mil. Eles interpretaram os signos do céu. Raul se impressionou com os cometas; eles indicavam o desejo de Deus e a vinda de adversidades:

“Durante o reinado do Rei Roberto, apareceu no céu, do lado do ocidente, uma dessas estrelas a que se chama cometas; o fenômeno começou no mês de Setembro, numa tarde ao cair da noite, e durou cerca de três meses. Brilhando com um muito vivo clarão, encheu com a sua luz uma vasta porção do céu e desapareceu por altura do canto do galo. Quanto a saber se era uma nova estrela que Deus enviava ou uma estrela de que simplesmente multiplicara o brilho como sinal miraculoso, isso só pertence Àquele que na sua sabedoria regula todas as coisas melhor do que poderia dizer. O que contudo é certo, é que, cada vez que os homens vêem produzir-se no mundo um prodígio desta espécie, pouco depois abate-se visivelmente sobre eles alguma coisa de espantoso e de terrível.”

Raul Glaber

Os eclipses indicavam, por sua vez, presságios de flagelos e o aumento dos desvarios do homem (crimes, cupidez, avidez, pilhagens, incestos): os pecados da terra ressoavam nos céus! Para Ademar de Chabannes, as estrelas inclusive combatiam entre si:

“Por esses dias, no mês de Janeiro, pela hora sexta, deu-se um eclipse do sol de uma hora; a lua também sofreu então freqüentes perturbações, ficando ora cor de sangue ora azul sombrio, ora desaparecendo. Viu-se também, na parte austral do céu, no signo de Leão, duas estrelas que se combateram durante todo o Outono; a maior e mais luminosa vinha do Oriente, a menor do Ocidente. A menor corria como que furiosa e aterrorizada até a maior, que de modo algum lhe permitia aproximar-se mas, batendo-lhe com a sua crina de raios, repelia-a para longe em direção ao Ocidente.”

 Ademar de Chabannes

Como se percebe nessas crônicas antigas, os homens de então viviam olhando para o céu à espera de algum anúncio, de alguma mensagem de Deus. O céu era o palco do grande drama da humanidade; projetavam-se as angústias e as inseguranças nas estrelas, mas também as calmarias, as felicidades, e especialmente a necessidade da humildade para se chegar à paz interior. Pois muitos também olhavam para as estrelas em busca de uma solidão contemplativa. O céu exprimia os anseios humanos. Por que isso?

A cosmologia medieval foi influenciada diretamente pelos escritos de Aristóteles (384-322 a.C.) e, sobretudo Ptolomeu (c.100-170) e seu Tetrabilos. Era considerada a parte mais elevada da Astronomia, que por sua vez era a sétima das Artes Liberais, portanto, a ciência mais nobre antes da Teologia, nobre porque pretendia estudar as coisas próximas de Deus. Devo ressaltar logo de início, porém que os conceitos de Astrologia e Astronomia estavam intrincados e queriam dizer na maior parte das vezes a mesma coisa. Poucos eram os que percebiam a diferença. Contudo, os mais sábios, como Hugo de São Vítor (c.1096-1141) em sua obra Didascálicon (1127), estabeleciam claramente a distinção entre as duas:

“A astronomia e a astrologia se diferenciam pelo fato de a astronomia ter derivado o seu nome da lei dos astros, a astrologia do discurso sobre os astros. De fato, nomía significa lei e logos discurso. E assim, a astronomia é a ciência que discute a lei dos astros e a revolução do céu, investigando as regiões, as órbitas, os movimentos, o raiar e pôr-se das estrelas e as razões do nome de cada uma. A astrologia, por sua vez, considera os astros em seu influxo sobre o nascimento ou a morte ou qualquer outro evento, influxo que é em parte natural e em parte supersticioso. Tal influxo é natural sobre a complexão dos corpos, os quais variam de acordo com o ritmo dos corpos superiores, como é o caso da saúde, doença, tempestade, estiagem, fertilidade e esterilidade; mas esse influxo é supersticioso com relação às coisas contingentes ou que dependem do livre-arbítrio.”

Hugo de São Vítor. Didascálicon. Da arte de ler, Livro II, cap. 10

De qualquer modo, a cosmologia medieval distinguia duas regiões em todo o universo com características bastante distintas. A primeira era a esfera sublunar, que continha todas as substâncias sujeitas à corrupção devido à contrariedade natural existente entre os quatro elementos constitutivos dos corpos (fogo, ar, terra e água) e suas qualidades (quente, seco, frio e úmido).

A segunda, a esfera supralunar (ou celeste), era povoada pelos astros, pelos santos que estão na Glória Eterna, os anjos e Deus. Acreditava-se que o mundo supralunar emitia fluidos, influxos invisíveis que influenciavam as coisas do mundo sublunar, idéia de base neoplatônica que influenciou decisivamente a astrologia. Eram os segredos naturais. A origem dessa concepção encontra-se em Dionísio, o Areopagita (séc. V): “Todo bom dom e toda dádiva descende do Pai das luzes. Mais: a Luz procede do Pai, se difunde copiosamente sobre nós e com seu poder unificador nos atrai e leva ao alto” (Dionísio Areopagita. La jerarquia celeste, I, 1).”

Ainda no Didascálicon, de Hugo de São Vítor, encontramos a distinção entre os dois mundos:

“…os matemáticos dividiram o mundo em duas partes: uma que fica acima da órbita da lua, e outra que fica debaixo dela. E chamaram de “natureza” o mundo supralunar, porque lá todas as coisas subsistem em virtude de uma lei primordial, e chamaram o mundo sublunar de “obra da natureza”, isto é, obra da parte superior, porque todo o gênero dos viventes, que no mundo sublunar são fortificados pela infusão de um espírito vital, recebem das essências superiores o alimento infuso através de percursos invisíveis, para que não somente nasçam e cresçam, mas também se alimentem e evoluam. E também apelidaram aquele mundo superior de “tempo”, por causa do curso e do movimento das estrelas que lá se encontram, e chamaram o mundo inferior de “temporal”, porque se move segundo os movimentos do mundo superior. Igualmente, nomearam o mundo supralunar de “elísio”, em virtude da perpétua tranqüilidade de luz e paz, e nomearam o mundo inferior de “inferno”, devido à inconstância e à confusão das coisas que mudam.”

Hugo de São Vítor. Didascálicon. Da arte de ler, Livro I, cap. 7

Assim, a divisão do universo, segundo Hugo de São Vítor, pode ser assim resumida:

A cosmologia de Gautier de Metz (séc. XIII) e seu universo cheio de matéria, com suas respectivas esferas. Os quatro elementos encontram-se entre a Terra (Infernus) e a Lua, cada um em uma esfera. A seguir, exatamente na ordem, Mercúrio, Vênus, o Sol (em uma final esfera azul escura), Marte, Júpiter e Saturno. Ymago Mundi. In: Geografia Ilustrada, I, 1972: 151.

Na concepção cosmológica medieval a Terra não era considerada um planeta e se encontrava na parte mais inferior e central da esfera sublunar, ou seja, no círculo mais baixo, no centro do Inferno – esse é o nome da Terra no Ymago Mundi de Gautier de Metz. A Terra era o próprio Inferno porque era o triste mundo das inconstâncias, das coisas confusas e que se alternam incessantemente. Nesse círculo inferior do mundo sublunar os quatro elementos que compunham todos os corpos estavam em permanente estado de oposição e tinham uma tendência centrífuga de buscar sua perfeição, de ocupar seu lugar próprio: esse era o motivo pelo qual os corpos se decompunham, pensavam. Esse era o motivo da degeneração e da corrupção da vida.

As Estrelas e o Temperamento Humano

 Nesse mundo sublunar os quatro elementosterra, ar, fogo e água – estavam em permanente correspondência, tanto com os astros quanto com os quatro humores (líquidos) em circulação no corpo humano: o sangue (qualidade de úmido), a fleuma (linfa, soro, muco nasal, saliva, muco intestinal, qualidade de seco), a bílis (amarela, quente) e a atrabílis (ou bílis negra, secreção do pâncreas, fria).

Os quatro elementos e os humores: o homem está entregue a eles, dominado. Barthélemy l’Anglais. O Livro das Propriedades das coisas.

A doutrina dos temperamentos defendia que todas as coisas vivas derivavam desses quatro elementos e das quatro qualidades (quente, frio, seco e úmido) convenientemente temperadas – temperado no sentido de interpenetração total das partes que se mesclam, e não a simples justaposição delas. Essa medicina total, que via o homem integrado ao universo, baseava-se em Galeno de Pérgamo (c. 129-179 d.C.), médico e anatomista grego, que por sua vez remontava a Hipócrates (c.460-380 a.C.). Nessa doutrina, a teoria clássica dos humores, o bem-estar do corpo estava condicionado a esses quatro fluidos corporais. Por exemplo, o homem era quente e seco — sua irascibilidade era decorrência da bílis amarela; a mulher era fria e úmida: daí se completarem, daí serem feitos um para o outro, daí a homossexualidade ser considerada tão antinatural.

Todos os temperamentos humanos pertenciam a um ou outro dos quatro humores. Assim havia quatro temperamentos:

1) sangüíneo
2) fleumático
3) colérico (bilioso)
4) melancólico (ou atrabiliário)

A teoria dos humores chegou à Idade Média e foi reforçada pela medicina árabe, que a endossava (especialmente Avicena e Averróis). Em várias combinações com os signos do Zodíaco, que governava partes específicas do corpo, os humores e as constelações determinavam os graus de calor e umidade do corpo e a proporção da masculinidade e feminilidade de cada pessoa.

Na Árvore Celestial, sétimo capítulo de uma imensa enciclopédia intitulada Árvore da Ciência (1295-1296), o filósofo Ramon Llull (1232-1316) explica a razão da masculinidade e da feminilidade como conseqüência da forma e da matéria:

“É dada masculinidade a um signo por razão da forma e feminilidade por razão da matéria, para que um signo tenha ação e outro paixão, e aquele que tem ação seja masculino e diurno e o que tem paixão seja feminino e noturno.”

Ramon Llull. A Árvore Celestial. In: ORL, vol. XIII, 1926

O homem zodiacal: cada parte do corpo humano é regida por um signo, cujo nome está assinalado. Atlas catalão, século XIV.

Por exemplo, a Lua controlava a fisiologia feminina e sua umidade; governava o cérebro, parte mais úmida do corpo, sendo responsável pela demência dos temperamentos lunáticos. Mulheres histéricas, mal da Lua! A melancolia era característica dos nascidos sob a lua cheia, pessoas que possuíam um humor sombrio eram ligadas ao outono, com o frio e seco. Os nascidos sob Saturno (Capricórnio) eram frios e sombrios; sob Júpiter (Sagitário), sóbrios e joviais; sob Vênus (Touro e Libra), afetuosos e férteis.

A medicina medieval era, portanto, um Humorismo, pois atribuía à origem das doenças e o estado de espírito de uma pessoa às alterações dos humores do corpo (daí, hoje em dia, dizermos “fulano está de bom humor, sicrano de mau humor”), sempre em relação direta com a posição dos astros. Um manual de medicina árabe do século XV definiu bem a concepção médica medieval dos humores do corpo:

“O primeiro humor é a bílis. Ela deriva do fogo, que é o produto do calor e da seca. A bílis reside no corpo do homem perto do fígado, na vesícula biliar. O segundo humor é o sangue. Deriva do ar, que é devido à combinação do calor com a umidade. A sua sede, no homem, é o fígado. O terceiro humor, a pituíta (ou linfa, ou fleuma), derivada da água, que foi criada pela combinação do frio e da umidade. Reside nos pulmões. O quarto humor, a atrabílis (ou bílis negra), deriva da terra, que é um composto do frio com o seco. Ocupa o baço. Estes quatro humores constituem os materiais do corpo, determinam o seu bem estar ou mal-estar (…) Atendendo a estas diversas relações, dividiria os temperamentos em cinco espécies distintas: o temperamento bilioso, o temperamento sangüíneo, o temperamento linfático, o temperamento melancólico e o temperamento misto, que participa igualmente em todos os temperamentos.”

Citado em Micheau, 1985: 61-62

Naturalmente, essa teoria médica inseria-se num sistema global de explicação do mundo medieval – e nunca é demais destacar o fato dela ter prevalecido na medicina pelo menos até o século XVIII. Mesmo durante a Renascença a astrologia reinou soberana, especialmente quando se desejava tomar alguma decisão importante. Portanto, não se tratava de uma exclusividade das “trevas medievais” e sim de uma concepção profunda de mundo que ainda hoje possui fortes raízes em diversas tradições populares.

A Influência dos Astros na Vida do Homem: Predestinação ou Livre-Arbítrio?

A estreita relação entre a medicina e a astrologia fazia com que os mais ricos e poderosos fossem tratados, em caso de doença, por um médico e um astrólogo. Para aqueles homens, a idéia de que as estrelas podiam se deslocar sem afetar-nos pareceria tão inconsistente quanto a hipótese de Deus ter criado o universo apenas pelo ato de criar, sem um juízo e plano preestabelecido. O mundo era ordenado, tudo estava em seu lugar por um motivo específico de Deus. No entanto, essa questão levantava outra: se tudo está escrito nas estrelas, se tudo está predestinado, como explicar o livre-arbítrio? Como podemos escapar das influências astrais? Para Dante (1265-1321), o céu desencadeava os movimentos humanos, mas nossa vontade é sempre livre. Já Ramon Llull tenta resolver esse impasse filosoficamente, através de um exemplo:

“Filho, disse o eremita, um homem esteve em grande tentação de predestinação porque pareceu-lhe ter um poder maior que a justiça de Deus. Aquele homem cogitou a respeito da disposição do mundo, e entendeu que o homem está ordenado para ter virtudes, vícios e fazer o bem e o mal, e sucessivamente Deus ordenou que o homem viva no mundo. Mas se o livre-arbítrio não fosse nada e necessariamente o homem predestinado à salvação se salvasse e o predestinado à danação fosse danado, seguir-se-ia um inconveniente por tudo quanto existe no mundo ordenado, porque não caberia fazer bem ou mal, nem caberia existir sol ou lua, nem obra de natureza sensual ou intelectual, e todo o mundo estaria desordenado, a qual coisa é impossível, conforme está manifestado.”

Ramon Llull. Félix ou O Livro das Maravilhas, cap. 100 – Da predestinação e do livre-arbítrio

Para Ramon Llull, o homem vence o efeito das constelações com sua livre vontade. Por sua vez, o gênio de Tomás de Aquino (1225-1274) resolveu a questão da predestinação e os astros de forma bastante direta: não havia problema em utilizar a astrologia para prever tempestades, doenças ou colheitas. Todos se serviam dela. No entanto, a vontade humana não estava submetida à necessidade astral, caso contrário nosso mérito e livre arbítrio estariam arruinados. Portanto, é impossível adivinharmos o futuro baseando-nos nos astros:

“É verdade que os astrólogos, estudando a disposição e o movimento dos astros, predizem com freqüência sucessos verdadeiros. Isso ocorre principalmente por duas causas. Antes de tudo, ao fato de que a maior parte dos homens se deixam levar pelas impressões do corpo. Daí que muitas vezes ordenem seus atos conforme as tendências ou inclinações que lhes imprimem os corpos celestes. São poucos – somente os sábios – que procuram moderar tais inclinações, submetendo-as aos ditames da razão. Por isso, as predições dos astrólogos se verificam quando se trata de sucessos gerais que dependem da variedade. A segunda causa atesta a presença dos demônios “é preciso confessar”, escreve Santo Agostinho que, “quando os astrólogos descobrem a verdade conseguem isto sob a influência de um instinto muito secreto que sem darmos conta penetra profundamente no espírito. Se trata de um pernicioso engano, obra certamente dos espíritos sedutores e impuros, a que lhes permite Deus o conhecimento de certas verdades de ordem temporal”.

E conclui:

“Por conseguinte, o bom cristão há de se guardar muito bem desses matemáticos e de toda a classe de gente que pratica impiamente a adivinhação, fugindo sobretudo dos que dizem a verdade. Que a alma, enganada por esse comércio, não caia nas redes que a levem definitivamente até os demônios.”

Tomás de Aquino. Suma Teológica

Apesar da lógica de Tomás de Aquino refutar a influência dos astros nas decisões humanas, esse parecia ser o desejo de muitos. Era uma história que apaixonava os homens. A teoria dessa influência astral na vida humana remonta à Antigüidade. Já Aristóteles afirmara que

“…este mundo está necessariamente em continuidade de uma maneira ou de outra com aquele que se move no alto, de modo que todos os seus impulsos são comandados do alto. Esse é, com efeito, o princípio de onde parte, para todos os seres, o movimento.”

Metereológicos, I, 2, 339a 22-24

Contudo, o Estagirita não estendeu essa influência aos assuntos humanos, parecendo sim se referir às cheias dos rios, às marés, à configuração dos continentes e dos mares. Já Ptolomeu, em sua obra Opus Quadripartitum disse claramente:

“Eis aqui uma proposição muito evidente e que não tem necessidade de uma longa demonstração: Uma força emanada da natureza etérea e eterna se transmite a todas as coisas que cercam a Terra e que são constantemente submetidas à mudança. Os primeiros elementos que estão sob a Lua, o fogo e o ar, são cercados e agitados pelos movimentos do éter; por sua vez, eles envolvem e arrastam em sua agitação todos os corpos que estão abaixo deles, a saber, a terra, a água e todos os animais e vegetais que aí se encontram.”

I, cap. 1

Ptolomeu acrescenta ao tema aristotélico o conceito de emanação, mais tarde definida pelo neoplatônico Plotino (205-270) como “a eterna geração de seres inferiores por parte do ser perfeito”. De qualquer modo, estas poucas linhas tornaram-se o manifesto do astrologismo medieval. Assim, por um lado (especialmente o acadêmico), considerava-se herético afirmar que a força dos astros era invencível, mas por outro lado (baseado especialmente nas tradições populares), seria considerado arrogante e presunçoso negar o papel das estrelas nos destinos do homem.

Por todos esses motivos, o astrólogo, considerado por muitos um homem de ciência, auxiliava o médico nos diagnósticos, sugerindo o melhor momento para a aplicação dos remédios, fazer as sangrias, interferir nos fluidos corporais e no estado úmido, seco, quente ou frio do doente.

A relação de influência dos signos nos quatro elementos do mundo sublunar (na esfera: vermelho = fogo, marrom = terra, azul= água e verde = ar). Esses quatro elementos constituem todas as coisas vivas da Terra. Por esse motivo, somos influenciados pelos astros. Barthélemy l’Anglais. O Livro das Propriedades das Coisas, século XV.

Mais: do ponto de vista intelectual, a astrologia era uma das mais exigentes disciplinas. De acordo com a evolução da doença, o astrólogo alterava suas prescrições, conforme a posição dos astros e as novas combinações com os humores corporais. Por sua vez, cada signo tinha uma correspondência com a estação do ano, e isso tinha que ser levado em conta no momento do cálculo astronômico solicitado pela medicina:

“De acordo com a razão natural e a situação acima que convém responder à situação dos braços da Árvore Elemental, três signos deveriam ser da compleição do ar no verão, três do fogo no estio, três da terra no outono e três da água no inverno. Os três do verão são Áries, Touro e Gêmeos; os três do estio são Câncer, Leão e Virgem; do outono, Libra, Escorpião e Sagitário; do inverno, Capricórnio, Aquário e Peixes.”

Ramon Llull. A Árvore Celestial

Por sua vez, cada signo concordava com uma sensualidade humana; por exemplo, Áries com a visão (através de sua umidade e calor); Leão com a audição (através de seu calor e secura). Além disso:

“…Áries concorda mais com o corpo com a vontade pela umidade e calor que Peixes pelo frio e umidade ou Sagitário pelo frio e secura. Leão concorda mais com o cérebro da fronte com o entendimento pelo calor e secura que Peixes pelo frio e umidade. Escorpião concorda mais com as partes posteriores do cérebro com a memória pelo frio e secura que Gêmeos pela umidade e calor. O mesmo se segue com os braços, as canelas e os outros membros do homem. Assim pode-se conhecer em quais tempos do ano e em qual hora do dia e da noite os médicos devem dar medicinas e como elas dão sanidade a um membro juntamente com um signo e dão sanidade a outro membro com outro signo.”

Ramon Llull. A Árvore Celestial

Assim, o médico necessitava do astrólogo para definir o momento preciso para lidar com algum sentido doente. Naturalmente, esse sistema totalizante integrava o homem no universo, não permitindo a sensação de abandono, de solidão: todos faziam parte de algo maior. Na obra Da natureza, Isidoro de Sevilha (c.560-636) já afirmara que todo homem continha um pequeno mundo, todo homem transcendia para o além. Outra obra muito conhecida de então, o Elucidário, de Honório de Autun, um vulgarizador do século XII, ilustra belamente a relação direta entre o homem e o cosmo:

“O homem possui da terra a carne, da água o sangue, do ar o sopro e do fogo o calor. Sua cabeça é redonda como a esfera celeste. Os olhos brilham como as duas luminárias do céu. Sete orifícios o decoram, harmoniosos como os sete céus. O peito, onde se situam o sopro e a tosse, assemelha-se ao ar onde se formam os ventos e as tempestades. O ventre recebe todos os líquidos, assim como o mar recebe todos os rios. Os pés carregam o peso do corpo, como a terra. O homem tem a visão do fogo celeste, a audição do ar superior, o olfato do ar inferior, da água o gosto, da terra o tato. Ele participa da dureza da pedra por seus ossos, da força das árvores por suas unhas, da beleza das plantas por seus cabelos.”

Honorius Augustodunensis, Elucidarium, I

Assim, a visão do homem como um microcosmo, a teoria dos quatro humores e dos quatro elementos se encaixava bem na concepção astronômico-astrológica medieval. Assim, na esfera sublunar, em nosso mundo, os corpos se separavam devido à tendência de seus elementos compostos de ocupar seu lugar próprio, de buscar sua perfeição: a água existente no homem buscava sua perfeição, inatingível pela própria matéria humana, o calor, idem, e assim por diante.

No centro da esfera sublunar estava a Terra, fria e seca. Entre a Terra e a Lua estavam situados a água, cujas qualidades eram o frio e a umidade; acima da água estava o ar (quente e úmido), e por fim a parte mais elevada antes da Lua, o fogo (quente e seco), também para alguns separados em esferas.

Por sua vez, na esfera celeste, a matéria dos corpos era distinta; a forma dos corpos celestes preenchia totalmente a potencialidade de sua matéria, motivo pelo qual não lhes era permitida nenhuma possibilidade de mudança fora da rotação circular das esferas. Sem os meios tecnológicos que permitem hoje medições precisas e uma variedade de pontos de vista interplanetários, o modelo astronômico medieval se mantinha muito próximo das primeiras percepções quando tentamos perceber o céu a olho nu.

Como o universo era um conjunto de esferas concêntricas e cristalinas, isto é, transparentes, cada uma delas continha um planeta. Acima da Terra, na seguinte ordem de esferas:

1) Lua
2) Mercúrio
3) Vênus
4) Sol
5) Marte
6) Júpiter
7) Saturno

Essa última esfera possuía uma intensa luminosidade – não podemos nos esquecer que devido à inexistência de luz elétrica, o céu medieval devia ser um espetáculo assombroso para as pessoas de então, desde o mais rude camponês ao mais poderoso dos reis. Um céu estrelado em noite de lua cheia com certeza devia causar uma sensação de grandiosidade do Universo quase assustadora, mas ao mesmo tempo fascinante.

Por exemplo, na cosmologia de Dante havia ainda o nono círculo (Primum Mobile ou Céu Cristalino), céu concêntrico e o mais veloz de todos, pois não continha nenhuma matéria, e comandava o movimento dos oito céus inferiores. Acima do nono círculo estava o Empíreo (imóvel), com a Rosa Mística (a glorificação dos beatos), e por fim os nove círculos angélicos (concêntricos), rodeando Deus. O número nove significa o amor incondicional, pois sua raiz quadrada é o três da Santíssima Trindade (Dante Alighieri. A Divina Comédia).

Considerava-se que essas esferas eram perfeitas e não possuíam rugas nem manchas. Por esse motivo, a descoberta de manchas no Sol por Galileu foi um escândalo. Os eixos de cada esfera estavam encaixados na esfera seguinte: os medievais pensavam assim, pois estavam orientados pela maneira na qual os astros, vistos da Terra, reproduziam com seus movimentos as aparências da realidade.

Como as esferas não necessitavam obter nenhuma outra forma para buscar sua perfeição, pois sua matéria tinha toda a sua potencialidade completa e as rotações não tinham fim, os movimentos celestes obedeciam a uma forma natural. Portanto, sua causa tinha que ser atribuída a alguma substância separada da matéria: eram os anjos. Com sua inteligência e poder, os anjos podiam conceber e realizar tanto aquele movimento incessante quanto seu fim. Esse fim era obtido ao se completar o número dos eleitos, já que ao mover os céus, os anjos provocavam as mudanças das estações e tudo o que a Terra necessitava para a vida dos homens.

Uma típica figuração teológico-astronômica medieval: dois anjos acionam manivelas destinadas a fazer girar o primeiro céu móvel. Manuscrito provençal do século XIV. British Museum, London.

Conclusão

 A imagem que os medievais tinham do universo era cheia de simbolismos, de metáforas. O mundo que eles tentaram descobrir era um conjunto harmônico e completo de beleza. O amor estava unido ao temor: as estrelas e o Sol se moviam por causa do amor de Deus – e devemos temê-Lo e amá-Lo. Não importava tanto a descoberta de um sistema de leis e princípios, mas sim saber avaliar e julgar corretamente qual a lição deveria ser aprendida com aquela observação. A investigação deveria ser humilde e sincera, despojada. Dever-se-ia buscar a verdade acima de tudo: buscando-a, exercitar-se-ia a virtude. Então poderíamos nos aproximar um pouco de Nosso Criador: “Duas são as coisas que recuperam no homem a semelhança divina, e são elas: 1) a especulação da verdade e 2) o exercício da virtude. Pois o homem é semelhante a Deus quando é sábio e justo.” (Hugo de São Vítor. Didascálicon. Da arte de ler, Livro I, cap. 8).

O temor de olhar para o céu dos historiadores do ano mil e perceber os presságios funestos dos males vindouros, como vimos, foi gradativamente substituído pelo amor à natureza dos homens dos séculos XII-XIII. Estes aceitavam a influência dos astros sem, no entanto, negar nossa capacidade de escolha, fruto do livre-arbítrio dado por Deus. O homem era influenciado pelas estrelas sim, mas sempre tinha a última palavra, sua consciência. Por esse motivo ele era o próprio microcosmo: esse homem-microcosmo, embora consciente de ser um grão no universo, não se sentia só, pois cada parte de seu corpo estava interligado à estrela mais distante. Esse universo integrado soava como música, estava ali ansiando para ser descoberto, mas com olhos amorosos.

Assim, essa astrologia da segunda idade feudal, cheia de nuances e perspectivas de interpretação simbólica era, sobretudo uma tentativa sincera de se aproximar do outro mundo, do mundo do além, do mundo supralunar. Era mais uma forma daquele típico pensamento escatológico que fazia os homens de outrora buscarem Deus com profunda compaixão. A partir de então, maravilhados com o assombro da natureza, livro-espelho da criação divina, os medievais buscaram ávida, porém racionalmente as conexões íntimas e invisíveis entre os dois mundos, os mistérios do movimento dos corpos celestiais que traduziam as sensações de pertença, de integração e de realização espiritual.

O mundo e o universo eram entendidos como frutos de um momento sublime de amor. E, cheios desse amor contemplativo, os espaços dos medievais se expandiam, suas fronteiras eram redesenhadas em direção ao além conforme sua capacidade de amar. Bastava apenas olhar com olhos amorosos, com aqueles olhos de Olavo Bilac que, voltados para a Via Láctea, amava as estrelas para entendê-las. Pois quando amamos, ouvimos e entendemos as estrelas.

Fontes Impressas
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RAMON LLULL. Félix ou O Livro das Maravilhas (1288-1289) (tradução de Ricardo da Costa e o Grupo de Pesquisas Medievais da UFES I). Publicado na INTERNET: www.ricardocosta.com
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Cíngar y el Saber Fisiognómico y Astrológico Renacentista

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Un Pícaro Sabio en un Libro de Caballerías: Cíngar y el Saber Fisiognómico y Astrológico Renacentista

It is finished when Seven are One

Folke Gernert

Universität Trier

Historias Fingidas

Resumen

En 1542 se publica un curioso libro de caballerías intitulado El cuarto libro del esforzado caballero Reinaldos de Montalbán que trata de los grandes hechos del invencible caballero Baldo y de las graciosas burlas de Cíngar que textualiza una serie de saberes ocultos. Tras una evaluación histórica de estas prácticas en el sistema científico del Renacimiento, se cotejan algunos pasajes de la obra con el hipotexto, el Baldus de Folengo, y con los manuales al alcance del autor anónimo. El monje benedictino incorpora estas teorías en su universo lúdico mientras que el autor del Baldo restablece la seriedad del referente científico parodiado luciendo su familiaridad con el discurso ortodoxo.

§

[…] Leonardo estava mirando a Cíngar cómo hablava tan astutamente y cuán sagaz era y sus facciones porque le veía los ojos pequeños y muy penetrantes, la color del rostro algo amarilla tocante en blanco, los ojos hincados en baxo, donde dezía entre sí: «De verdad, este hombre tiene parte diabólica, según las cosas que haze y he oído dezir d’él».

(Baldo, I, xix, 62)

A simple vista se percibe que el narrador se detiene en presentar cómo la astucia y la sagacidad del protopícaro Cíngar se reflejan en el aspecto exterior del personaje. Los rasgos físicos que llaman la atención del caballero Leonardo apuntan hacia una persona de gran inteligencia, puesto que en los manuales fisiognómicos los ojos pequeños suelen interpretarse como señal de astucia, sobre todo cuando están hundidos. Lo que me parece más relevante no es tanto el empleo de este material en la descripción del aspecto exterior de los personajes de la ficción caballeresca, sino la capacidad de algunos personajes de interpretar conscientemente los rasgos fisiognómicos de los demás o, dicho de otra manera, el saber fisiognómico y también astrológico del que disponen determinados caracteres como el astuto Cíngar, uno de los protagonistas de El cuarto libro del esforzado caballero Reinaldos de Montalbán que trata de los grandes hechos del invencible caballero Baldo y de las graciosas burlas de Cíngar (1542). Es bien sabido que este curiosísimo libro de caballerías es uma adaptación en prosa de la epopeya macarrónica Baldus de Teófilo Folengo, combinada com reescrituras de la Eneida virgiliana y de la Farsalia de Lucano, ampliadas a su vez con gran número de referencias heterogéneas de la literatura clásica y también de la coetánea a su autor, procedente de varias parcelas del saber. En esta ocasión, me interesa analizar la textualización del pensamiento fisiognómico y astrológico en función del carácter científico del sistema de referencia subyacente.

Frente a lo que sucede en este libro, las marcas de nacimiento empleadas en los libros de caballerías, por ejemplo, no están sustentadas sobre el conocimiento de lo fisiognómico y proceden más bien del acervo popular. Por eso Cervantes se burla de este motivo caballeresco en el decimotercero capítulo de la primera parte, tanto con el tono irónico de la narración como por el hecho de que sea precisamente el escudero quien se erija en portavoz de las teorías fisiognómicas, claros indicios del escepticismo cervantino. A medio camino entre la suspicacia de don Miguel y la fabulación candorosa de los textos de la estirpe amadisiana se ubica la adaptación en prosa del Baldus de Folengo, escrita por un anónimo humanista, familiarizado con el pensamiento aristotélico, que impregna su obra de ideas fisiognómicas. Tal labor la lleva a cabo por medio de un portavoz, el protopícaro Cíngar, que realiza una especie de compilación de este tipo de conocimientos, parodiados en su hipotexto.

From the Rosarium Philosophorum, 1578

1. El saber astrológico en el Baldus y en el Baldo

Un aspecto particularmente interesante de la materia se aborda en el capítulo XXI del primer libro, donde «Cíngar, preguntado de Baldo, contó muchas fábulas de la astrología sobre los sinos y planetas». Se trata de un largo excurso en la adaptación castellana del Baldus de Folengo que parte de uma disertación lúdica en el poema macarrónico original del monje benedictino. En el Liber XIII del Baldus de Folengo, en la llamada Redazione Toscolanense, el protagonista pregunta a su amigo Cingarus durante un viaje por mar sobre las particularidades de los astros8:

«Cingar, me grandis nunc admiratio brancat,
nec scio qua guisa possunt, quae cernimus, esse.
Ecce vides solem plus largum, plusque ritondum
quando foras exit, quam cum tenet ardua coeli
Praeterea tantum rubeas fert ille masellas,
in tinam vini quod strabuccasse videtur».

8 Olivieri analiza la figura de Cíngar astrólogo quien «offre l’immagine del mago, intellettuale solitario e notturno».

Su curiosidad por cuestiones astrológicas reaparece en la adaptación castellana: «[…] Baldo, que era amigo de saber muchas cosas, preguntó a Cíngar que le dixesse cómo estava compuesta esta gran redondez del cielo y la tierra que desseava mucho saberlo». El protopícaro insiste en ambas obras en la dificultad que plantea satisfacer el deseo de su amigo a quien intenta, no obstante, complacer siempre. El Cingarus de Folengo dice en la Redazione Toscolana:

Cingar ait: «Magnas o res mihi, Balde, rechiedis,
quas nimis astrologi dudum schiarire fadigant,
nam super humanos animos ea facta fuere.
Sed tamen insigni quidam de semine gregus,

cuius (si memini) Piationus nomen habetur,
astrologusque alter Tolomellus, Iona propheta,
Solon, Aristotel, Naxagor, Tala, Pytagor,
talia scripserunt per magnos caricantia libros».

La enumeración de los astrólogos10 (Platón, Claudio Ptolomeo, el profeta veterotestamentario Jonás, el legislador Solón, Aristóteles, los filósofos presocráticos Anaxágoras12 y Tales de Mileto, así como Pitágoras) interesaba particularmente a Folengo, dado que las autoridades enumeradas varían considerablemente en la diferentes redacciones que conservamos por él realizadas: la «Redazione Paganini» de 1517 menciona13, a diferencia de la Toscolanense y de la Vigaso Cocaio, a Aristóteles junto con Ptolomeo («astrologusque alter Tolomellus) mientras que la Vigaso Cocaio de 1552 introduce una referencia burlesca a «Oga Magoga» («astronomusque alius Tolomellus). El Cíngar castellano omite el listado de las autoridades en cuestiones astrológicas a la hora de contestar a su amigo: «Amado Baldo, cosa difícil me preguntas, de la cual no te hablaré tan ciertamente como de otras. Yo no he visto cómo se mueven los cielos ni cómo hazen su operación, pero diré lo que los otros dixeron». Antes de hablar de los planetas con los que arranca la «astrologia Cingaris», el traductor castellano se empeña en hacer una síntesis seria y ordenada, que comienza con la discusión del número de los cielos:

Cuanto a lo primero, sabrás que los cielos unos dizen que son nueve, otros diez, otros onze. Dexo esto y con ello al primer cielo impíreo, el cual no se mueve y más grande, más perfecto y más redondo que ess’otros. Pero, ¿en qué me detengo? Es, en fin, morada divina debaxo d’este sin aver cosa vazía. En medio está el que primeramente se mueve con movimiento velocíssimo que, si parasse, toda la humana máquina se desataría. Tras d’él viene el cielo estrellado, en el cual está un círculo, repartido en tres líneas, y éste se divide en doze partes que se llaman signos que van por la línea del medio.

10 Scalamandrè observa a propósito de las autoridades mencionadas por Cíngar («Astrologusque alter Tolomellus, Iona propheta, / Solon, Aristotel, Naxagor, Tala, Pytagor, / Talia scripserunt magnos magnos caricantia libros»): «E aggiungeva citando vari sapienti, anche se gli accade di storpiare qualche grande nome (non è anche, la sua, una cultura popolare?)»; véase también Scalamandrè: «In realtà Cingar forniva successivamente un’ampia prova della sua scienza astronomica, da lui esposta con molti e particolari riferimenti alla mitologia. Diceva della Luna, di Mercurio, di Venere, del Sole, delle stagioni di Marte, Giove, Saturno, dei segni dello zodiaco».

12 Para la función de Anaxágoras en la evolución de las teorías cosmológicas véase Múñoz Valle (1979).

13 Véase a propósito del discurso astrológico en la redacción de 1517 el estudio de Zaggia (1995).

El discurso de Cíngar sobre el zodíaco añade toda una serie de detalles a las someras menciones originales del texto de Folengo como se puede comprobar a propósito de Aries:

El primero es el que tiene figura de carnero que se atribuye al mes de março, el cual dizen que fue d’esta manera colocado en el cielo porque Júpiter, en aquella temerosa batalla que intentaron los gigantes contra los dioses, donde Apolo se tornó en cuervo, Baco en cabrón, Diana en gata, Juno en vaca, Venus en pece, Mercurio en cigüeña, Júpiter en carnero, el cual fue después honrado en aquella figura de los de África porque, yendo un hijo de Júpiter por la arenosa Libia y aviendo perdido el camino, halló un carnero que le enseñó el camino y, pensando que era de su padre, hizo allí un templo que se llamó de Júpiter Hamón. Y esta figura fue puesta en el cielo. Otros dizen que era por el vellocino dorado del carnero que truxo Frixo, hermano de Heles, a Colcos que después tomó Jassón con ayuda y saber de Medea.

Es llamativo cómo el humanista castellano aprovecha la ocasión para hacer gala de su saber mitológico. A diferencia de Folengo, comenta sólo tres de los doce signos –carnero, toro y géminis– y omite por completo los demás17. Después de ulteriores explicaciones de otras constelaciones y de su trasfondo mitológico sigue una detallada descripción por orden descendente del séptimo al primer cielo con los planetas correspondientes, de acuerdo con el orden más común de tales listados: comienza con Saturno, el planeta más alejado de la tierra, y termina con la luna. Folengo, por su parte, empieza con la luna y cierra con Saturno, e introduce en su discurso diversas digresiones amplificativas. Tanto la inversión del orden de los astros, propuesto por su hipotexto, como la estructuración esquemática indican que se trataba de un tema que interesaba particularmente para el humanista castellano, que se aleja considerablemente de su modelo como se puede apreciar fácilmente a propósito de Saturno:

Dexando todo esto, vengo al sétimo cielo que tiene Saturno, el cual fue fijo de Celo y de la diosa Vesta y casóse con su hermana Opis. Éste tuvo un hermano llamado Titano, el cual, como fuesse mayor, pidió el reino que le venía de justo título, pero, como fuesse muy feo, lo cual sabido por Saturno, pidió el reino y dióselo con condición que todos sus fijos machos matasse. Pero esto no se pudo cumplir porque sus fijos fueron librados. Fue después echado de su reino y huyó a Italia, do lo recibieron el rey Jano. En esto, desaparesciendo Saturno, fue tenido por dios. El cual nasce debaxo d’este planeta es de color baça, lleno de cabellos negros y duros y barvas; es malicioso, airado y triste; tiene dominio sobre la vida, edificios y dotrinas y mudanças de tiempos.

17 La «incorporación de una imaginería zodiacal en español» se debe a Francisco Imperial como estudia Vicente García (véase particularmente el capítulo «La huella de la astrología en la literatura humanista castellana»).

Folengo exagera la representación tradicional de Saturno como un viejo decrépito aquejado de todo tipo de enfermedades con hiperbólico lujo de detalles20:

Uxorem quamvis habeat, tamen ipse fiolos
non generare potest, causam nunc queritis inquam.
Non solum quoniam mancant sua corpora caldo,
Iuppiter a patri Saturno membra taiavit.
Hic macer est vultu, calva cum fronte rapatus
sbavazzat totam naso scolante bocazzam.
Nec retinet solumdentem sua quaeque ganassa.
omnes cum flatu putrido, quum parlat, amorbat.
Hispida barba riget, numquam pro pectine lenis,
Cum bastone suas vadit numerando pedattas,
de passu in passu tussi, spudatque macagnos.
Fert sgarbellatos oculos, nec sbercia mancat.
Pellizzonus eum usque ad calcanea coprit,
attamen ille facit tremolantos frigore plenus
Eius bassa domus plena est humore nocivo,
flent muri, guastat rumatica muffa solarum.
numque splendigeros fundit Apollo lusores
Praticat hic semper spissis nox plena tenebris,
Hic barbagianni strident, hic pippaquestrelli
hic quoque noctivaghae «gnao gnao» faciendo civettae.
Tristitia hic habitat, macies, genus omne maloram
maxima sunt isti, capitis dolor, hydropisia,
angonaia, malum costae, quartanaque febris,
mazzuccus, lancum, carbones, morbida pestis,
flegma, tumor ventris, vermes, colicique dolores,
petra vesigarum, cancar, giandussa, bognones,
franzosus, fersae, cagasanguis, rogna, varolae,
defectus cerebri, rabiesque frenetica, chiodus,
stizza canina, dolor dentorum, scroffa, puvidae,
phistula, galtones, tumor velle lergna vocata
testiculi, brofolae, tegnosaque codega, lepra,
schelentia, gulae sicitas, et pectoris asma,
sancti Antonii morbum morena, podagra
tisica febris, mugancae, tardaeque pedanae
infirmitates non totas dicere possum.
Ista fameia senem Saturnum semper honorat,
sed male fida quidem, nam bursa vodatur ad ipsa.
Hanc medici preciant, sed in altro corpore ficcam.
Ergo Saturnus supremo praesidet orbi,
de qua cascatus possit sibi rompere collum.

(Baldus, XIV, Redazione Toscolanense, 149v-150v: «De Saturno»)

20 Puede que Folengo se haya inspirado en el capítulo De Saturno domino geniture de Indagine donde se lee: «[…] morbos omnes in vnum exaggerat: videlicet peripneumoniam, hydropisum, podagram, morbum regium diue caducum, vlcera, alopeciam, caecitatem et quem es vitiosis humoribus sunt malorum omnium mare».

Esta parodia mitológica macarrónica se ve transformada en el libro castellano en una seria exégesis del mito a la que se añade un elenco de los rasgos fisiognômicos que se atribuyen a las personas nacidas debajo de cada planeta así como las actividades relacionadas con cada astro. Me interesa particularmente analizar estas descripciones de los llamados «hijos de los planetas» en relación con el sistema científico contemporáneo y las teorías fisiognómicas. Antes de comentar el texto em detalle, me parece necesario trazar un breve panorama de la historia de la fisiognomía y de su vinculación con cuestiones astrológicas.

Alchemical Portraits

2. Los hijos de los planetas y la fisiognomía

La disciplina que solemos asociar hoy en día con el nombre de Johann Caspar Lavater, notorio gracias a su El arte de conocer a los hombres por la fisionomía (1775-1778), es una techné cuyos orígenes se remontan a la Mesopotamia de la primera mitad del segundo milenio antes de Cristo y que fue practicada por los antiguos griegos y romanos21. Recuérdense tanto los escritos seudoaristotélicos (los Physiognomonica22 y los Secreta secretorum23), como la obra fisiognómica de Antonius Polemo o los tratados de Adamantius, del llamado anónimo latino y del médico Loxus. La Edad Media produjo toda una serie de estudios fisiognómicos originales que acompañaban a las traducciones de los textos clásicos y obras árabes. La caracterología estuvo vinculada desde muy temprano con la astrología, como demuestran los manuscritos que transmiten obras de astrólogos como Ptolomeo (100-170) y otros29. En lo que concierne a la influencia planetaria sobre los seres humanos, descrita en el Baldo, es pertinente tomar en cuenta una serie de obras medievales, tales como un tratado fisiognómico anónimo que se suele citar con el título Elegans est nature cognicio, la Compilatio Physionomiae de Pietro d’Abano (ca. 1295) –impresa a partir de 1474 en repetidas ocasiones–, así como el Speculum physionomie de Michele Savonarola ( ca. 1440-1450). A ellos se suman, desde comienzos del siglo XVI, una serie de nuevos manuales y tratados especializados sobre fisiognomía, de entre los que me interesa destacar, por su relación con los hijos de los planetas, la Chyromantie ac physionomie anastasis de Bartolomeo della Rocca llamado Cocles (1467-1504), publicado en Bologna en 1504. El tercer libro sobre fisiognomía se intitula De physionomia planetarum y se dedica a la caracterización de los hijos de los planetas para terminar con unas breves reflexiones acerca de las líneas planetarias en el cuerpo humano. Se trata de un manual científico por su mise en page, redactado en latín, voluminoso e impreso in formato in-folio y con muy pocas ilustraciones en la parte quiromántica. En las Introductiones Apotelesmatica e elegantes in Chiromantiam, Physionomiam, Astrologiam naturalem, Complexiones hominum, Naturas Planetarum de Ioannes ab Indagine (1467-1537), publicadas en 1522 en Estrasburgo, igualmente en latín e impreso también en gran formato, se relacionan los ascendentes planetarios con los temperamentos. Por otra parte, encontramos un gran número de publicaciones astrológicas que se dedican a la caracterología de estos ascendentes planetarios como, entre otros muchos, el Astrolabium del alemán Johann Engel, impreso en 1494, o bien el Trattato d’astrologia iudiciaria que Luca Gaurico publicó en Roma en 1539. Como observa acertadamente Eugenio Garin en su estudio fundamental sobre la astrología, nunca se produjo una ruptura claramente perceptible entre la astrología medieval y moderna:

In other words, while it is necessary to eliminate the idea that a complete rupture took place between modern astronomy and medieval astrology during the Renaissance, it is most important to be aware of the wide dissemination of astrological, magical and hermetic themes at the beginning of modern culture and their persistence everywhere in the most varied forms, not only in the images of art but also in the new science itself.

21 Véase la antología de tratados de fisiognomía griegos y latinos de Förster (1893), así como para el imperio romano el estudio de Barton (1994).

22 Los Physiognomonica del Pseudo-Aristoteles fueron traducidos al latín por Bartolomeo di Messina, léase el texto en la antología de Förster (1893, I, 69-71). Véase también la reciente edición de la Fisiognomica de Aristóteles de Ferrini (2007), que resume concisamente la historia de esta ciencia, así como Porter (2005, 23).

23 Véase Paschetto (1985, 98): «[…] il Secretum non era solo un trattato di fisiognomica ma, dopo aver parlato dell’arte di governare e di questioni mediche, dedicava ampio spazio alla magia, all’astrologia ed alle scienze occulte, ivi comprese l’onomatomanzia e gli incantesimi». Para el Secretum secretorum consúltense además los estudios reunidos en Ryan y Schmitt (1982).

29 Véase al respecto Pack (1970, 115): «In the west, astrology was of course wedded to physiognomy at an early time: the idea that the planets shape or mould the physical and mental qualities of mankind is abundantly evidenced from the second century of our era by the works of Ptolemy, Vettius Valens, and Firmicus Maternus». Consúltese también el estudio desde la perspectiva de la historia del arte de Blume (2000), con gran número de ilustraciones. A la vista de lo expuesto, acertó también el erudito italiano al subrayar tanto la gran difusión del saber astrológico cuanto su fusión con las ciencias ocultas, como es el caso de la fisiognomía que me ocupa.

Mercure tente d'arrêter le cours du temps, représenté par Saturne Nicolas Flamel (1330-1418) (2)

3. Los hijos de los planetas en el Baldo

Algunas de las obras reseñadas, tanto de las medievales como de las renacentistas, estaban seguramente en la mesa de trabajo de nuestro humanista castellano, aunque no pueda decir con certeza cuáles exactamente. Prescindiendo de la descripción mitológica en el discurso de Cíngar, ausente en los manuales que estudiamos, nos las habemos con el aspecto exterior del hijo de cada planeta, su carácter y los aspectos de la vida humana que se relacionan con cada planeta:

En las primeras dos columnas se sigue un procedimiento típico de la fisiognomía: relacionar el aspecto exterior de una persona con su carácter. Cotejando esta caracterología con algunos de los manuales que estaban al alcance de nuestro autor, vemos toda una serie de paralelismos, tales como la caracterización fundamentalmente negativa de los hijos de Saturno, aunque sin mención de la palabra clave «melancólico»38. La mayoría de los manuales concuerdan en pintar sus hijos como personas con poca barba (desde Alichandrus pasando por la Elegans est nature cognicio hasta Cocles). La descripción divergente por parte de Cíngar– «lleno de cabellos negros y duros y barvas» podría explicarse quizá como una corrupción en el texto, lleno de erratas por las erróneas lecturas de la transmisión o los tipógrafos. Mucho más interesante e informativa es la descripción de los hijos de Júpiter por ser mucho más precisa y más detallada. En otra tabla reúno de forma sinóptica los atributos físicos –la forma de la cara, los ojos, la barba, los dientes, la tez y el pelo– que en el Baldo son presentados como típicos de los hijos de Júpiter comparándolos con las descripciones de los manuales reseñados:

38 Sólo la mencionada ‘tristeza’ de los hijos de Saturno es alusión a la tradicional asociación del planeta con la melancolía según estudian a fondo Klibansky, Panofsky y Saxl (1991).

figura 2

Podemos ver fácilmente que la «cara hermosa» y los «ojos claros» se hallan únicamente en Luca Gaurico que describe el hijo de Júpiter como una persona con un «bel volto» y con «belli occhij bianchi». Asimismo la curiosa descripción de los dientes –«dos dientes más grandes igualmente que los otros»– recuerda la del astrólogo italiano: «li doi denti di sovra maggiori». Sin embargo, también el estudio fisiognómico de Pietro d’Abano y de autores que se inspiran en él como son Michele Savonarola y Bartolomeo della Rocca proporcionan una descripción de la dentadura parecida: «dentium superiores magni duo parum per diuisi» según Pietro d’Abano. Con estos tres manuales fisiognómicos coinciden también los «cabellos luengos» mientras que Gaurico insiste en los «capelli piani e mediocri» de los hijos de Júpiter. Gaurico tampoco habla del color de la piel ni de la barba. Pietro d’Abano y sus seguidores en cambio describen el color de la epidermis como una mezcla de sonrosado y blanco –«albus rubeo comixtus»– que puede haber inspirado el «blanco y colorado» del Baldo. Quizás también la «barba cum quadam bifurca pulchra» haya inspirado la «barba redonda» del humanista castellano. Parece, por tanto, que podemos excluir como modelos tanto el tratado titulado Elegans naturae cognitio como a la obra de Indagine; el primero no se divulgó de forma impresa y el segundo, obra de un autor alemán, seguramente tenía menos difusión en el mundo mediterráneo que los demás manuales. Por falta de coincidencias podemos excluir también al Astrolabium de Engel. Igual deberíamos descartar asimismo la obra de Savonarola, ya que no habla de la barba y que se podía leer sólo de forma manuscrita. Tras este primer cotejo quedarían los estudios de Pietro d’Abano, Cocles y Luca Gaurico.

figura 3

En el carácter de los hijos de Júpiter me llama poderosamente la atención que su descripción como personas alegres coincida sólo con dos obras que acabamos de descartar, el Elegans naturae cognitio y el Astrolabium. Este último coincide al igual que Gaurico en describir a estas personas como honestas. El ser «amador de ley» encaja con Pietro d’Abano, Savonarola, Cocles e Indagine quienes lo caracterizan además, con la excepción de Cocles, también como hombre misericordioso.

En cuanto a los aspectos de la vida en los que el ascendente imprime carácter parece que hay una referencia a la tradición pictórica de los hijos de los planetas.

Fíjense que se repite la fórmula «tiene debajo de sí» o «están debajo de» que probablemente se explica por el típico esquema iconográfico de tales representaciones, que muestran a una personificación del planeta en un carro situado en la parte superior de la imagen y debajo de él sus hijos como representantes de profesiones y oficios. En el caso del hijo de Saturno leemos en el Baldo que «tiene dominio sobre la vida, edificios y dotrinas y mudanças de tiempos». Esta correlación, ausente en los manuales analizados, está muy presente en la tradición medieval, por ejemplo en el capítulo «De coelo et mundo» de la enciclopedia de Arnoldo Sajón, en la que leemos con referencia a Ptolomeo: «Sub eo [i. est. Saturnus] continetur vita, edifficium, doctrina et locus»42.

42 Véanse la ed. Stange (1905, 18) y al respecto también Klibansky, Panofsky y Saxl (1991, 191): «Para autores del siglo XIII como Arnaldo Sajón, Vicente de Beauvais o Bartholomeus Anglicus, que citaban a Ptolomeo y no intentaban ir más allá por la vía de la interpretación moral o cosmológica, ya no era arriesgado decir que la vida, la arquitectura y la doctrina eran propias de Saturno, o que él significaba la tribulación, la pena, la humildad y el mal».

figura 4

Menos llamativos son los parecidos con las descripciones planetarias de otras enciclopedias medievales como p. ej. el Speculum Maius de Vicente de Beauvais43 o el Liber de proprietatibus rerum de Bartholomeus Anglicus44. Esta tradición enciclopédica medieval tiene una continuidad pictórica en la que puede haberse inspirado el autor del Baldo, según propongo a propósito del hijo de Júpiter que tiene dominio sobre las vestiduras. Como podemos apreciar en una ilustración de un manuscrito de comienzos del siglo XV, conservado en Tubinga (Md2: 267v) y analizado por Hauber, los hijos de Júpiter se representan dedicados a las labores de fabricación de vestidos. Asimismo, la asociación de los hijos de Júpiter con la ley y con la jurisprudencia es un tópico iconográfico. En la misma ilustración encontramos un juez con su aguacil que aparentemente está encausando al hombre que tienen delante.

43 Véase el capítulo De propriis effectibus caeterorum planetarum donde leemos a propósito de Saturno: «Est igitur Saturnus essentialiter frigidus & siccus, accidentaliter tamen humidus & terreus, melancholicus, plumbeus, obscurus, amans vestes nigras, tenax, religiosus, agricultor» (Speculum Maius, XVI, 1532).

44 Véase a modo de ejemplo el capítulo «De Saturno» en la traducción castellana de Vicente de Burgos: «[…] So el son contenidos via y edificio, dotrina y lugar frío y seco a los juicios de las estrellas Saturno significa dolor y tristeza […]» (Liber de proprietatibus rerum, VIII, xxiii, sin páginas). A propósito de la recepción y particularmente de la traducción española de la enciclopedia véase Meyer.

La larga digresión de Cíngar sobre cuestiones astrológicas termina con unas reflexiones acerca de la caracterología humoral relacionada con los cuatro elementos que se corresponden con las estaciones del año y con los cuatro temperamentos:

Par de este cielo está la redondez del fuego qu’es caliente y seco; es sobre una parte del año el estío, debaxo del cual están los coléricos, hombres airados, ferozes, maldizientes. Luego está el aire que es húmido y caliente. Tiene debaxo de sí al verano en el cual están los sanguínos que son aficionado a mugeres, amigos de deleites. Par del aire está la agua que es fría y húmida. Tiene la cualidad d’este el invierno. Están aquí los flemáticos que son perezosos, descuidados, soñolientos, tardíos a toda obra. Luego viene la tierra que es fría y seca. Síguela el otoño y con él los melancólicos, malcontentadizos, imaginativos, ingeniosos, muy sospechosos. Pues, como estos cuatro elementos estén juntos y se apriete el uno al otro por donde son semejantes, assí juntos engendran y corrompen en este mundo. Assí está la vida compuesta que, naciendo uno, se muera outro.

(Baldo, I, XXI, 81-82)

Para concluir, téngase presente que esta mezcla de conceptos médicos (la teoría de los humores y de las complexiones del hombre) y astrológicos se explica por la organización del curriculum académico, siendo la astrología –como recuerda Henry– un «mainstream subject in the universities, particularly in Medical Faculties»47. El pensamiento científico que se difundía en un gran número de publicaciones llegó a los textos literarios de formas variadas. Como hemos podido comprobar, Folengo incorpora estas teorías sobre los astros en su universo lúdico mientras que el autor anónimo del Baldo restablece la seriedad del referente científico parodiado por el monje benedictino italiano reorientándolo merced a su familiaridad con el discurso científico.

Mercury, the messenger god

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Los ojos fisonomía, expresiones y análisis de su representación plástica I

Los ojos fisonomía, expresiones y análisis de su representación plástica II

Tavola in legno dipinta nel 1470, attribuita a San Giovanni da Capestrano

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Ensinamentos de Placidus na Grã-Bretanha

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Ensinamentos de Placidus no início do século dezenove na Grã-Bretanha: John Worsdale e Thomas Oxley

ohannes Schöner - Aeqvatorivm astronomicvm (1521)

Martin Gansten

Tradução:
Rachel Zaniboni
rachelzaniboni@bol.com.br

Resumo

John Worsdale (1766 – c. 1826) tem sido descrito como uma espécie de anomalia histórica, talvez o último representante de uma tradição astrológica que está morrendo, lutando inutilmente contra a crescente onda de modernidade. Embora isso possa ser verdade no que diz respeito à filosofia natural que sustenta sua visão de como e por que a astrologia funciona, as práticas reais de Worsdale colocam-no na vanguarda de uma astrologia moderna emergente caracterizada por um placidismo modificado. Embora os primeiros sinais dos ensinamentos de Placidus foram sentidos na Grã-Bretanha em direção do final do século 17, eles ganharam terreno firme somente após o hiato subsequente da astrologia judicial que abrange a maior parte do século 18. Este artigo examina a britânica adoção e transformação das doutrinas de Placidus, particularmente como evidenciado nos escritos de John Worsdale e as de seu júnior contemporâneo e crítico ocasional, Thomas Oxley (1789-1851).

L'astrologia in Italia all'epoca di Galileo Galilei, 1550-1650

L’astrologia in Italia all’epoca di Galileo Galilei, 1550-1650

A história da astrologia moderna, sem dúvida, começa na Itália, onde, em 1650, o monge olivetano e professor de matemática Placidus de Titis (mais conhecido como Placido, 1603-1668) publicou sua Fisiomatematica sive coelestis filosofia, ‘Fisiomatemática ou filosofia’.1 De acordo com sua declaração talvez mais famosa, Placidus “não desejava outros guias além de Ptolomeu e da Razão”. O Tetrabiblos de Ptolomeu é um guia incompleto para um astrólogo praticante, mas a proporção do trabalho de Placidus, foi correspondentemente grande. Os usos que ele fez da obra de Ptolomeu descreve sua formação didática.

1 Também conhecido como Quaestionum physiomathematicarum libri tres, “Três livros sobre questões fisiomatemáticas”, primeiramente publicados sob o pseudônimo Didacus Prittus Pelusiensis.

Placidus estava determinado a selecionar a astrologia de tudo “fictício” ou meramente simbólico e, estabelecê-la firmemente na base da filosofia natural aristotélica e física; mas ele não estava prestes a ser honrado como um profeta em seu próprio país. Apesar de ter sido três vezes censurado e aprovado pela Igreja Católica, o magnum opus de Placidus foi colocado na lista de livros proibidos em 1687, sendo revogado em 1709. Em vez disso, os ensinamentos de Placidus encontraram refúgio na Inglaterra protestante, onde foram promulgados para o fim do século XVII, notavelmente por John Partridge (1644-1715).

Em 1693, Partridge, publicou seu Opus Reformatum no qual ele rejeita as doutrinas astrológicas tradicionais que tinha anteriormente defendido em favor de Ptolomeu e Placidus, embora este último seja só mencionado por nome. Mais particularmente, o livro acaba por refutar o ex-amigo de Partridge, Gadbury, que é insultado em quase todas as páginas do livro, não apenas como um astrólogo incompetente, ignorante e desonesto, mas também como traidor e vira-casaca. O pano de fundo deste ataque amargo jazia na recém-simpatia católica encontrada em Gadbury durante a luta político-religiosa sobre o trono Inglês no final do século XVII. As próprias simpatias de Partridge estavam com o Parlamento e, em particular, com Oliver Cromwell, cuja natividade e direções primárias são discutidas extensivamente na Opus Reformatum.4 Ele também foi favorável a William Lilly, cujos pontos de vista religiosos e visões políticas (para não mencionar sua rivalidade de longa data com Gadbury) parecem ter constituído, nos olhos de Partridge, seu apego a idéias astrológicas errôneas. Opus Reformatum foi logo seguido por Defectio Geniturarum, no qual Partridge criticou as análises de natividades encontradas em autores mais antigos, em particular sobre o tema das direções fatais; o principal alvo foi mais uma vez em direção a Gadbury, no qual título alude o Collectio Geniturarum de Partridge.

4 Direção primária, conhecida antes do século 17 simplesmente como “direção”, é um antigo método de prognóstico astrológico baseado na aparente rotação diária da esfera celeste. À medida que os corpos celestes se movem no céu nas horas seguintes ao nascimento da pessoa, cada grau de tal movimento (corresponde a cerca de quatro minutos de tempo) é equiparado a um ano de vida.

Partridge era de tal modo o único astrólogo inglês do seu tempo a levar os ensinamentos de Placidus no coração. Outros incluindo Richard Kirby e John Bishop, que alguns anos antes haviam publicado A Medula da Astrologia – uma tradução não reconhecida e abreviada do trabalho de Placidus com pouquíssimo conteúdo original acrescentado.5

5 O trabalho plagiado de Placidus foi a Tabulae Primi Mobilis (1657), que cerca de um século mais tarde foi novamente traduzido para o inglês por um tradutor desconhecido contratado por um tal Dr J. Browne de Islington. O manuscrito desta tradução foi emprestado, clandestinamente copiado por um terceiro interessado, e publicado por Manoah Sibly em 1789 como seu próprio sob o título de Astronomia e filosofia fundamental. Uma suposta versão melhorada foi publicada 25 anos depois por John Cooper como Primum Mobile, dado o nome original do autor como Didacus Placidus de Titus. A Medula da Astrologia foi relançada apenas um ano após sua primeira publicação, desta vez sob o exclusivo nome de John Bishop e com o prefácio de Henry Coley, que nomeia Placidus como o criador do método ensinado, mas não o escritor do texto em si. Coley menciona “Dr. Wright, Thomas Moor, Mr. Worral e o Sr. John Partridge como outros ingleses adeptos contemporâneos de Placidus,  sente que seus esforços deveriam ser encorajados e assistidos, como objetivo da Verdade em si e não serem rejeitados e ridicularizados (como alguns são também suscetíveis a fazer)”.

Mas há pouca dúvida de que Partridge foi o mais decisivo em trazer a revolução placidiana na Inglaterra – e, por extensão, no sentido de tornar Placidus o avô da astrologia ocidental.

Na sequência da sua popularidade sem precedentes no século XVII, toda astrologia inglesa desapareceu no século XVIII; e os ensinamentos recém-descobertos de Placidus foram esquecidos até o fim do século, quando eles encontraram um campeão em John Worsdale (1766 – 1826 c.).6 Worsdale foi descrito por Patrick Curry como um “notável, e notavelmente tardio, herdeiro dos reformadores de Ptolomeu representando um último suspiro de um naturalismo anti-científico em qualquer nível de aprendizagem”. Se restringirmos nosso exame à filosofia natural subjacente a astrologia Worsdale, é sem  dúvida um retrato fiel; mas eu argumentaria que as práticas astrológicas reais de Worsdale simultaneamente colocam-no na vanguarda de uma astrologia moderna emergente caracterizada por um placidismo modificado. Gostaria de olhar aqui para as contribuições de Worsdale, bem como para seu jovem contemporâneo Thomas Oxley, com quem ele diferia fortemente de muitas maneiras, e para examinar alguns dos pontos principais de diferença entre eles e das gerações anteriores à Placidus.

6 O ano da morte de Worsdale é dado no Dicionário Oxford de biografia nacional como 1828 ou depois e por Patrick Curry no Profecia e Poder: a astrologia na precoce Inglaterra moderna, como ‘c. 1828’, presumivelmente baseado no ano da publicação do último trabalho de Worsdale. No entanto, Ellic Howe no livro Astrologia: Uma história recente incluindo a história não contada de seu papel na II Guerra Mundial, afirma: “A Filosofia Celestial, ou Astronomia Genetlíaca foi publicada dois anos após sua morte. (Visto pela imprensa por seu filho John, que parece ter sucedido a prática astrológica no Lincoln. Sua morte não foi anunciada, provavelmente para evitar a perda de clientes)”.

O primeiro trabalho astrológico de Worsdale apareceu no início de 1796, mas é mais lembrado, em tudo, por sua Filosofia Celestial ou Astronomia Genetlíaca, publicado postumamente em 1828. Sua frase de abertura dá o tom: “Este trabalho contém uma exposição dos erros de todos os autores antigos e modernos, imparciavelmente declarados (…) incluindo os nomes de todos os autores pitorescos, que desonraram esta CIÊNCIA CELESTIAL por seus princípios e práticas inexplicáveis”. A lealdade de Worsdale para com Ptolomeu como interpretada por Placidus é evidente em tudo, embora o nome de Placidus nunca seja mencionado – sem dúvida, devido a tendência anti-católica frenética de Worsdale, a qual torna Partridge positivamente tolerante. O estilo é conciso e altamente técnico, exceto por explosões ocasionais condenando “Infiéis, Deístas e Ateus”, juntamente com autores astrólogos rivais e padres.

A julgar por suas obras, o principal interesse de Worsdale parece ter sido na predição da morte. Seus exemplos são mais preocupados com o método correto de encontrar o doador da vida (hyleg) e suas indicações letais, às vezes com má satisfação disfarçada no cumprimento de previsões obscuras feitas para descrentes. De fato, um historiador falou sobre “o prazer patológico que Worsdale obtinha ao familiarizar-se com os clientes, ou com outros que o tinham ofendido, com a data em que eles podiam esperar a morte”.

Não se sabe muito sobre Thomas Oxley (1789-1851). Em 1830 ele publicou um trabalho intitulado O Planisfério Celeste, ou Cartas Astronômicas, um Suplemento que apareceu em 1833; e em 1848 ele publicou A Pedra Preciosa das Ciências Astrais, ou Matemática da Filosofia Celestial. O primeiro livro foi impresso em Liverpool e o segundo em Londres. A Pedra Preciosa das Ciências Astrais descreve Oxley como engenheiro civil; O Planisfério Celeste, como “matemático por muitos anos nos Estados Unidos da America”. Há de fato um registro de uma patente nos Estados Unidos para uma invenção não especificada concedida a um Thomas Oxley em 03 de marco de 1821; ele é, então, listado entre “estrangeiros que não residiram dois anos nos Estados Unidos”. Por outro lado, uma série de cartas para o editor da Revista Mecânica, em 1839, onde um Thomas Oxley alega com dois colegas ter antecipado a invenção do Daguerreótipo, afirma que ele viveu em Liverpool por quase oito anos, incluindo os anos de 1823-24. Se, como parece provável, todos os arquivos referem-se ao mesmo científico cavalheiro, Thomas Oxley que residiu nos Estados Unidos não mais que quatro anos segundo os registros.

Oxley não foi o primeiro astrólogo a promover o uso de planisférios para calcular horóscopos ou direções, mas ele inventou sua própria variante do instrumento, uma realização que ele gostava de comparar a descoberta de logaritmos de Napier. Worsdale, que, como Oxley, encontrou uma nova variante de planisfério, contentou-se em dar seu parecer sobre o mesmo em sua maneira franca e costumeiramente sem reservas:

Essa coisa insignificante à primeira vista parece bonita de se ver, em conseqüência das várias cores com as quais os signos e planetas são ornamentados; mas quanto mais ela é atentamente pesquisada, mais repugnante parece, com todas suas imperfeições visíveis (…) embora seja engenhosamente artificial para chamar a atenção dos inocentes, e iludir os ignorantes, e desavisados.

Oxley parece ter influenciado a astrologia moderna em um aspecto altamente visível, embora a sua influência tenha sido pouco reconhecida: ele foi a força motriz por trás da mudança da quadratura do horóscopo tradicional ao formato circular moderno. Já em 1830 ele apaixonadamente argumentou seu caso do seguinte modo:

Há também outro grande impedimento para a realização perfeita dessa ciência, que é o número absurdo, ou diagrama quase sempre utilizado, e muito impropriamente chamado de figura dos céus; cuja figura consiste em um quadrado e um número de meio quadrados, ou triângulos encurralados e integrados entre si como um mosaico. Em nome da razão eu pediria no que diz respeito a tal mosaico [sic] sendo comparado a uma figura dos céus! As órbitas dos planetas são quase circulares, os próprios planetas são globulares, e as linhas que se distinguem pelos nomes de eclíptica e equador, etc., são círculos perfeitos. Como excessivamente absurdo isso deve ser, ao representar a figura dos céus sob a semelhança de um pavimento quebrado, ou de um quadrado de placa composto de uma série de outros quadrados, cortados em suas diagonais e desajeitadamente colados juntos novamente. Certamente ele nunca poderia ter sido um homem de ciência que inventou uma figura tão absurda, mas algum avarento sórdido, com o ponto de vista de economia de meia polegada de papel.

A orientação de Oxley em empregar gráficos circulares foi seguida por R. J. Morrison (1795 – 1874), mais conhecido por seu pseudônimo Zadkiel, três anos depois, e nas décadas seguintes pelo segundo famoso ZadkielA.J. Pearce (1840 – 1923).14 Outros foram mais conservadores em sua escolha do diagrama, e o formato quadrado sobreviveu em algumas publicações até a virada do século.

14 Ver Zadkiel (pseud.), A Gramática da Astrologia; Alfred John Pearce, O Livro Texto da Astrologia. Morrison, o primeiro ‘Zadkiel’ no cenário astrológico inglês, foi sucedido após sua morte por um R. V. Sparkes, que morreu apenas um ano mais tarde, de modo que Pearce foi o terceiro editor do Almanaque de Zadkiel. Morrison e Pearce foram, no entanto, os mais conhecidos dos três.

Uma porção considerável do Planisfério Celestial de Oxley é dedicada à discussão do nascimento do imperador Napoleão, um tópico quase tão popular em sua época como a do horóscopo de Adolf Hitler, que costumava vir a tona entre os praticantes do século XX. Esse também era um assunto que trouxe em foco muitas das diferenças entre Worsdale e Oxley. Enquanto Oxley concordava que Worsdale escolhera a hora correta do nascimento do imperador – foi várias vezes proposta por autores astrológicos em folhetos – ele deixou claro que este acordo entre eles foi devido a “razões científicas muito fortes” e “não a língua cavalherística, a qual ele elaborou suas observações sobre esta Natividade”. Para Oxley, que admirava o espírito empreendedor de Napoleão e sua capacidade de levantar-se em começos relativamente humildes à dignidade imperial, o fluxo de ofensas de Worsdale dirigidas ao imperador era prova de mesquinho preconceito de casta:

Pelo que tenho visto das obras astrológicas do Sr. Worsdale, ele parece ser o que podemos chamar de um astrólogo inteligente, ou um Ptolomísta; eu gostaria de poder cumprimentá-lo para declará-lo um matemático, filósofo, político, ou mesmo um homem honesto. Para ser sincero, eu deveria ter vergonha de um homem que poderia assim prostituir seus talentos por escrever tal discurso de mentira e calúnia, sobre um dos maiores gênios, sobre um dos personagens mais meritórios que o mundo já produziu (…) sem dúvida, um dos traços mais detestáveis que o Sr. Worsdale pode descobrir em Napoleão é que Napoleão era um tirano sem ser devidamente qualificado por seus antecessores (…) Oh, para o bom Sr. Worsdale! O espírito liberal do Sr. Worsdale!

No entanto, Oxley reproduziu algumas das previsões de Worsdale sobre a derrubada e morte de Napoleão, “publicada dezesseis anos antes que este evento se deu! pelo qual (céticos) puderam ver que lá realmente existira uma Ciência Preditiva, fundada sobre regras regulares, metódicas e cálculos”.16 Os dois astrólogos concordavam plenamente sobre a natureza dessas regras. Ambos seguiam Placidus e Partridge em seus método de dividir as casas e fazerem uso de várias inovações placidianas.17 Estas incluíam os novos ângulos de aspectos chamados quintil (72°), biquintil (144°) e sesquiquadrado (135 °), obtidos do “muito excelente Kepler”, bem como as técnicas de prognóstico de direções secundárias e progressões, para as quais Placidus tinha buscado estabelecer autoridade Ptolomaica.18 Todos os aspectos foram calculadas não só na forma tradicional ao longo da eclíptica, mas por proporções dos semi-arcos planetários, conhecidos como aspectos na terra ou nos “corpos celestes”.19

16 Oxley era menos impressionado com as habilidades matemáticas do que Worsdale, no entanto, descreve com prazer vingativo sua descoberta de um erro na natividade de Napoleão pressuposta por Worsdale: “Eu disse a mim mesmo, devo ter cometido algum grande descuido, pois certamente o Sr. Worsdale nunca pôde ter feito tão grosseiro erro como o de colocar as cúspides da décima segunda e sexta casas da figura quatro graus inteiros errados!! Na manhã seguinte, eu projetei outro Planisfério para a mesma natividade, o resultado foi exatamente o mesmo que o primeiro e, conclui agora que eu estava certo, e que o Sr. Worsdale, o falso Ptolomeu da nossa época, estava errado […]” (Oxley, Planisfério, p. 90).

17 O chamado sistema Placidus de divisão de casa, com base no método de direção ou ἄφεσις tomado de Ptolomeu, tinha de fato sido proposto anteriormente – e era conhecido por Abraham ibn Ezra, no século 12 – mas não encontrou um amplo apoio (Instituto Warburg).

18 Placidus escreveu sobre suas novas técnicas de prognóstico: “Nós chamamos estes movimentos de direções secundárias, para distingui-las da primária e principal; e somos da seguinte opinião, que Ptolomeu, falando de lugares anuais, deve ter entendido dos lugares desses movimentos”. Hoje, as direções secundárias – equiparando os movimentos dos corpos celestes a cada dia após o nascimento com o correspondente ano de vida – são geralmente conhecidas pelos astrólogos como progressões secundárias ou simplesmente progressões, enquanto que as “progressões” de Placidus – igualando cada mês sinótico a um ano de vida – parecem em grande parte ter caído no esquecimento. Não há menção de tal técnica em Ptolomeu que, no local indicado por Placidus (Tetrabiblos IV.10), foi na verdade escrito sobre profecções anuais e mensais. A referência a Kepler ocorre em conexão com a argumentação de Placidus para uma conexão entre astrologia e harmonias musicais, também mencionadas por Ptolomeu; veja Cooper, Primum Mobile, p.79.

19 O círculo diurno descrito por um planeta é dividido em quatro semi-arcos medidos entre seus pontos de ascensão, ponto culminação, configuração e anti-culminação pelos graus de ascensão reta que passam sobre o meridiano durante cada fase. No cálculo de Placidus aspectos nos corpos celestes, cada semi-arco é tomado como o equivalente de 90°. O princípio é relacionado, mas não idêntico aos aspectos em oblíqua ascensão mencionada. Placidus tentou estabelecer autoridade Ptolemaica para sua nova definição de aspectos argumentando que como Vênus não pode ter mais do que 48° distante do Sol no zodíaco, Ptolomeu, discursando (em Tetrabiblos I.23) de um sextil entre os dois, deve ter significado um sextil ‘mundano’. Na realidade, é claro, Ptolomeu estava se referindo a aspectos totais do signo.

Certas características do sistema de Placidus, no entanto, são notáveis pela ausência de obras de Worsdale e Oxley. Um desses recursos é a consideração de arcos crepusculares e obscuros. Para Placidus, a luz era o meio pelo qual a influência dos corpos celestes é transmitida para nós. Essa crença levou-o a conceber procedimentos especiais em direções primárias envolvendo o sol, cuja luz é visível por algum tempo antes de sua ascensão e após seu ocaso (no oeste). Quando o sol está abaixo do horizonte em menos de 18° de altitude, foi dito por Placidus ser um crepúsculo; abaixo de 18 °, em um espaço obscuro. Em tais casos, Placidus modificou o método de Ptolomeu de direção.20 Worsdale não discute essas modificações sugeridas, mas tacitamente as ignora. Oxley, por outro lado, discute-as em detalhe, concluindo:

Depois de investigar, portanto, cuidadosamente todas as várias circunstâncias e todas as várias posições abaixo em que o sol pode ser colocado, sob os paralelos crepusculares, e também nos espaços obscuros, parece-me muito claro que os preceitos de Placidus para a aplicação das diferenças do Oriente são, em muitos aspectos, não apenas inconsistentes, mas impossíveis.

20 Quando o sol estava no espaço crepuscular, Placidus queria outro planeta ou aspecto envolvido na direção (o promissor) para ser trazido não para o ponto correspondente no seu semi-arco, como seria normalmente o caso, mas sim para o círculo de altitude do sol – um círculo paralelo ao horizonte e também conhecido como um arco crepuscular. Quando o sol estava no espaço obscuro, Placidus costumava trabalhar apenas com a parte do semi-arco do sol, que foi localizada abaixo do espaço crepuscular e que ele denominou o arco obscuro.

As objeções de Oxley são matemáticas – os princípios de Placidus não são universalmente aplicáveis – e empíricas – as técnicas padrões de previsões astrológicas parecem funcionar bem sem essas derrogações especiais. Eles não são, no entanto, filosóficos: Oxley não toca totalmente no assunto sobre a idéia da luz como o transmissor de influências astrológicas. De fato, no final do Planisfério Celeste, Oxley descarta toda a noção de tais influências em favor de uma teoria de não-causal covariância. Worsdale, que não têm escrúpulos ao defender a causalidade planetária como parte de sua ‘filosofia elementar’, no entanto desvia da ênfase placidiana da luz como seu instrumento.

Outra prática ignorada por Worsdale é a utilização da chamada horimaea (ὡριμαία [Ἄφεσις]). Ao contrário de muitas inovações de Placidus que aparecem como doutrinas de Ptolomeu, o horimaea é um dos dois procedimentos dados no Tetrabiblos para o cálculo da duração da vida – neste caso, pela configuração do principal significador da vida (o hyleg ou apheta) no horizonte ocidental, com os outros planetas adicionando ou subtraindo anos de acordo com sua própria posição.24 Este não é o principal procedimento para o propósito, e Placidus dedica relativamente pouco espaço a ele. O primeiro livro de Worsdale contém um breve resumo do método, mas  não há exemplos; seu magnum opus, publicado cerca de trinta anos mais tarde, é totalmente silencioso sobre o assunto, apesar da inclusão de vários horóscopos no qual o horimaea teria sido de relevância. Oxley semelhantemente faz apenas um curto resumo da doutrina de Ptolomeu, sem qualquer tentativa de aplicação a qualquer natividade real. Na verdade, os contornos apresentados por ambos os autores são tão breves quanto um tanto obscuros, e este é um ponto discutível se eles compreenderam totalmente o procedimento. Ao invés disso, eles focaram exclusivamente no outro método, o qual é dirigir o hyleg aos planetas maléficos e seus aspectos.

24 Curry, Profecia, p. 132, hyleg e apheta são sinônimos, e não parece haver razão para destacar essa doutrina astrológica como um ‘arcano ponto interpretativo sem qualquer possível justificativa física’. Certamente não pareceu assim para Ptolomeu, Placidus ou Worsdale, embora tenha estado menos em voga desde o século 20. Hyleg (com várias grafias variantes, tais como hylech, alhileg, etc.) é uma forma latina medieval do árabe (al) -hīlāj, que por sua vez é derivado do persa  hīlāk, “liberando” – uma tradução da palavra grega ἀφέτης, ‘liberação, acionador’, também latinizado diretamente como apheta. Vários autores mais antigos, não familiarizados com outras linguagens clássicas além do latim, grego e hebraico, erroneamente imaginaram que a palavra hyleg derivava do hebraico hālakh ‘ir’.

From Athanasius Kircher. Ars magna lucis et umbrae. Rome, 1646. ok

Placidus, que teve uma visão escolástica-aristotélica da mecânica celeste, acreditava que a rotação diária da esfera celeste de leste a oeste era o único verdadeiro movimento dos corpos celestes. O aparente movimento dos planetas através do zodíaco na direção oposta foi pensado ser inteiramente devido à variação da resistência de suas próprias respectivas esferas: Saturno, o mais leve dos planetas, segue o movimento diurno com quase nenhum atraso, enquanto que a densa e pesada lua fica para trás por treze graus por dia. De acordo com Placidus, os aspectos zodiacais formadas por tais movimentos aparentes eram relevantes somente quando medido entre os planetas: a única relação verdadeira entre os corpos celestes, o horizonte ou meridiano é baseado no movimento diurno e deve ser medido por aspectos in mundo. Worsdale defende esta convenção, embora sem explicá-la em sua filosofia subjacente; mas Oxley a desafia:

Agora vamos pedir aqueles que estão profundamente versados nestes assuntos; pois vemos que o sol e a lua são direcionados aos aspectos de outros planetas ou corpos celestes, ambos no Zodíaco, ou corpos celestes, não seria igualmente racional dirigir o Ascendente e a décima casa (isto é, o horizonte e o meridiano), para os aspectos dos planetas, ambos  no zodíaco e corpos celestes?

Em apoio a esta tese Oxley passa a citar o horóscopo do rei William IV, que, quando seu ascendente fora dirigido para a quadratura de Saturno no zodíaco com a idade de 27 anos e 5 meses, teve a infelicidade de quebrar seu braço esquerdo.

Estas alterações dos ensinamentos de Placidus foram todas simplificações, ou exemplos do que podemos chamar de um processo de racionalização, eliminando regras e exceções especiais para produzir um único modo de dirigir, uma única doutrina de aspectos, e um único procedimento para o cálculo da duração da vida. Mas há também diferenças simples de opinião, um exemplo sendo o cálculo correto da chamada Parte da Fortuna (Roda da Fortuna). De acordo com a definição bem conhecida de Ptolomeu, este é um ponto sempre bem afastado do ascendente como a lua está do sol, de modo que se torna um “ascendente lunar” (σεληνιακὸς ὡροσκόπος). O cálculo tradicional desta distância em graus de longitude eclíptica não satisfazia Placidus. “Eu confesso de bom grado”, escreveu ele que, tendo trabalhado um longo tempo, não fora capaz de encontrar alguma verdade na Parte da Fortuna. Convencido de sua admiração por Ptolomeu que a verdade deve, todavia, estar lá para ser encontrada, ele procurou reinterpretar a definição encontrada no Tetrabiblos.

A primeira tentativa de Placidus em encontrar uma alternativa parcial era projetar sua posição não ao longo da eclíptica, mas ao longo da órbita aparente da lua através do zodíaco. Ele abandonou este modelo, no entanto, para abraçar o proposto por Adriano Negusanti de Fano, Itália (d.1685), que considerava a parte a ser projetada ao longo do círculo de declinação da lua. Este modo de cálculo resulta na parte normalmente ocupante de um ponto no espaço distante, não só a partir da eclíptica, mas do zodíaco como um todo; e os seguidores de Placidus portanto, geralmente se recusavam a atribuir qualquer posição zodiacal a esta.31

31 Estando localizado fora do zodíaco, a placidiana Parte da Fortuna não pode receber quaisquer aspectos zodiacais; e como não é desempenhada no céu pelo movimento diurno, é igualmente incapaz de formar quaisquer aspectos nos corpos celestes, e, portanto, restrita ao papel passivo de receber tais aspectos de outros planetas. Embora um semi-arco artificial possa ser atribuído a placidiana Parte da Fortuna de sua distância horizontal e meridiana de modo a determinar sua posição de casa, a Parte não descreve de fato um arco pelo movimento diurno e foi perdida posteriormente; Astrologia Direcional, Sepharial.

Em seus primeiros escritos, Worsdale defendeu esta doutrina da Parte da Fortuna “calculada de acordo com as regras do Ptolomeu aprendido, tão amplamente estabelecida por esse imortal mestre da ciência preditiva, dando-lhe a mesma latitude, e declinação como a da Lua”.32 Três décadas mais tarde, entretanto, ele escreveu: “Nada pode ser mais absurdo do que permitir que (a Parte da Fortuna) reivindique a mesma latitude e declinação como a da lua”. Ao invés disso, Worsdale defendeu um terceiro método de cálculo da Parte da Fortuna dos corpos celestiais, aparentemente elaborado por ele mesmo.33 Oxley, por outro lado, afirma que o próprio Placidus havia entendido as intenções de Ptolomeu, mas acrescenta:

Tem sido até agora acreditado, que, se a Parte da Fortuna foi encontrada de acordo com sua posição mundana, cujo lugar no zodíaco não poderia ser conhecido, isso eu ouvi sendo afirmado por artistas muito experientes, mas eu tenho aqui mostrado o método, pelo qual isso pode ser feito com grande exatidão.34

32 Worsdale, Astrologia, p. 212. O método de Placidus de fato dá a Parte a mesma declinação para a lua, mas não a mesma latitude. Embora Worsdale tenha, obviamente, se confundido ao atribuir esse conceito a doutrina de Ptolomeu, talvez a parte mais surpreendente de sua declaração seja o uso da palavra ‘amplamente’. Como observado por William Lilly em Astrologia Cristã: ‘Ptolomeu […] em todos seus escritos era extremamente sucinto’.

33 Worsdale, Filosofia, p.16. O método consiste em calcular as ascensões oblíquas ou descidas do sol e da lua sob seus próprios pólos e projetando a diferença a partir do horizonte leste ao longo do equador celestial. O ponto alcançado é a ascensão oblíqua ou descidas da Parte da Fortuna, que é então transferido para a eclíptica e dado a ascensão reta e declinação do seu grau eclíptico, apesar da afirmação de Worsdale que “só pode ser dirigido nos corpos celestes’.

34 Oxley, Planisférios, p. 160. Oxley parece não ter entendido a objeção comum. Embora seja certamente possível projetar o lugar de qualquer objeto celeste, real ou imaginado, sobre a eclíptica, a placidiana Parte da Fortuna vai, todavia permanecer um ponto extra-zodiacal na grande maioria dos casos.

Esse desejo de designar a cada ponto um lugar no zodíaco é outro exemplo da tendência racionalística.

Finalmente, algumas alterações feitas no sistema Placidus foram o resultado do mal-entendido. Placidus havia defendido o método de semi-arcos proporcionais para a divisão de casas, bem como para direções. Como os cálculos eram complicados e demorados, ele também publicou tabelas que puderam ser usadas para aproximar o sistema de semi-arco por meio de colunas e círculos de posição – conceitos familiares aos astrólogos de seu tempo.35 Por frequentes deturpações repetidas,  esse método veio a ser aceito por muitos como o verdadeiro sistema de Placidus, e fora usado por Worsdale e Oxley. Outro equívoco com mais consequências de longo alcance incluem a reinterpretação gradual do conceito de orientações “inversas”, um tema que exigirá uma investigação separada e para o qual eu espero voltar em breve.

35 Um círculo de posição é um pseudo-horizonte que passa por um corpo celeste, o auge deste horizonte passa a ser conhecido como o pólo do organismo em questão.

Assim, vemos que a segunda leva de ensinamentos de Placidus na Grã-Bretanha, seguiu o hiato que durou a maior parte do século XVIII e foi caracterizado por uma tendência de princípios simples e uniformes. A falta de uma tradição contínua inevitavelmente levou a alguns equívocos na doutrina astrológica, mas também tornou possível desalojar técnicas astrológicas de quadros teóricos que já não eram relevantes. As obras de Worsdale e Oxley, e de seus contemporâneos juniores, como ‘Raphael’ (Robert Cross Smith, 1795-1832) e ‘Zadkiel’ (Richard James Morrison, 1795-1874), confirmou essa versão simplificada do sistema de Placidus como um padrão de astrologia moderna – uma fase transitória de preparação para a reinvenção da arte Teosófica no final do século XIX.

La reforma del mapa astrológico por Patrice Guinard

The Heavens Declare: Astrological Ages and the Evolution of Consciousness por Alice O. Howell

Astrology and the Inner Self  por Ray Douglas

ptolomeu-heliocentrismo

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Zadkiel (pseud. for Morrison, Richard James), The Grammar of Astrology (London: Sherwood, Gilbert and Piper, 1833).

  •  Direções Primárias

    Primary Directions

    The technique known today as primary directions is one of the most ancient and renowned methods of astrological forecasting, and also one of the most powerful.

    Astrology’s Old Master Technique

  •  As Casas Astrológicas

    O trabalho é ricamente ilustrado com imagens originais do Astrologia Gallica de Morin de Villefranche e outras referências de relevância para o pensar Astrológico.

    Casas Astrológicas

  • Direções em Astrologia

    Direções-em-Astrologia

    A técnica de direções Primárias e Secundárias são uma formidável ferramenta de diagnóstico futuro. Dezenas de exemplos práticos são observados com gráficos ilustrativos construídos didaticamente.

    Primárias e Secundárias

Frontespizio figurato delle tavole del Primo Mobile

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Literatura Astrológica na Espanha no Século XVII

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Literatura Astrológica na Espanha no Século XVII

The all seeing eye

Tayra Lanuza-Navarro

Universitat de València, Departament d’Història de la Ciència i Documentació
The Colorado Review of Hispanic Studies | Vol. 7, Fall 2009 | pages 119–136

Tradução:
Rachel Zaniboni
rachelzaniboni@bol.com.br

Quando escreveu sua Religião e o Declínio da Magia, Keith Thomas destacou que os tópicos que ele considerou, incluindo a astrologia, não eram peculiarmente ingleses, e disse que um exercício em comparação com a história seria desejável, mas impossível até que os dados de cada país fossem devidamente montados. Quase quarenta anos depois, este exercício em história comparada ainda não é possível e os numerosos trabalhos astrológicos impressos nos diferentes reinos da monarquia espanhola durante o período moderno não foram estudados sistematicamente. O desejável exercício da história comparada proposto por Thomas deve começar com fontes de conhecimento, que ainda faltam para o caso de muitos países europeus.1

1 Até recentemente. No estudo da astrologia no início da Espanha moderna, ver minha dissertação: Astrología, ciencia y sociedad en la España de los Austrias.

Astrología, ciencia y sociedad en la España de los Austrias
Resumen: El propósito principal de esta investigación es conocer la realidad de la presencia de la astrología en la sociedad española del siglo XVII, y su participación en diversos aspectos de la vida humana, como los ámbitos político, histórico o religioso, en los distintos grupos sociales e integrada en un mundo académico y científico del que formaba parte. Se ha estudiado como inicio la organización de la actividad astrológica y la posición social de los cultivadores de esta disciplina. Así, se ha comenzado por el estudio institucional. El estudio se ha organizado en varios apartados. Tras una breve descripción de conceptos y de los textos utilizados como fuentes, el estudio se inicia con el capítulo sobre la astrología y la sociedad, en el que se analiza la situación de la astrología en las instituciones, los pronósticos de mayor impacto social, y la presencia de la astrología en la vida cotidiana. El capítulo tercero se centra en las cuestiones de la relación entre la astrología y la política, los pronósticos políticos realizados, y la presencia de la astrología en la corte española. El cuarto capítulo se refiere a las relaciones entre la astrología y la religión, y se plantea analizando los argumentos que a lo largo de la historia fueron utilizados por las autoridades eclesiásticas y los teólogos para atacar la astrología, y el modo en que los textos del siglo XVII reflejan los argumentos de defensa de la disciplina. Además se ha realizado un estudio de los procesos inquisitoriales en los que la actividad astrológica estuvo implicada. A continuación se encuentra el capítulo que estudia la interacción entre la astrología y la medicina, con la descripción de algunos tratados que expusieron la teoría de la medicina astrológica. Por último, el capítulo octavo se refiere a la situación de la astrología a finales del siglo XVII, analizando los textos de algunos de los llamados novatores, y las opiniones que expresaron acerca de la astrología; y haciendo también referencia a las distintas polémicas en torno a la astrología que se reflejan en los textos.

O objetivo deste trabalho é dar um primeiro passo em direção ao conhecimento astrológico com uma simples descrição e classificação dos primeiros trabalhos modernos espanhóis impressos. Os trabalhos descritos e comentados neste artigo são especificamente aqueles relacionados a astrologia que foi impressa na Espanha ou escrita por autores espanhóis e publicados no exterior durante o século XVII.2

2 A Espanha é usada no sentido amplo de qualquer das posses do rei espanhol, incluindo os reinos da Península Ibérica (Castela, Aragão e Portugal até 1640), as colônias americanas, (os vice reinos do México e do Peru, e as ilhas do Caribe), Filipinas, e qualquer outro território pertencente à monarquia espanhola.

Obras astrológicas espanholas

Tenho classificado as obras astrológicas de acordo com seu objeto. Existem trabalhos sobre cometas, eclipses, conjunções, repertórios, prognósticos anuais, calendários lunares, medicina astrológica, textos sobre fisionomia, defesas da astrologia e literatura anti-astrológica. Tenho classificado como repertórios, aqueles que geralmente falam sobre cosmografia, calendário e questões meteorológicas, e que foram tradicionalmente intitulados Cronografía o repertorio. Calendários lunares e prognósticos anuais foram organizados por título, no entanto, como vou explicar, na maioria dos casos a estrutura e conteúdo de ambos os tipos de trabalhos é o mesmo. Literatura anti-astrológica inclui obras que contêm assuntos fundamentalmente críticos contra astrologia, satirizando-a também.

Quase 1.200 trabalhos científicos espanhóis foram impressos durante o século XVII.3 Destes, quase 40 são relacionadas a astrologia. 117 deles se referem a cometas. Há 75 calendários lunares e mais de 32 prognósticos anuais, perfazendo um total de 107. 51 são prognósticos gerais e 24 deles são tratados gerais sobre astrologia. 37 são literaturas anti-astrologicas, e 12 obras que foram escritas para defendê-la. Há 15 obras sobre conjunções e 11 sobre eclipses. Existe, por enquanto 10 casos de repertórios e 8 obras sobre medicina astrológica, bem como 6 sobre fisionomia astrológica.

3 A compilação de dados sobre os trabalhos científicos publicados na Espanha ou por autores espanhóis durante o início do período moderno, incluindo este catálogo, é o resultado do trabalho de pesquisa de grupo dirigido por Víctor Navarro Brotons no Instituto de História de la Ciencia y Documentación (CSIC-Universidad de Valencia). Esses dados vêm sendo publicados no trabalho Bibliographia physicomathematica hispanica (1474-1900), com as informações relacionadas a trabalhos sobre disciplinas físico-matemáticas; volume I correspondente ao século XVI já foi publicado.

Alchemy and Astrology

Tratados

Autores espanhóis publicaram volumosas obras destinadas a estabelecer uma base geral para a astrologia ou qualquer uma de suas partes. Estes textos incluíram uma explicação de toda a teoria da astrologia ou de algum aspecto particular seu, como meteorologia ou medicina. Não existem tratados focados exclusivamente no prognóstico político, porque este aspecto da astrologia foi sempre considerado suspeito pelas autoridades eclesiásticas. Previsões astrológicas relacionadas a meteorologia ou agricultura, navegação e medicina foram consideradas astrologia natural, a qual foi autorizada pela Igreja Católica e reconhecida como válida nos círculos acadêmicos. Outros tratados tiveram seus objetivos principais como a defesa da astrologia; estes geralmente incluíram uma introdução com linhas gerais da disciplina.

Dos tratados astrológicos publicados nos reinos da monarquia espanhola durante o século XVII, o primeiro foi um tratado sobre cometologia, o Liber de cometis por Antonio Núñez de Zamora, que foi professor de astrologia na Universidade de Salamanca. Este trabalho foi principalmente um trabalho astronômico escrito com o objetivo de localizar o cometa do ano 1604 no céu. O Liber de cometis também continha uma discussão teórica sobre os fundamentos da astrologia e uma reflexão sobre as previsões baseadas em cometas. Foi obviamente dirigida à elite intelectual interessada em astronomia, em meio a polêmicas européias sobre a natureza e local dos cometas que seguiram à supernova de 1572. A última parte do texto, no entanto, foi um livro escrito em língua vernácula que foi um prognóstico relativo à conjunção planetária de 1603 e vários cometas.

Outro tratado foi escrito por um médico espanhol e impresso no México em 1618, intitulado Sitio, naturaleza y propiedades de la Ciudad de México. O autor, Diego Cisneros, explicou no mesmo os desenvolvimentos teóricos na meteorologia como causados por configurações astrais, bem como toda teoria sobre medicina astrológica.

A obra de Juan de Figueroa foi sobre medicina astrológica. Foi intitulado Opúsculo de astrología en medicina, e explicou as doutrinas astrológicas nas quais a prática da medicina estava ou, segundo a sua opinião, deveria ser baseada. Ele se referiu à importância da astrologia para o conhecimento do curso de doenças, a forma como elas devem ser tratadas de acordo com as posições das estrelas no céu e, acima de tudo, instruções sobre como sangrar e expurgar.5

5 Descrição exaustiva dos tratados mencionados e outras obras astrológicas impressas na Espanha durante o século XVII estão na minha Astrología, ciencia y sociedad en la España de los Austrias.

Panfletos

A maioria das obras astrológicas impressas na Espanha era de uma natureza diferente. Estas foram as obras que, no caso da Inglaterra, foram estudadas por Bernard Capp e referem-se a “imprensa popular”. Suas características comuns foram um curto número de páginas (normalmente), e que se concentram em fenômenos concretos, em eventos particulares ou sobre questões específicas, fazendo prognósticos astrológicos sobre elas, mas não desenvolvendo os princípios teóricos da astrologia, mesmo que se às vezes eles mencionam algumas idéias gerais. Tenho classificado esses trabalhos em vários tipos: calendários lunares e prognósticos anuais, trabalhos sobre cometas, previsões relacionadas a outros fenômenos e obras críticas satíricas.

Calendários lunares, almanaques e prognósticos anuais

The Apparent Retrograde Motion of the Planets by peacay

A palavra “lunario” foi originalmente usada para se referir a “mesas da Lua” e, portanto, a obras contendo efemérides. Tornou-se, no entanto, o título mais comum para obras astrológicas contendo prognósticos anuais durante os séculos XVI e XVII nos reinos espanhóis. O significado original da palavra “almanaque” era calendário, mas, no mundo de língua inglesa, foi amplamente usado para se referir a este tipo de prognósticos anuais. Mas nem todo trabalho intitulado lunario, ou calendário lunar, e nem todo almanaque necessariamente continham astrologia. Alguns calendários lunares impressos no século XVII eram simplesmente efemérides, e alguns almanaques são calendários litúrgicos.6

6 Esse é o caso das obras impressas em Málaga e escritas por Mateo López Hidalgo, mantidas no Archivo Municipal de Valência, fondo “Serrano Morales”.

De acordo com a tradição astrológica havia vários sistemas para fazer prognósticos para um determinado ano. Um deles consistia em fazer os corpos celestes que costumavam corresponder ao início de cada estação, ou seja, quando o Sol entrava na parte zodiacal do céu correspondendo a Áries e Libra, os equinócios da primavera e outono, e quando entrava Câncer e Capricórnio, ou seja, os solstícios. Estes pontos eram conhecidos como as “témporas”. Partindo dessas figuras celestiais, astrólogos fizeram prognósticos principalmente sobre o clima e sobre os melhores momentos do ano para administração de medicamentos, e para sangrar ou expurgar pacientes. Às vezes, quatro figuras a mais, as das conjunções do Sol e da Lua, eram adicionadas a estas para fazer previsões para o ano.

Outro sistema usado para fazer previsões astrológicas para um determinado ano foi baseado na teoria do “Senhor do Ano”. Uma vez que o astrólogo tinha os corpos mencionados ou apenas uma figura para o início do ano, ele estabelecia quais dos sete planetas ocupavam o lugar no céu dando-lhe um poder maior ou capacidade de influenciar na Terra, de acordo com critérios astrológicos. Levando em conta a posição e os aspectos de cada planeta, o astrólogo decidia que um deles ia ser o planeta mais influente para aquele período, e este foi nomeado o “Senhor do Ano”. Às vezes vários planetas em combinação eram considerados senhores do ano. De acordo com as influências atribuídas a cada planeta o astrólogo fazia o prognóstico geral para o exercício, “el juicio general del  año”. Ele geralmente continha previsões sobre o clima, sobre a agricultura e sobre questões de saúde para o ano também. A palavra julgamento, significando prognóstico astrológico, era o termo mais popular usado nos títulos de obras sobre astrologia ou para se referir a previsões.

Havia também prognósticos anuais não só dos começos das quatro estações, mas também de cada uma e todas as fases do Lua durante o ano. Neste caso, o astrólogo utilizava quatro figuras para cada mês, um por fase, e fazia as previsões usando todas elas. Quando os textos eram assim detalhados, eles geralmente continham previsões sobre o tempo específico que deveria ser esperado para cada dia do ano. Esta é a razão porque estes tipos de prognósticos eram conhecidos como “lunarios”.

Todos esses sistemas eram geralmente misturados e usados em combinação, e a eles os astrólogos muitas vezes adicionavam figuras para as conjunções planetárias e os eclipses que aconteceriam durante o ano.

A maioria das previsões em almanaques era meteorológica, porque o seu público-alvo era gente do campo. A tradição para este tipo de textos era usada por Ptolomeu como referência principal, porque ele tinha incluído nas regras do Almagest para as previsões sobre o clima, bem como sobre as fomes e epidemias, porque estas eram todas consideradas conseqüências naturais do tempo. Astrólogos faziam previsões sobre o tempo para cada estação e para cada mês, e depois de certo tempo, os almanaques misturavam-se com os calendários lunares e incluíam também previsões para cada dia do ano. A característica usual de almanaques de astrologia grega antiga subsequente foi a consideração dos aspectos dos planetas e particularmente as propriedades dos signos do zodíaco, onde o Sol e a Lua eram colocados em um determinado momento. Eles muitas vezes mencionaram também o nascer helíaco de algumas estrelas ou grupos, tais como Sirius ou as Plêiades, porque estes tinham sido tradicionalmente utilizados como referências em calendários rurais.

Vários historiadores têm estudado almanaques para o caso da precoce Inglaterra moderna (Thomas; Capp; Curry). De acordo com esses estudos, os almanaques eram, depois da Bíblia, a literatura mais popular na Inglaterra do século XVII. O texto geralmente continha três elementos: um calendário acompanhado de uma breve história seletiva do mundo; informação sobre os principais fenômenos astronômicos do ano; e previsões astrológicas, incluindo previsões políticas e religiosas.

No caso espanhol eu encontrei referências a setenta e cinco calendários lunares e trinta e dois prognósticos anuais que mantiveram a estrutura de “lunarios”. A estrutura dos prognósticos anuais, calendários lunares e almanaques escritos nos reinos espanhóis não correspondem exatamente ao esquema dos ingleses. Não contêm uma cronologia nem uma história do mundo, mas eles costumam começar referindo-se diretamente aos fenômenos astronômicos do ano, para fazer depois disso uma previsão geral baseada quase sempre na teoria do senhor do ano ou das quatro figuras das estações do ano, para acabar com uma previsão particular para cada mês ou dia. Previsões políticas e religiosas são normalmente encontradas no prognóstico geral. As previsões mensais são mais freqüentemente limitadas a astrologia natural, referindo-se à colheita e frutas, ao clima e a oportunidade de sangramento ou expurgar pacientes.

Um exemplo interessante desses trabalhos é o Pronóstico y lunario de Cadiz del año de mil y seiscientos y quarenta y dos, escrito pelo frade Salvador Arias de Sanabria, que era médico do rei de acordo com a primeira página. Um trabalho anterior desse autor foi retirado pela Inquisição em 1636. O autor incluiu uma nota curiosa na primeira página que dá uma idéia de quão costumeiros esses prognósticos anuais eram. Arias advertiu as pessoas que muitas falsas obras estavam sendo publicadas em seu nome. Para ajudar os leitores a identificar seus reais prognósticos, o autêntico seria emitido todo ano depois do Natal, impresso em Madri e assinado no início pela estamparia e no final por ele mesmo. Esse o caso da edição de 1642 mantido na Biblioteca Nacional (Arias, 1642). Assim, este médico publicou um prognóstico anual a cada ano, e ele foi tão bem sucedido que foi copiado e suas obras falsificadas.

O trabalho de Arias começou com os feriados eclesiásticos e listou os eclipses do ano. A previsão geral seguinte a estas é baseada em Júpiter, que Arias provavelmente considerou o senhor do ano. As previsões referidas a questões agrícolas, a doenças, ventos e terremotos. O trabalho de Arias diferia de outros prognósticos anuais dirigidos às classes populares em suas referências as bases gerais da astrologia. Ele escreveu vários parágrafos sobre as influências astrológicas, causadas pela luz e calor das estrelas, bem como por suas “qualidades ocultas”, na mais clássica tradição, com vários exemplos.7 Ele também explicou que os doutores da igreja “consienten al Christiano judiciario pronosticar las cosas tocantes a la navegación, medicina y agricultura, sin más juzgar, ni entremeterse en los juizios pendientes a la voluntad, o libre alvedrío de los hombres”.  Neste texto, o autor focou certamente em previsões, dentro dos limites da astrologia natural, provavelmente porque ele aprendeu sua lição quando seu trabalho de 1636 foi proibido pela Inquisição devido às suas previsões sobre os comerciantes, o rei, cargos eclesiásticos e questões políticas. O trabalho de Arias para 1642 continha as previsões habituais para todos os meses do ano, neste caso para todas as fases da lua, mas apenas sobre questões meteorológicas.

7 Para a atribuição de “qualidades ocultas” na tradição filosófica e astrológica ver, entre outros, Copenhaver, Millen, Henry, e Hutchinson.

Outro exemplo é o de Leonardo Ferrer, um professor da Universidade de Valência, no final do século XVII, ele escreveu muitos prognósticos anuais. Seu trabalho de1691 se encaixa na estrutura habitual: feriados, “témporas”, eclipses e os prognósticos gerais e específicos. No seu caso, a previsão geral é antes daquela dos eclipses. O que é interessante em seu caso é que ele fez todo tipo de prognósticos astrológicos, sobre política e assuntos religiosos, referindo-se ao governo do país e para os conselheiros do rei, para além das questões incluídas na astrologia natural. Estas previsões não-naturais estão também presentes para cada mês.

O último trabalho que vou descrever foi escrito por Bachelor Juan Sáenz del Orduy. Seu Pronóstico de la revolución del año 1659 foi retirado de circulação pela Inquisição por causa de suas previsões, que estavam fora dos limites da astrologia natural. O trabalho tem a mesma estrutura de muitos outros: uma página de dedicatória, uma longa nota para o leitor e, em seguida, feriados, témporas, eclipses com seus efeitos (políticos) e o prognóstico geral para o ano, que inclui também todo o tipo de previsão. A maioria destes é marcada pela censura inquisitorial. A última parte é a previsão particular costumeira para cada mês limitada principalmente a questões médicas, meteorológicos, agrícolas e de navegação.

Cometas

Histoire_d'une_comète,_by_Luis_Ricardo_Falero

Os textos com prognósticos sobre cometas merecem ser examinados isoladamente. Este tipo de texto constitui quase 30 por cento das obras sobre astrologia publicadas na Espanha durante aquele século. Escritos sobre cometas são freqüentemente encontrados em todos os países europeus durante a Média e Início da Idade Moderna. Ambos os tratados sobre cometas e artigos com prognósticos sobre diferentes cometas são freqüentes na literatura espanhola do século XVII, e 117 obras (cerca de 400 publicadas) foram localizados. Além disso, ele tem que ser levado em consideração que autores espanhóis tiveram como principal obra de referência sobre o tratado de cometas de De cometis, por Francisco Fernández Raxo (1579), que teve uma grande distribuição.

De acordo com Thorndike, um dos primeiros tratados medievais sobre cometologia foi escrito na Espanha por um autor anônimo na primeira parte do século XIII, e consistiu de uma amálgama de física Aristotélica e astrologia Árabe-Ptolomaica. Este trabalho tinha uma estrutura que, de acordo com Thorndike, tornou-se o sistema padrão para falar sobre aparições de cometas: em primeiro lugar, a natureza dos cometas, sua geração e tipos; segundo, sua importância de acordo com a cor, a localização, posição em relação aos planetas, tamanho, etc.; em terceiro lugar, as conseqüências dessas aparições de uma perspectiva geral e, finalmente, exemplos de observações anteriores de cometas e seus efeitos. Essa estrutura, com variações insignificantes de organização, é o da maioria dos trabalhos de Castilla, Aragón e Portugal do século XVII, embora alguns deles discutem muito pouco as questões sobre definição, geração e tipo de cometa, por outro lado concentram-se em sua morfologia, cor e significado.

A literatura sobre cometas apareceu comumente misturada com dissertações sobre prodígios e monstros. Não só os cometas eram sinais divinos, mas também luzes permanentes, tochas, “exércitos celestes”, estrelas diurnas e, além disso, estranhos nascimentos e outros tipos de fenômenos. Este tipo de literatura sobre cometa era bem-vindo nas obras acerca de prodígios, trovas e crônicas no início da idade moderna, e eram vistos como eventos prodigiosos contra a natureza, e conseqüentemente atribuídos a vontade de Deus. Um exemplo desse tipo de literatura é o tratado de Juan de Victoria, Libro de los cometas, phenomenones y portentos (Victoria, 1596). A discussão dos trabalhos dedicados aos cometas a partir do ano 1618 dará ao leitor uma noção geral desses trabalhos.

Os cometas de 1618

The Great Comet of 1618

O tratado de Vespasiano de Bargas sobre os primeiros dois cometas observados em 1618 foi de trinta e duas páginas. Consistiu na aprovação e licença, uma dedicatória e prefácio, antes do início do texto. Tem várias partes: um primeiro discurso geral sobre os cometas, que os definiram e indicaram que eles eram “o trabalho das principais conjunções”, seguido por uma descrição de seus aspectos, forma, número e cor. Este primeiro discurso também detalhava as finalidades dos cometas como sendo limpar o chão das exalações e ser um sinal divino, dando vários exemplos de cometas anteriores “para confirmar essas palavras”. Então os efeitos gerais dos cometas eram descritos: alterações, epidemias, e períodos de escassez, terremotos, e as mortes dos reis. E seguiu com um segundo discurso “sobre os dois cometas observados neste mês de novembro de 1618.” Esse descreveu, em primeiro lugar, a localização e a forma do primeiro cometa. A segunda parte seguiu focada nos efeitos do cometa, com prognósticos sobre assuntos políticos e doenças. A terceira parte foi sobre as províncias e cidades que iam sofrer os efeitos. Em seguida, o tratado começou a descrever o segundo cometa: localização, forma (“nomeada pelos árabes de dominus ascone”) e, finalmente, seu significado. Esse também indicou os locais afetados, e o texto terminava com uma indicação do momento em que os efeitos começariam, e o tempo que eles durariam, este último tópico acabou sendo muito debatido pelos astrólogos e seus críticos. A característica particular do tratado Bargas é que ele contém um número de páginas no final indicando quais medidas poderiam ser tomadas para prevenir aqueles problemas anunciados pelo cometa. Estas páginas recomendam medidas públicas de saúde e procedimentos para evitar doenças.

O Discurso de Juan Casiano consistiu em dezesseis páginas. Seguindo a licença e a “taxa”, o discurso foi claramente estruturado. Primeiro, a definição de cometa e exemplos históricos. Em seguida, a descrição do cometa 1618: morfologia, cor, localização no céu (entre Libra e Virgem) e seus movimentos. Depois houve uma explicação de seus aspectos (exalações), sua causa (uma conjunção) e sua natureza (de Saturno e Vênus). O discurso continuou a indicar o momento em que os efeitos teriam lugar e, finalmente, fez prognósticos, mostrando primeiro que o homem deve fazer penitência para o perdão de Deus. Também foram incluídas previsões sobre cidades, doenças e os locais onde ocorreriam esses efeitos.

O trabalho de Ferragut sobre o cometa de 1618 era de dezesseis páginas. Depois da licença, o discurso iniciou-se se referindo aos aspectos (exalação), movimento, os tipos de cometas e a cor. Foi seguido pelo prognóstico: como sinal de Deus e como um sinal natural. De acordo com Ferragut, o cometa significava desgraça e tragédias, epidemias, doenças, guerras, infertilidade, inundações, terremotos e morte de príncipes. Ferragut também comentou sobre o livre arbítrio e defendeu que, às vezes, os cometas não eram causa de infelicidade, mas um sinal disso. O discurso seguiu com o prognóstico de cometas que apareceram em novembro. O primeiro cometa era do tipo pertica e jovial, isto é, da natureza de Júpiter. O segundo cometa era, de acordo com a forma, dominus ascona, mas milhas de acordo com sua cor de Vênus. Foi localizado em Libra. O discurso faz vários prognósticos sobre doenças, ladrões e naufrágios, indicando os locais afetados e concluindo que para Espanha era um evento feliz pois afetaria seus inimigos.

O discurso de Antonio Luciano era composto de nove páginas. Era dividido em duas partes, intitulado primeiro eclipse e segundo eclipse. Na primeira parte ele descreveu o primeiro cometa em Escorpião e seus movimentos. Sobre o tipo, ele identificou-o como biga, de acordo com as indicações de Ptolomeu. Ele seguiu com as causas: as conjunções, e concluiu com as previsões gerais sobre agricultura e meteorologia, mas também sobre as mudanças das leis. A segunda parte descrevia brevemente o segundo cometa, afirmando apenas que esse estava localizado em Escorpião e tinha importância semelhante.

Pedro Mexía escreveu também um texto de trinta e uma páginas sobre os cometas de 1618. Ele continha licenças, uma dedicatória e um discurso. Ele considerava os cometas como sinais de Deus e usou exemplos históricos. Ele se referia aos efeitos gerais citando Bede e Isidoro de Sevilha, e então passou a definir os cometas e seus tipos. Ele também afirmou que eles eram causados por conjunções e descreveu os locais em que foram observados: o primeiro em Libra. Os efeitos prognosticados incluíam guerras e assuntos políticos e de negócios, incluindo os locais onde estes efeitos aconteceriam. Os prognósticos foram classificados de acordo com as formas adotadas pelo cometa, que eram quatro em sua opinião. Em relação ao segundo cometa, ele indicou que estava em Escorpião, e fez muitos tipos de prognósticos, com mais exemplos do passado. Ele também atribuiu os locais indicados por este segundo cometa e concluiu afirmando que era necessário pedir misericórdia a Deus.

O Discurso feito por Cristóbal de Montalvo foi de 176 páginas. Ele consistiu de uma aprovação e licença, seguido de uma dedicatória. Em seguida, um prefácio para o leitor sobre o livre arbítrio. O discurso seguiu. Ele indicou que o cometa estava localizado em Virgem, e, portanto, afetaria os lugares por ele listados. Ele fez prognósticos gerais e explicou os efeitos das grandes conjunções. Nesse ponto, ele indicou vários prognósticos políticos e médicos e, novamente, lista os locais afetados. O ‘Senhor’ do segundo cometa foi Júpiter, disse ele, e isso mostrou a cor do estanho. Ele ressaltou sua causa e observou eventos que aconteceram em Granada como conseqüência do cometa. Neste ponto, ele se referiu a vários exemplos históricos, fez previsões políticas e atribuiu Sagitário a Espanha como seu signo apropriado, descrevendo as características do povo espanhol como resultado deste signo. O texto conclui com mais prognósticos políticos e previu o fim do Islã. Por fim, ele escreveu o laus deo.

O texto de Antonio de Nájera, escrito em português, é composto por vinte e seis páginas. Ele contém a licença e o imposto, e o texto é dividido em vários discursos. O primeiro deles, sobre cometas em geral, consistiu-se de exemplos de cometas anteriores, e os efeitos que a eles atribuídos. O segundo discurso explicou o que os cometas são e concluiu com uma definição de cometas como exalação. O terceiro discurso citou os efeitos gerais dos cometas e, como causas naturais, ele atribuiu a eles ventos, epidemias e terremotos, assim como algumas doenças. Ele também indicou que os cometas causaram guerras. Há um quarto discurso, no qual ele tratou os cometas como sinais de Deus, e prosseguiu escrevendo sobre astrologia natural, explicando os efeitos na agricultura, navegação e meteorologia que os cometas em geral tinham. Ele também listou os lugares que seriam afetados por esses efeitos. O quinto discurso continha o julgamento do cometa e onde estava localizado em relação aos planetas. O sexto e último discurso – limitado a astrologia natural – continha todos os prognósticos sobre o cometa. Esse concluiu com uma lista de locais afetados, a duração dos efeitos e a hora em que se dariam. Antonio de Nájera indicou que a Espanha não seria afetada pelas tragédias e terminou o texto com o laus deo.

Miguel Pedro escreveu uma Iuzyo de catorze páginas. Ele falou sobre a natureza dos cometas, os tipos, características (de acordo com o planeta que os havia criado) e formas. O cometa a que ele se referia afetaria frutas, e traria guerras. Ele indicou que os cometas sempre sinalizaram terremotos, e descreveu a teoria das exalações. Ele explicou que, de acordo com Ptolomeu, informações relevantes derivaram do lugar e do signo de um cometa, sua cor e morfologia, seu tamanho, duração, movimento e a direção apontada pela cauda do cometa. Conseqüentemente, ele descreveu todos esses recursos do cometa de 1618, que se localizou em Libra. Em seguida, ele escreveu os prognósticos, que incluem a morte de um rei, e os locais, horários de início e duração dos efeitos.

A tradução do escudeiro do rei da França, feita por Diego Álvarez de Salcedo, tinha quinze páginas. Este texto organizado de forma diferente do resto dos escritos por autores espanhóis e os prognósticos que ele contém são de um tipo diferente. Primeiro, foi escrito para o rei, que descreve o cometa para ele. Ele fez avisos muito específicos, como o de que o rei não deveria sair do palácio ou não devia falar com uma mulher loira. Fez prognósticos políticos, acerca de motins, desgraça para a Inglaterra e Espanha, bem como para Constantinopla. Ele também previu a morte de um rei. O texto conclui-se afirmando que ele não incluía uma explicação das regras astrológicas sobre a qual foi baseado nem uma discussão sobre a natureza material dos cometas, porque isso seria simplesmente ostentação. Finalmente, ele indicou que o rei tinha o direito de pedir-lhe as razões sobre as quais o discurso foi fundado.

O trabalho de Juan de Soto, de nove páginas, foi organizado seguindo o esquema clássico: esse explicou o que o levou a escrever o texto e depois começava com a causa material dos cometas, sua definição (como exalações), a causa efetiva (um planeta) e a causa final (os sinais de Deus e os efeitos naturais das exalações). Isso foi seguido por uma descrição geral dos efeitos dos cometas, além do discurso do cometa 1618, que incluiu os prognósticos políticos.

O trabalho de Bartolomé del Valle, “Explicación y pronóstico de los dos cometas”, era quase um livro, uma vez que tem quarenta e oito páginas. Este texto foi dividido em quatro partes. Duas delas eram discursos sobre os dois primeiros cometas do ano, com cada tipo de prognóstico incluindo forma, cor e movimento do cometa, bem como localização. As duas últimas partes foram duas detalhadas descrições do céu em junho, para a conjunção de Saturno e Marte, um delas para a latitude de Granada e a outra para a latitude de Constantinopla. É notável que, no final do texto, o autor citou todas as críticas da astrologia feitas pela Igreja Católica e terminou afirmando que os cometas não podem ser usados para fazer prognósticos sobre guerras, epidemias, novas leis ou seitas, porque “nossas vontades não são submetidas ao céu”. O que é surpreendente, pois o autor tinha feito anteriormente isso.

Prognósticos sobre outros fenômenos: eclipses e conjunções

Earth with the rising sun. Elements of this image furnished by NASA

Cada vez que um evento astronômico acontecia era considerado extraordinário, vários textos apareceram com suas correspondentes previsões astrológicas. Este não foi só o caso dos cometas, mas também dos eclipses do sol e da lua, e das conjunções de diferentes planetas. Onze trabalhos deste tipo são sobre eclipses e há quinze que falam de conjunções.

Embora, como temos visto quase todos os prognósticos anuais continham um breve parágrafo muito dedicado a eclipses que iriam acontecer naquele ano, em alguns casos, especialmente se fosse eclipse solar total, trabalhos sobre eles foram publicados logo após eles serem observados. Este foi o caso do eclipse de 1684, que atraiu muita atenção, e sobre o qual mais do que um escrito está disponível. O primeiro foi escrito por um médico, Pedro Barrada de Oliveros y Vela. O texto está organizado sem divisões. Barrada começa por explicar que o Sol era a estrela “de suprema dignidade e régio” e que Deus criou o universo e corpos celestes para governar o mundo. Ele defendeu a astrologia, citando Adão como o primeiro astrólogo e citando São Tomas e Manilius. A segunda estrela, de acordo com Barrada, era a Lua. Desta forma, ele explicou que os eclipses eram “nada mais do que falta de luz solar que normalmente brilha sobre nós. A causa do eclipse do sol é a interposição do corpo opaco e denso da lua, entre a estrela solar e nossos olhos”. Então Barrada datou o eclipse, que aconteceria em 12 de julho, detalhando que este iria acontecer às duas horas e trinta e sete minutos, e que “o sol seria totalmente ofuscado, causando desânimo e desespero”. Ele continuou indicando onde no céu o eclipse iria começar (a nona casa), e onde ele poderia ser encontrado por quão tempo ele durasse. Após esta informação, ele escreveu o prognóstico astrológico, segundo a qual o eclipse seria prejudicial para o Império Otomano. Previsões foram feitas sobre colheitas e frutas, e sobre a futura morte de um rei ou príncipe e, as vitórias militares das tropas espanholas. Em seguida, Constantinopla foi referida como exemplo histórico, e o texto conclui-se por indicar onde os efeitos do eclipse iriam ocorrer e quando (dois anos mais tarde, ele afirmou).

Outro discurso sobre o eclipse de 1684 permanece anônimo. Pode ser uma previsão não assinada por Leonardo Ferrer, professor em Valência, porque a estrutura deste trabalho é muito semelhante a alguns de seus discursos. As afirmações astrológicas encontradas no trabalho correspondem às crenças deste frade agostiniano. O texto está organizado em três partes: primeiro um prólogo dirigido ao leitor, onde o autor explica que Deus é a causa primeira e que as estrelas são seus instrumentos (de acordo com a tradição astrológica cristã) de modo que “as criaturas elementares vivem subjugadas às suas destinação soberana”. Este autor indicou que “aunque es cierto que el eclipsarse el Sol y la Luna son causas de la astrología natural, también debemos agradecer a la judiciaria el haber descubierto este secreto, rebelándonos los vaticinios de Eclipses (…), que siempre han sido anuncios de grandes desdichas”. A parte seguinte foi intitulada “explicación del orbe o rueda”, onde o autor tentou explicar astronomicamente como um eclipse acontece. A terceira parte foi o prognóstico sobre o eclipse, datada e localizada nos céus. O autor fez algumas previsões agrícolas, mas as profecias foram principalmente de natureza política: guerras, derrotas, regiões devastadas, vitórias dos Habsburgs. Ele acrescentou quando os efeitos aconteceriam, de acordo com ele entre 1685 e 1688.

O trabalho sobre o eclipse do ano de 1600 escrito pelo professor Salamanca, Antonio Núñez de Zamora, é interessante porque revela uma maior capacitação matemática em relação a outras obras similares, e contém dados astronômicos. Zamora declarou a hora e o local do eclipse, e, em seguida, compôs a figura celeste para a hora de início do eclipse, para “o meio do eclipse”, e para o fim. Nestas figuras ele indicou a ascensão reta do sol, a ascensão oblíqua do ascendente, o grau de cada signo onde cada planeta foi colocado e as casas astrológicas. Nesta base Zamora estabeleceu o “senhor” do corpo celeste e explicou os aspectos entre os planetas. Em primeiro lugar ele fez previsões meteorológicas, agrícolas e médicas, mas, em seguida, Zamora fez previsões políticas, tais como guerras, tumultos, exílios, violência e a morte de um rei e de um eclesiástico. No final da obra ele indicou as datas em que os efeitos dos eclipses começariam e os locais onde eles ocorreriam. No mesmo trabalho que ele fez outro prognóstico sobre o eclipse lunar daquele ano, que é organizado exatamente do mesmo jeito, e contém o mesmo tipo de previsões.

Para o caso das conjunções existem vários textos que podem servir como exemplo. O primeiro é o quarto livro da obra Liber de cometis de Núñez de Zamora, comentado acima. Nele, o autor explicou a teoria das grandes conjunções, citando Albumasar e faz muitas previsões com base na conjunção de Saturno e Júpiter de 1604. Mas apesar da importância deste trabalho, o texto principal sobre conjunções nos reinos hispânicos do século XVII foi o trabalho de um médico valenciano da cidade de Xativa: Francisco Navarro. Este trabalho tornou-se texto de referência a todo autor espanhol que resolveu escrever sobre conjunções desde sua publicação em 1604. Francisco Temudo e Cristóbal López de Cañete, autores de outras obras sobre conjunções, citou Navarro e até mesmo copiou parágrafos inteiros sem atribuição, uma prática freqüente. Não há dúvida de que o Discurso sobre a grande conjunção de Navarro, publicado em 1604, desempenhou um papel importante na divulgação da teoria das conjunções em Castela e Coroa de Aragão durante este século, porque esse foi citado em quase todos os trabalhos posteriores onde esta teoria astrológica foi mencionada, mesmo naqueles que não tratam especificamente de conjunções.

O trabalho de Navarro foi organizado em cinco partes, após a dedicatória ao rei: a primeira parte definiu grandes conjunções e explicou as bases gerais da teoria, seguindo Albumasar. Então Navarro fez previsões sobre os efeitos da conjunção de 1604. Muitos delas eram políticas, particularmente relacionadas ao governo do país, e também de natureza religiosa, insistindo na vitória do catolicismo sobre o Islã. Na segunda parte Navarro listou os países e cidades que sofreriam os efeitos da conjunção. Na terceira parte ele se referiu ao tipo de homens que seriam afetados por ela. De acordo com o signo ascendente de cada pessoa, ao planeta “senhor” da figura de seu nascimento e de outras características astrológicas, o eclipse seria favorável a alguns e desfavorável a outros. Navarro explicou em maiores detalhes a teoria astrológica das conjunções e inseriu questões cronológicas, incluindo uma lista de conjunções do passado com seus supostos efeitos. A quarta parte do trabalho é a principal, focada em demonstrar astrologicamente que o Islã declinaria, e que os países muçulmanos sofreriam problemas políticos e derrotas militares. A quinta e última seção detalha quando esses efeitos viriam a ocorrer. O texto conclui-se com uma seção que não é de natureza astrológica e na qual Navarro referiu-se a Bíblia e a certas profecias religiosas para apoiar suas afirmações.

Trabalhos críticos e satíricos

Ao longo do século XVII vários temas astrológicos desempenharam-se em prensas espanholas. Alguns autores criticaram a astrologia e outros a defenderam. Os textos não têm uma estrutura comum. Vou me referir a alguns dos trinta e sete trabalhos críticos e satíricos, e aos doze publicados em defesa da astrologia.

Um exemplo de trabalho satírico é o Discurso astronômico e prognóstico geral de 1683 até o fim do mundo, assinado comicamente por um “Bacharelato Carambola”. Este trabalho está organizado exatamente da mesma forma que os prognósticos anuais e o calendário lunar. Esse inclui uma dedicatória, uma aprovação e licença, e até mesmo uma errata no início. Ele prossegue com feriados, previsões de eclipses, e um prognóstico geral para o ano. O autor detalha as datas das fases da lua com uma previsão de “alterações do ar” para cada mês e, finalmente, previsões específicas. Todo o texto é escrito em um tom de escárnio e sátira, referindo-se não só a astrologia em si e aos autores de obras astrológicas, mas também, às vezes, a situação social do momento. O texto é “dedicado” à Piscatore de Sarraval e a Francisco Temudo. O objetivo deste trabalho foi claro desde o início: “Dedico este discurso astronômico a você, de modo que, comparando minhas verdades com suas mentiras, você vê quão mal informados sobre estrelas você é”.8 O autor disse que poderia sofrer o que estes astrólogos mentiram sobre os céus enquanto vivos, mas ele não podia suportar suas mentiras após eles morrerem.9 O mencionado Piscatore de Sarraval foi o autor de algumas previsões astrológicas que foram bastante populares durante o século XVI e das quais várias edições foram impressas durante o século XVII. De acordo com o “Bacharelato”, ele estava enviando um prognóstico a cada ano da outra vida, e isto já era muito.10

8 “Dedico a vuestras mercedes este astronómico discurso, para que cotejadas mis verdades con sus mentiras, conozcan quán mal informados están de las estrellas”.

9 Que estos astrólogos, decía el autor, “siendo vivos, mintiessen de los cielos, vaya, pero mentir después de muertos, no me lo mienten”.

10 “que el señor Piscatore nos regale con puntas de Milan, texidas por el signo que las tiene, es dar lo que sobra, pero embiarnos cada año desde la otra vida embustes por encages, es socorrernos con lo que no nos falta, y acreditar la ignorancia de sus vaticínios”.

Estas obras satíricas zombavam das previsões astrológicas de duas maneiras principais. A primeira delas dizia que muitas delas nada mais eram do que trivialidade. A segunda zombou das técnicas astrológicas e da astrologia, caracterizando-a como um conhecimento inútil. Por exemplo, do primeiro tipo era esta declaração do “Bacharelado Carambola”: “Considero el polvo que habrá sacudido vuestra merced señor Piscatore, a los estantes de su librería, para asegurarnos que en los meses de invierno habrá vientos, lluvias, y nieves, y en particular en los montes”. Ele continua: “hablando del estío, asegura también que será una estación caliente y seca”. Ele riu de técnicas astrológicas, dizendo, por exemplo, que os astrólogos haviam aprendido “lo retrógrado de um cangrejo,” e “de Nebrija, las conjunciones”. A suposta aprovação da censura e a licença do trabalho também foram em tom de brincadeira. O corpo do texto contém o mesmo tipo de declarações e ironias óbvias, tais como “Saturno, el tragador, pronostica ganas de comer en los hambrientos” ou que “la abundancia de lantejas manifiesta melancolía a los que no tuvieren con qué comprarlas”. O autor fez uma afirmação interessante no final do seu trabalho, estabelecendo uma distinção entre astrólogos populares e autores acadêmicos. “El tema de este papel no se encamina a los doctos, que me enseñan, sino a los ignorantes que me enfadan”, escreveu ele. Ele considerou ignorantes aqueles autores que acreditavam no determinismo. Ele concluiu dizendo que “con lãs burlas deste papel pretendo apoyar estas verdades; si lo consigo, he logrado el fruto del trabajo; pero si la obstinación perseverare, me disculparé con que lo dije de chança”.

Muitos outros textos deste tipo foram publicados no século XVII, contendo principalmente insultos e sarcasmo. Alguns exemplos são o Discurso astronómico, supusación infalible, y mysterioso desempeño del arte chabalística sobre los efectos del cometa que apareció en nuestro orizonte este presente año de 1682. Sacola por alambique el Bachiller Caramesola; as obras de autores que assinavam com nomes ridículos, como “Chirlimirli Garibandi Burlon”, cujo trabalho foi intitulado Pronóstico redículo, verdadero, y gracioso, del año 1656; Benedel Tirlimon de la Maula, com seu Pronóstico nuevo, iocoso, verdadero, y general del año MDCLIIII, ou o Discurso seuo-iocoso sobre la poca subsistencia de los pronosticos, por Pedro González de Godoy.

Além destes, também houve trabalhos que criticavam a astrologia sem usar a sátira. Esse é o caso de algumas obras já mencionadas por Cotarelo, como o de Padilla Tratado contra la astrología judiciária (1603); o trabalho de PalomaresDestierro de pronósticos (1613); ou publicação latina de Carreras, De vario omnique falso astrologiae conceptu (1657), contra astrologia judiciária.

Conclusões

Não pode haver dúvida que os textos astrológicos tiveram grande sucesso e enorme difusão no início da Espanha moderna. O número de trabalhos publicados sobre o assunto não deixa dúvidas. Quase um terço dos trabalhos relacionados a atividade científica foram trabalhos astrológicos. Mas há astrologia não apenas em almanaques e obras astrológicas. O conhecimento da prática de astrologia deve também levar em conta os conteúdos astrológicos encontrados na literatura estritamente científica, como os tratados astronômicos sobre Sphaera, trabalhos sobre cosmografia, navegação, teoria astronômica, instrumentos científicos, filosofia natural, cronologia, descrições e previsões de fenômenos astronômicos (cometas, luas novas, conjunções), livros de segredos e obras enciclopédicas. Os contextos políticos, sociais e culturais onde esses trabalhos foram produzidos devem também ser levados em conta, de modo que a formação dos profissionais da astrologia, seu status social e suas atividades intelectuais possam ser entendidos a partir de uma perspectiva comparativa. Ainda há um longo caminho para estabelecer o conhecimento sobre a prática da astrologia no caso da Espanha, bem como em vários outros países, de modo que o exercício comparativo que Keith Thomas propôs há muito tempo seja possível.

lunar-eclipse

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El discurso astrológico en Grisóstomo y Marcela

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El discurso astrológico en el episodio de Grisóstomo y Marcela

Salvador Dalí - Don Quijote

(Don Quijote I:12-14)

Rachel Schmidt

University of Calgary

Sorprende que en las docenas de estudios académicos dedicados a un análisis de los capítulos 12 a 14 del Quijote de 1605, falte atención a la figura de Grisóstomo, el que ingenió desde incluso más allá de la muerte su renombre de amante no correspondido y una venganza inmerecida hacia Marcela. Acaso sea causa de este olvido la fuerza retórica del discurso de Marcela, cuyas palabras no sólo dejaron admirados a los amigos del difunto Grisóstomo, sino que también siguen admirando al lectorado del siglo XXI. En la trama del Quijote, la figura de Grisóstomo destaca por una paradoja obvia: a pesar de ya haber fallecido, es él que parece controlar los sucesos de sus funerales además de la manera en que los demás interpreten su vida y muerte. El difunto había planificado su entierro hasta el más mínimo detalle para así comunicar su historia desde ultratumba. Aun el lugar un tanto insólito de su sepulcro es donde había espiado por primera vez a Marcela. Vista así, Marcela se convierte por metonimia en el topos donde se sitúa la muerte de Grisóstomo. Marca ella el lugar de entierro (que es, desde luego, el final de la historia) del pastor-cortesano y asimismo un lugar común, que es el tópico sobre que construir la narrativa. De ahí los muchos reparos justificados de lectores y lectoras asombradas por el empleo de la figura de la pastora Marcela. Tal como comenta el compañero de don Vivaldo, es “este famoso entierro, que no podrá dejar de ser famoso, según estos pastores nos han contado extrañezas, así del muerto pastor como de la pastora homicida”.

Sin embargo, el texto cervantino nos proporciona muchas pistas acerca de la identidad del difunto Grisóstomo que, a lo mejor, nos pueden iluminar aspectos cruciales del episodio. El enfoque de este estudio será indagar la identificación de Grisóstomo como practicante de la astrología para así apreciar mejor los matices de su personaje. Es más, una vez que el investigador asiduo se toma conciencia de la alusión a la astrología, se empieza a notar en la charla de muchos personajes la presencia de vocablos y frases que se asocian con la esfera celestial. El mentado “discurso celestial” nos hace volver a enfocar la problemática del libre albedrío, esta vez de acuerdo con el debate candente acerca de la astrología judiciaria que predominaba en esferas teológicas en tiempos de Cervantes. Partiré como base discursiva de los textos no literarios, entre ellos los escritos de filosofía natural, tratados de índole moralizante, las guías escritas para clérigos enfrentados con la superstición y las obras de astrología y/o astronomía destinadas a un público letrado pero no profesional. Lo que falta aquí son referencias a textos de índole oculta, el llamado esoterismo, ya que el texto cervantino destaca por su llamado “realismo,” o sea la ausencia de lo maravilloso1. En el Quijote lo que nos presenta Cervantes son eventos cotidianos presenciados y experimentados por personajes verosímiles: Don Quijote, el cabrero Pedro, el amigo Ambrosio y la misma Marcela. Estamos en el mundo fenoménico, el aquí en vez del allá, accesible y visible a todos. Grisóstomo, a pesar de sus maquinaciones, no logra hablarnos desde ultratumba, pues no sabemos si practicó una astrología que lindara con el ocultismo. Estamos ante la génesis de la novela moderna, la que depende discursivamente más de la diseminación pública del conocimiento que de la sabiduría oculta y hermética.

1 Dejando al lado la polémica sobre la posible presencia de escritos esotéricos en la España de Cervantes, quisiera justificar esta decisión metodológica haciendo hincapié en la diferencia genérica entre el Quijote y las obras pastoriles o sentimentales en las que se narran sucesos fantásticos en su contenido y quizás ocultos en su inspiración. La historia de Grisóstomo, que nos la cuenta Cervantes en el Quijote, no es la historia de Dardanio tal como la narra Lope en La Arcadia, ni la historia de Erión en El Pastor Fílida, de Gálvez de Montalvo. Anfriso enseña la astrología oculta en La Arcadia, mientras el mago Dardanio aprovecha la máquina del mundo para conjurar los poderes de los planetas y las plantas para hacer que el héroe alcance a su amada.

Salvador Dali - Don Quixote 1971

Grisóstomo, homo astrologicus

 A pesar del éxito perlocutivo del entierro del malogrado Grisóstomo, por lo menos en cuanto que convence a Vivaldo y los demás de que ha sido víctima de la crueldad femenina, circulan otras versiones más de la historia del poeta difunto (y aquí no me refiero sólo a la de Marcela). Grisóstomo, igual que Marcela, es objeto de interpretación de los demás personajes, y así es visto conforme a ciertos perfiles discursivos que circulaban en la España de los Austrias. Uno de ellos sería el perfil del astrólogo “muy sabio y muy leído”, en palabras del rústico Pedro. Habiendo sido estudiante en Salamanca, Grisóstomo pronosticaba el tiempo con tanto éxito que “se hicieron su padre y sus amigos, que le daban crédito, muy ricos.” Entonces, no sería demasiado atrevido sugerir que el mancebo hubiera cursado astronomía y matemáticas en las aulas de esa universidad vetusta. Según los estatutos de la Universidad de Salamanca, el responsable por la cátedra en astrología (o sea astronomía) tenía la obligación de enseñar la astrología judiciaria en el cuarto año. El tipo de astrología judiciaria que Grisóstomo practicaba era una rama de la llamada “mundial” en la que se preveían acontecimientos naturales y políticos, y aun se denominaba astrología rústica2.

2 En el Persiles, hay dos practicantes de la astrología genetlíaca, la que predice los eventos en la vida de los individuos de acuerdo con la colocación de los cuerpos celestiales en el momento del nacimiento: Mauricio y Soldino. Además, la morisca Cenotia practica la astrología, pero se la tacha de bruja. Se tratará de estos personajes cervantinos en un futuro estudio.

En el siglo XVI la astrología y la astronomía todavía andaban emparejadas; desde luego cabe recordar que figuras de estatura científica, tales como Nicolás Copérnico, Jerónimo Muñoz, Tycho Brahe y Johannes Kepler practicaban la astrología judiciaria. Según la distinción que hace el contemporáneo de Cervantes, Juan Pérez de Moya, la astronomía traza los movimientos de los objetos celestiales, mientras la astrología juzga los efectos que causan en las cosas terrenales3. La observación de los cuerpos celestiales, de que dependía tanto el desarrollo del conocimiento científico, se afinó en la época de Cervantes gracias al uso del astrolabio y al manejo de cálculos matemáticos de mayor precisión, así que dichos cálculos también contribuían a supuestos avances computacionales en la astrología. Conviene recordar que la astrología se entendía como la ciencia de las influencias de los cuerpos celestiales, y que estas influencias formaban parte íntegra de la llamada “máquina del mundo.” De ahí estriba la creencia en las virtudes del calor del sol y de la humedad de la luna, todo lo necesario para que crezcan las plantas; asimismo el balance mutuo del aire y el fuego. En palabras de Pedro Mercado (1558), “es tanta la dependencia que de las influencias tiene este mundo inferior, que si Dios las destruyese, o suspendiese, todo él perecería”.

3 La distinción que hace Anejo Venegas entre la astrología como “ciencia que falta” y la astronomía como “ciencia exacta” se basa, no en una negación del fundamento científico de aquél, sino en el libre albedrío que permitía a los seres humanos deshacerse del poder celestial.

En un afán concienzudo por mejorar los cálculos matemáticos de los movimientos celestiales, era la práctica de muchos humanistas salir al campo libre bajo las estrellas para poder observar con precisión los fenómenos celestiales. El astrónomo valenciano Jerónimo Muñoz, cuyos cálculos de la supernova de 1573 fueron tan exactos que Tycho Brahe los incorporara en sus investigaciones, recibió noticias de la supernova (que se creía “cometa”) de pastores que habían visto “una nueva estrella”. La “ciencia de las estrellas” fue favorecida en las cortes europeas porque facilitó tanto las empresas imperiales de la navegación como la predicción de eventos futuros, a la vez naturales, dinásticos y políticos. En la corte de los habsburgos se acudía a la astrología para adivinar la presencia de metales preciosos, ya que uno tomaba por ley natural que los cuerpos celestiales influyeran en la producción de oro y plata en regiones subterráneas. Esta misma teoría obtuvo validez a raíz del descubrimiento de las minas de plata de Guadalcanal (España) en 1555. El hallazgo se interpretó como afirmación de predicciones hechas por varios astrólogos que habían dicho que los movimientos celestiales de aquel siglo favorecerían a España. Queda claro que la interpretación de fenómenos celestiales (de los que se contaban muchos en el siglo XVI, entre ellos la aparición de la supernova de 1573) reforzaba las aspiraciones políticas de distintos pueblos y naciones. Los portugueses veían en aquellos fenómenos evidencia de la supervivencia del rey Sebastián (que murió en la batalla de Alcázarquivir, Marruecos); el rabino Isaac Abrabanel veía en los cielos la redención de Israel; y los moriscos encontraban en los cielos indicios de que los turcos atacarían a España con el fin de liberarles del yugo de la opresión. Usando la astrología como instrumento de guerra psicológica, los agentes de Felipe II plantaban entre la comunidad morisca adivinaciones con el fin de predecir la derrota de los mismos españoles en las revueltas de las Alpujarras entre los años 1568 y 1571.

A pesar del empleo continuo de la astrología, la práctica fue tachada de pecaminosa por muchos clérigos e inquisidores, hasta que en 1585 el Papa Sixto V prohibió la astrología judiciaria en la bula Caeli et Terrae, en la que la situaba entre las artes de la adivinación. Dicha bula no se publicó en España empero hasta 1612; de acuerdo con esta curiosa omisión, Caro Baroja afirma que “todavía en 1605, al tiempo de nacer Felipe IV, se hicieron muchos horóscopos”. Las objeciones eclesiásticas a la astrología, que ya databan desde Tertuliano, Orígenes y San Agustín, se basaban -claro está- en la negación total del libre albedrío, negación ésta que implicaba aceptar que los cielos determinaban la vida y los actos de los seres humanos. El catálogo inquisitorial de 1583 deja a las claras en qué se constituye la astrología judiciaria:

Todos los libros, tratados y escritos, en la parte que tratan y dan reglas y hacen arte o ciencia para conocer por las estrellas y sus aspectos o por las rayas de las manos lo porvenir que está en la libertad del hombre y los casos fortuitos que han de acontecer; o que enseñan a responder lo hecho o acontecido en las cosas pasadas, libres y ocultas; o lo que sucederá en lo que depende de nuestra libertad.

(Pardo Tomás 155)

En un memorial del 1584 un tal Juan Mendoza Porres se esforzó por defender algunas ramas de la astrología judiciaria que, a su parecer, no contradecían el dogma católico; entre ellas contaban el “conocimiento de los tipos y sucesos generales del mundo,” las “inclinaciones, condiciones y cualidades corporales” de los individuos y “lo que pertenece a la agricultura, navegación y medicina y las elecciones que acerca de estas cosas naturales se hacen”. Tal justificación de ciertas prácticas astrológicas estriba en una matización del siglo XIII que había formulado Santo Tomás de Aquino, quien había aclarado que los cuerpos celestiales eran materiales creados por Dios y, aunque no divinos en sí, podrían tener cierta influencia sobre otros cuerpos materiales. Según Caro Baroja, esta idea dio lugar a que en el Medievo bajo se entendiera que “el estudio de los futuros naturales podía estar en relación con el de los futuros fortuitos, sujetándolo todo a la suprema voluntad de Dios”. Asimismo se admitía la perenne influencia de las estrellas, pero se insistía en la transcendencia del libre albedrío, dado que el conocimiento astrológico del porvenir resulta ser otro instrumento de saber con qué ejercer la voluntad.

Tornando ahora a Grisóstomo, es posible matizar ciertos aspectos de su vocación astrológica además de su representación de ésta en el texto. Es probable que su trato cordial con los cabreros se debiera no sólo a su decisión tardía de hacerse pastor a la literaria sino también a su observación campestre de los cielos. El contacto previo de los cabreros con el astrólogo, conocedor él de estrellas igual que lo eran ellos, explicaría el que los cabreros se inclinasen por defender a Grisóstomo en la historia del amor no correspondido. La práctica de la astrología judiciaria en cuanto tocaba a los eventos climáticos, podría ser tachada de heterodoxa y aun anatema desde una perspectiva estrictamente católica, pero cabe recordar que dicha actitud de rechazo completo sería poco común en la época. El clérigo Pedro Ciruelo, en su Reprobación de las supersticiones y hechicerías (hacia 1530), constata que el buen astrólogo ejerce “ciencia,” como sabe juzgar los naturales efectos de los cielos en los fenómenos climáticos. El mero hecho de que Don Quijote mismo llame a la astrología “ciencia,” no se tiene que atribuir a “sus locuras arcaicas” sino que representa un juicio que muchos hombres cultos de su edad aceptaban.

¿Hay algo demoníaco, si no diabólico en Grisóstomo, el mancebo que nos habla desde más allá de la tumba? No hay indicio directo alguno de que los amigos del difunto ni los cabreros creyeran que el idilio fantástico de Grisóstomo hacia Marcela resultara de cierta influencia celestial, ni que las estrellas hubieran influido en el carácter autónomo y solitario de ella. Sin embargo, queda por determinar si la práctica astrológica del pastor/estudiante queda libre de tacha de heterodoxia. Muchos críticos, siguiendo a Avalle Arce como su avatar, ya han observado que la muerte de Grisóstomo constituye un suicidio, fuese como fuese, y que por ello representa un pecado mortal. De todos modos, Grisóstomo habría fallado en su uso de la ciencia astrológica, pues su práctica se justifica, de acuerdo con las palabras de un teólogo español de la época de Cervantes, sólo “cuando el sabio varón predomina las estrellas y vence con su prudencia las malas inclinaciones”. Es decir, al haber aplicado bien su saber astrológico, no habría acabado en el suicidio. Al no ser así, la voluntad del ser humano se quedaría sometida al poder de los cuerpos celestiales. Como insistía en que su inclinación hacia Marcela fuera más poderosa que su propia voluntad, Grisóstomo rechazaba de antemano la noción del libre albedrío.

No es de sorprender, pues, que otros aspectos de este personaje sirvan para introducir rasgos heterodoxos en el retrato de su carácter. En el Quijote no se comentan las raíces árabes de la astrología, cuyos grandes partidarios medievales iberomusulmanes incluían a Aban Ragel. Lo que en efecto despierta considerable aprehensión entre los campesinos y cabreros, son los ritos funerales a la morisca que Grisóstomo ordena en su testamento. Vistos como un espectáculo ideado para escribir el capítulo final de su vida, los ritos funerales del joven difunto se alejan de las formas constituyentes del buen morir cristiano, un hecho que sus coetáneos no dejaron de notar. En palabras de un cabrero, Grisóstomo “mandó en su testamento que le enterrasen en el campo, como si fuera moro, y que sea al pie de la peña donde está la fuente del alcornoque, porque, según es fama, y él dicen que lo dijo, aquel lugar es adonde él la vio la vez primera. Y también mandó otras cosas, tales, que los abades del pueblo dicen que no se han de cumplir, ni es bien que se cumplan, porque parecen de gentiles”. Avalle-Arce observaba que Grisóstomo, como suicida, se había condenado a un sepulcro en tierra no sagrada. Pero como nos indica el texto, recibir sepulcro en el campo va mucho más allá del asunto del suicidio. En la España de los Austrias, la muerte se sometía cada vez más al control eclesiástico, debido eso en parte al empeño por integrar y asimilar a la población morisca. Ya que los cementerios moros, igual que los romanos, se habían encontrado extramuros de los pueblos y ciudades, en el Sínodo de Guadix se prohibió en 1554 el entierro de los cadáveres en el campo. Es más, de acuerdo con la costumbre morisca de tapar el cadáver con piedras, “[c]erraron la sepultura con una gruesa peña, en tanto que se acababa una losa”. Por consiguiente, el pueblo queda “alborotado” cuando Ambrosio se empeña en cumplir todos los deseos de su amigo, así en cumplimiento con las ordenanzas expuestas en el testamento. Los vecinos manchegos, por rústicos que sean, conocen los ritos de los moriscos y las normas eclesiásticas, así que ven en los ritos funerales de Grisóstomo un acto llamativo, si no revoltoso; pero no serían ellos el único público al que se ha dirigido el espectáculo.

Los amigos del poeta fallecido están embelesados de la cultura y literatura clásica, y por ello reconocen de vista los aspectos romanos del funeral, los que han servido para designar como telón de fondo la literatura pastoril. Los “pastores,” amigos del difunto que se han disfrazado de personajes pastoriles, acompañan al cadáver en andas, “vestidos [ellos] con pellicos negros y coronadas las cabezas con guirnaldas de ciprés y de amarga adelfa”. Otros van con guirnaldas de tejo y ciprés. El uso del ciprés apela directamente a las costumbres romanas, que es “árbol funesto que los antiguos consagraron a Plutón, y calificaron de funeral, o porque cortado no renace así como los muertos no resucitan, o porque la incorruptibilidad de su madera denota la inmortalidad de las almas”. La adelfa (Nerium oleander) y el tejo (Taxus baccata) adquieren su valor simbólico por ser venenosos. El cuerpo de Grisóstomo se transporta en andas, cubierto de flores de acuerdo con “tópicos literarios de la literatura clásica”, y acompañado de los manuscritos inéditos del poeta. El simbolismo en su conjunto estriba en una mezcla ingeniosa de tópicos clásicos, recursos inmediatos tales como plantas indígenas y referencias socioculturales – todo con una mira a asombrar y maravillar al público en “el famoso entierro de Grisóstomo,” en palabras del narrador. Y este conjunto simbólico de los ritos funerales nos llevará a ver al mismo Grisóstomo bajo la lente del paganismo mediterráneo y del islam. Tampoco se desencaja esta identidad, no del todo católica, de su práctica de la astrología, la “ciencia de las estrellas”, con sus orígenes en el politeísmo antiguo, y cuyos mayores teóricos medievales eran muchos de ellos islámicos. Además, la astrología comparte cierto compadraje conceptual con la práctica de la caballería andante que, en palabras de don Vivaldo, “huele algo a gentilidad”.

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El campo semántico “celestial”

Al analizar el lenguaje de los mencionados capítulos, se hace visible un registro semántico estrechamente relacionado con la astrología. De hecho, el empleo de este registro en el texto puede ayudar al lector a comprender dos facetas primordiales del episodio: la transformación del “estilo” de Pedro y la presencia del campo semántico “celestial” en el discurso de Marcela. De acuerdo con el criterio de John J. Allen, el discurso de Pedro, el pastor que cuenta la historia de Grisóstomo, pasa por una transformación al ascender desde un registro retórico popular hasta alcanzar uno culto y poético. Al principio de su relato, el cabrero trastorna el lenguaje culto de la astrología con un efecto tan divertido que algún que otro estudioso ha atribuido el pasaje a Sancho Panza. Don Quijote, siempre al servicio del lenguaje egregio, insiste en corregir los trabucos del cabrero analfabeto: el “cris del sol y de la luna” ha de referirse al eclipse de los cuerpos celestiales mientras el año es estéril y no “estil”. No obstante, las formas truncadas de las palabras eruditas conllevan su sentido exacto, lo cual podría explicar la razón por la que el narrador juzga que los reparos de Don Quijote son “niñerías.” En efecto, el eclipse en sí es una especie de crisis del sol y de la luna, a la vez que el punto decisivo de una enfermedad (su “crisis”) se asocia también en la medicina renacentista con las influencias de los cuerpos celestiales. Jerónimo Chaves, en su Cronografía o repertorio de tiempos (1584), explica que es “muy conveniente y necesario a todos los que verdaderamente desean saber el arte de la medicina, primeramente considerar las naturalezas, movimientos, aspectos, las conjunciones de las estrellas y cuerpos celestes, para que con mayor certinidad puedan pronosticar, la lucha que naturaleza y la enfermedad en el día de la Crisis esperan tener”. El “estil” se ha interpretado como referencia al verano, interpretación que encaja tanto con el campo semántico de la corografía como con el contexto rústico. Es más, el vocablo “estil” aparece por lo menos dos veces en textos de fines del siglo XV, donde hacer referencia a partes verticales de plantas. Así los “vulgarismos” de Pedro en sus mismos desaciertos apuntan hacia dos áreas en las que se empleaba la astrología judiciaria: la medicina y la agricultura. No parece una simple niñería los vínculos semánticos que producen los enunciados equivocados, ya que la equivocación se conforma con el campo semántico del episodio tal como lo define la referencia a la astrología.

Una vez que Pedro deja de “mal hablar,” la semántica astrológica lo lleva por fuerza al registro más erudito y elevado, tal como lo ha observado Allen. En el mismo párrafo donde el cabrero sigue soltando vulgarismos, como “desoluto,” y desaciertos graciosos, como “vivir más años que sarna,” el rústico también aclama: “Cuando los del lugar vieron tan de improviso vestidos de pastores a los dos escolares, quedaron admirados, y no podían adivinar la causa que les había movido a hacer aquella tan estraña mudanza”. La frase “estraña mudanza” (i.e. “extraña mudanza”), tal como indica ya el hipérbaton, pertenece a un registro poético, hecho que se confirma con una búsqueda en el banco de datos CORDE en que los autores que manejan tal frase son, además de Cervantes, Lope de Vega, en El peregrino en su patria, Fray Luis de Granada, en El símbolo de la fe y sus Adiciones al memorial de la vida cristiana, Guillén de Castro, en su Don Quijote de la Mancha, y Góngora, en un romance temprano. La frase “adivinar la causa” junto con el verbo “mover” dan a conocer que la mudanza a la que se hace referencia, se relaciona discursivamente con los efectos de alguna fuerza exterior al ser humano. Es decir, Grisóstomo, al interpretar fenómenos celestiales y naturales, se dedicaba a observar lo que se llamaban en aquel entonces “las mudanzas del tiempo”.

Un aspecto graciosísimo de dicha presencia simultánea de un registro vulgar y de otro elevado, no ha sido atendido por los críticos del siglo XX, a pesar de que Clemencín lo anotaba con un toque campechano como “elogio rústico de la difunta mujer de Guillermo, que hace reír”. El cabrero, cuyo discurso incluye algún que otro comentario irónico sobre el buen tío sacerdote -de quien el “corrillo del pueblo” no chismea-, describe a la madre difunta de Marcela mediante estas palabras: “No parece sino que ahora la veo, con aquella cara que del un cabo tenía el sol y del otro la luna”. Siguiendo a Clemencín, la visión literal de la madre con un ojo de sol y otro de luna, dista mucho de la de la dama petrarquista embellecida de ojos como soles o estrellas. El humor sirve aquí para recordarnos de que el campo semántico de los fenómenos celestiales no tiene que remitirnos de inmediato ni a la poesía erudita ni a la mitología. La luna y el sol son objetos visibles en los cielos, su luz ilumina la tierra y su mudanza mide el tiempo. Entonces, para un español de la época de Cervantes, el sol y la luna tienen una presencia natural y material. Se da por sentada la coordinación de los seres terrenales con los cuerpos celestiales, luego que ésos tienen influencias específicas sobre ciertos miembros corporales; en términos concretos, “el Sol sobre el ojo derecho y la Luna sobre el izquierdo, porque ambos son ojos del cielo”. Además, hay que recordar que, tal como nos muestran los libros de cronografía, muchas apariciones naturales de los cuerpos celestiales eran “legibles” también para los iletrados. De ahí la llamada “astrología rústica”, de la que el siguiente es sólo un ejemplo entre muchos: “Luna si al cuarto día no parecieren sus puntas, denota tempestad, o vientos del Occidente por todo el mes”. Como el cabrero Pedro parte de un discurso que reúne un saber altamente erudito, es decir la astrología judiciaria, con otro más popular, la rústica, por ello no nos resulta tan sorprendente que su habla refleje esta conjunción.

La perspectiva que Pedro adopta frente al caso de Marcela, se distingue por constar de una combinación rara de una mirada a veces observadora y analítica en conjunción con un chapurreo de vocabulario celestial vuelto a lo gracioso. Pedro se queda a una distancia crítica de Marcela, porque en ningún momento se atreve a atribuirle pensamientos, deseos secretos o cualquier deseo que la chica no comunique directamente. Casi en un tono de periodista de la actualidad, él relata que ella, al rechazar a sus pretendientes, “daba, al parecer, justas escusas”. En cuanto a la honestidad de la doncella, el cabrero se limita a observaciones que defienden el comportamiento de la mujer: “no se piense que porque Marcela se puso en aquella libertad y vida tan suelta y de tan poco o de ningún recogimiento, que por eso ha dado indicio, ni por semejas, que venga en menoscabo de su honestidad y recato”. El discurso de Pedro así convierte a Marcela en un fenómeno visible: por ejemplo “remanece un día” y “ella salió en público y su hermosura se vio al descubierto.” El poder que este fenómeno de la hermosura femenina ejerce es tan potente que parece una fuerza natural: “Y con esta manera de condición hace más daño en esta tierra que si por ella entrara la pestilencia; porque su afabilidad y hermosura atrae los corazones de los que la tratan a servirla y a amarla; pero su desdén y desengaño los conduce a términos de desesperarse.” Es decir, Pedro entiende la situación como una mudanza del tiempo, comparándola a un episodio de la pestilencia. Por supuesto, el aspecto variable de Marcela se asocia con su femineidad, pero a la vez con ciertas condiciones que señalan la pestilencia, y este último fenómeno climático es asimismo un asunto de la astrología rústica. Volviendo a Chaves, la “[p]estilencia es muy cierta cuando vienta Austro y no llueve, y a ratos hace frío, y a veces mucho calor, y comienza a llover y se quita, entonces es señal de pestilencia, y viruelas, y malas enfermedades”. Alternativamente, escribe que la “[p]estilencia espera cuando en un día viéramos alterarse el aire muchas veces, y otro día aclarar, y enfriar y calentar con viento y sin él”. La pasividad de los hombres ante dicha fuerza de la naturaleza, tal como Pedro cuenta, se justifica con su discurso de la astrología rústica.

La perspectiva de Pedro sobre Grisóstomo se tiñe curiosamente del discurso celestial. Igual que Marcela que “remanece,” el estudiante “remaneció” un día de pastor, “habiéndose quitado los hábitos largos que como escolar traía”. La insólita aparición del estudiante y su amigo Ambrosio en el campo castellano, da ocasión a la admiración de los campestres, la que Pedro describe al gastar el lenguaje adecuado con el fin de describir la aparición de un fenómeno celestial desconocido e inesperado: “Cuando los del lugar vieron tan de improviso vestidos de pastores a los dos escolares, quedaron admirados, y no podían adivinar la causa que les había movido a hacer aquella tan estraña mudanza”. Ya se ha establecido que la admiración en los siglos XVI y XVII era la reacción de gente culta, discreta y cristiana ante el libro de la naturaleza que era la bóveda celestial, eso siendo un tópico del discurso sobre la creación divina del mundo (hexameron) y presente en otros episodios cervantinos. El vocablo “mudanza” forma parte del discurso celestial, tanto en su aspecto técnico y para nosotros científico como en su aspecto astrológico. La mudanza se asociaba con el cambio en el mundo fenoménico (la mudanza del tiempo, de la luna, del mar) y hasta en el efecto de los cuerpos celestiales en los seres terrenales, en los que ocurría mudanza de estado. Es importante notar esta reacción de admiración ante Grisóstomo, pues nos recuerda que no es Marcela la única “maravillosa visión (que tal parecía ella) que improvisamente se les ofreció a los ojos,” causando “admiración y silencio” en los demás. Ambos Marcela y Grisóstomo son aves raras para los cabreros, fenómenos cuya extrañeza de aspecto y aparición improvista sorprende a unos hombres conocedores de un mundo social y natural estable y bastante inmudable6. El discurso celestial se emplea, luego, para expresar la llegada de lo desconocido y lo insólito, en este caso es el efecto del desfase social, temporal y espacial que implica la aparición de estudiantes y doncellas en el terreno de los cabreros.

6 La controversia reciente sobre el comportamiento insólito y transgresivo de Marcela gira en torno a la supuesta actitud de Cervantes hacia ella, pero lo que es indiscutible es que, de acuerdo con el análisis feminista de Jehenson, la aparición de Marcela puede representar para los cabreros y los pastores un fenómeno de tal fuerza y de tal “extrañeza” que su acto de hablar fragmenta el mismo sistema social. Es por eso que urge reconstruir el “discurso celestial” para poder apreciar de nuevo las connotaciones de un registro lingüístico cuya significancia ya está tan gastada que queda casi perdida para nosotros.

Marcela, a su vez, incorpora en su propio discurso de autodefensa, conceptos clave de la astrología. Queda claro en sus acciones que sobre todo la chica valora su autonomía, cuanto en la selección de su estilo de vida como en su negativa de corresponder con el amor de procedencia varonil. Se hace patente en esta frase tan inolvidable: “Yo nací libre, y para poder vivir libre escogí la soledad de los campos”7. A pesar de que su discurso gira en torno a la libertad y la autonomía del individuo, Marcela, por medio de la buena retórica que ejerce, parece reconocer que, para convencer a su público oyente, ha de dirigirse a ellos en el propio registro de lenguaje de ellos8. No es por casualidad que ella eche mano en momentos clave de su enunciado al supuesto dominio del cielo sobre su persona. Tras halagar a su público, informándoles “que no será menester mucho tiempo ni gastar muchas palabras para persuadir una verdad a los discretos,” ella insiste en lo siguiente: “[H]ízome el cielo, según vosotros decís, hermosa, y de tal manera que, sin ser poderosos a otra cosa, a que me améis os mueve mi hermosura”. No sólo acepta la supuesta pasividad de sus admiradores, sino también la visión que tienen de ella como fuerza natural. La deshumanización que Marcela efectúa de su propio ser, le permite quitarse de por encima la culpabilidad de haber dejado enamorados a los hombres. De esta manera desarma las metáforas crudas y agresivas con que ha sido agredida verbalmente: “La víbora no merece ser culpada por la ponzoña que tiene, puesto que con ella mata, por habérsela dado naturaleza.” Aun vuelve a invocar el poder del cielo al postular una pregunta retórica que da de cabeza a las acusaciones injustas: “Si como el cielo me hizo hermosa me hiciera fea, ¿fuera justo que me quejara de vosotros porque no me amábades?” Remata su propia pasividad ante las estrellas con las siguientes aseveraciones: “[E]l cielo aún hasta ahora no ha querido que yo ame por destino, y el pensar que tengo de amar por elección es escusado”. Si ella es un fenómeno natural, entonces es el hombre, como ser humano, el que tiene responsabilidad por interpretar y responder a lo que ve – y de ahí logra aludir a otro discurso de las estrellas, el de la navegación. Grisóstomo ha sido mal marinero, pues “quiso porfiar contra la esperanza y navegar contra el viento, ¿qué mucho que se anegase en la mitad del golfo de su desatino”? Las contradicciones internas del discurso entre la libertad y el destino resultan de la incorporación en la autodefensa de Marcela, del discurso astrológico/astronómico que ha manejado Grisóstomo. No son producto de una falta de consecuencia para una misma, sino un arma retórica con que enfrentarse a un público antagónico.

7 Tal como lo comprueba Bernard, la apelación a la libertad por parte de la mujer, no es única en la literatura del siglo XVI, ya que existe una tradición poética que ella ha podido recuperar al estudiar manuscritos inéditos.

8 A diferencia de Hart y Rendall, que juzgan que el discurso de Marcela no se dirige a los estudiantes vestidos de pastores sino a una especie de público universal, me parece que las alusiones a la astrología en efecto establecen un vínculo entre la locutora y su público inmediato. El juicio de Larsen es mucho más cumplido, como nota que, al hablar del cielo, Marcela “derrumba el armazón sobre el que se ha apoyado el mandato divino de la subyugación de la mujer”. Para un análisis pulido de la destreza retórica que se demuestra en el discurso de Marcela, y sobre todo en la manera en que ella se dirige a su público presente, véase el artículo de Mackey.

Las alusiones a la “ciencia de las estrellas” no se limitan al habla de Pedro y Marcela sino que se esparcen por los comentarios del narrador y de otros personajes en los capítulos 12 a 14 del Quijote de 1605. En conversación con Vivaldo, Don Quijote defiende el encomendarse del caballero andante moribundo a su amada con esta explicación cosmográfica: “Tan propio y tan natural les es a los tales ser enamorados como al cielo tener estrellas”. Es más, emplea la misma tergiversación retórica que Marcela, ya que la pasividad del caballero andante ante las virtudes naturales del cielo, le exculpan de su atención poco católica hacia una mujer en la hora de su propia muerte. Es el narrador quien se contagia del discurso celestial en el capítulo 14, al describir a la zagala en términos que la asocian con los fenómenos celestiales. Se ha comentado que la aparición repentina de Marcela además de su desaparición repentina la distinguen de los demás personajes. Aunque El Saffar la asocia con Artemis, en el texto cervantino los vínculos entre Marcela y las figuras celestiales de la mitología van más a fondo, hacia el mismo fenómeno celestial cuanto aparición en el cielo (y no olvidemos que las figuras de la mitología grecolatina a la vez tienen sus manifestaciones celestiales respectivas). Después de leer Vivaldo en voz alta el poema de Grisóstomo, aparece Marcela, “una maravillosa visión (que tal parecía ella) que improvisamente se les ofreció a los ojos”. Además, después del discurso, y, según el narrador, “algunos dieron muestras (de aquellos que de la poderosa flecha de los rayos de sus bellos ojos estaban heridos) de quererla seguir, sin aprovecharse del manifiesto desengaño que habían oído”. A pesar del uso de un registro celestial petrarquesco en el que los ojos de la amada hechizan al enamorado igual que los cuerpos celestiales influyen al ser terrenal, no ha de pasar por alto la alusión al aojamiento presente en el mismo lenguaje (si no intencionada por el narrador). Lejos de ser un acto malévolo en sí, Martín de Castañega entendía al aojamiento como “virtud natural explusiva,” más prevalente en las mujeres pero de todas maneras relacionada discursivamente con la “virtud natural” de las estrellas.

Notemos cómo se gastan las frases parentéticas en las dos oraciones citadas arriba, para así ofrecer dos perspectivas simultáneas del fenómeno que es Marcela para los hombres. En el primer caso, el narrador da voz a la visión “maravillosa,” cosa que refleja el punto de vista de los hombres, sólo para desvelar su aspecto fantástico con el siguiente comentario irónico: “Que tal parecía ella”. En la segunda oración, la frase parentética expresa la creencia varonil de que ella les aflige con su influencia celestial, mientras el narrador mantiene una calma objetiva: “Algunos dieron muestras.” El uso de frases parentéticas para insertar en la oración dos visiones alternativas, nos apunta hacia la plurivocidad del texto cervantino – o para ser más preciso en esta instancia, la plurióptica. Este caleidoscopio de ópticas se hace patente una vez se establezca que el discurso astrológico sirve como telón de fondo para la trama. Como el discurso astrológico en tiempos de Cervantes se despliega en diferentes campos semánticos, registros lingüísticos y actividades culturales, se presta en la narrativa del Quijote a la creación de diferentes personajes, cada uno con su propia historia y perspectiva. La poesía, la mitología, la astrología rústica, igual que la judiciaria, aun la navegación y la cosmología…todas beben de este manantial de sabiduría e imaginería.

Don Quijote De La Mancha, Photo Sharing, Don

Cervantes antes la astrología judiciária

La misma plurivocidad (o plurióptica) de este episodio ha irritado substancialmente a los lectores modernos puesto que el caso de Marcela y Grisóstomo trata un tema candente para nosotros. Nos queda la siguiente incógnita (tácita si algunos se niegan a hablar del autor): ¿y qué opina Cervantes entonces de la libertad de elección de la mujer? Tal vez no sea posible responder a esta duda sin preguntar acerca de la opinión de Cervantes sobre la libertad de elección del ser humano frente al poder celestial. Aunque Cervantes vuelve a la figura del astrólogo en varios textos, nos deja con una visión fluctuante y ambigua de la astrología judiciaria. Que la actitud ambivalente y fluctuante de Cervantes hacia la astrología no sea una ingenuidad sino análoga a la de otros hombres cultos del siglo XVI, Castro ya lo ha demostrado cabalmente. De acuerdo con el parecer de Harrison, los comentarios interpolados sobre la astrología judiciaria y otros tipos de adivinación en la obra cervantina se contradicen entre sí ya que, a veces, especialmente en las obras tempranas, se atacan las prácticas como heterodoxas si no pecaminosas, mientras en las obras tardías se defienden como “ciencias.” Tales discrepancias, sobre todo evidentes en el Persiles, representan una segunda fase de escritura, porque es aquí donde Cervantes parece volver al texto para interpolar explicaciones “ortodoxas” de elementos maravillosos9. Ambos Pedro Ciruelo y Cervantes, al hablar de la astrología verdadera en sendas obras suyas, destacan su aspecto científico: es una disciplina rigurosa en el sentido más pleno de la palabra. Sin embargo, la astrología tal como se presenta en la obra cervantina trasciende la esfera científica, para luego lindar con otras actividades y prácticas sociales. A partir de su representación de la astrología dentro de las tramas narrativas, Cervantes refleja mejor la contradicción y controversia que teñían estas prácticas a fines del siglo XVI y principios del XVII. Es más, tal heterogenia discursiva se debe sólo en parte a la condena tridentina de ambas prácticas, la astrología judiciaria y la magia pues no podemos descartar el desarrollo que tenía lugar en el siglo XVI de las ciencias ya modernas (astronomía, anatomía, botánica) en la continua pero lenta desmitificación de procesos naturales y el subsiguiente rechazo de la “ciencia” de la astrología.

9 De Armas también insiste en que Cervantes adopta una actitud más favorable hacia la astrología y la magia mientras más se acerca al final de su vida, pero basa este juicio en su interpretación del personaje Soldino del Persiles, como ejemplo de un astrólogo intuitivo y, por ello, “verdadero”. Una definición de la verdadera astrología, en su función como directo e inmediato conocimiento del futuro, contradice la distinción que hace Pedro de Ciruelo entre la falsa y la verdadera astronomía. La capacidad de precognición, constituiría para éste un conocimiento más bien diabólico ya que la verdadera astrología es ciencia, requiriendo estudio, experiencia y esfuerzo. En cambio, Otis Green ha acertado en su análisis de Soldino, al identificar los paralelismos existentes entre la visión de la astrología que nos ofrece Cervantes en el Persiles y la de la astrología “verdadera,” según Ciruelo.

Es lícito dudar que la figura de Grisóstomo represente la astrología judiciaria, ya que lo que practicaba, según Pedro, era sólo una rama muy limitada de la ciencia que analizaba los cielos para predecir el tiempo. No hay ningún indicio directo en el texto que revele que Grisóstomo la hubiera empleado para indagar en fenómenos más ocultos, tales como adivinar o influenciar los posibles sentimientos de Marcela y el destino de su amor. Tal vez esa reticencia cervantina se deba a que se iba aumentando la crítica hacia la astrología judiciaria en la época. Sin embargo, como ya hemos visto en el uso del discurso celestial, existen múltiples pistas que me hacen inclinar hacia esa posibilidad, entre ellas los ritos funerarios poco ortodoxos ordenados por Grisóstomo y la presencia del discurso astrológico en el habla de los personajes. El mismo nombre de Grisóstomo sugiere que exista un subtexto judiciario. De acuerdo con Iventosch, el nombre alude al santo Chrysostom (hacia 347-407 d.,C.) y significa “boca dorada,” pero dicha alusión efectúa una torsión irónica de la costumbre de denominar a los habitantes de paisajes arcádicos con nombres que emplean el prefijo Chris. No cabe duda de que la alusión a la Edad Dorada, aunque de broma, subyace el nombre, porque Don Quijote acaba de dar su discurso sobre aquella época en el Capítulo 10. La plurivalencia semántica del nombre nos lleva otra vez al discurso astrológico, puesto que dicho santo, conocido por su gran destreza retórica, en su Homilía VI critica el uso de la astrología en la interpretación de la natividad de Jesucristo, y aun llega a asociar la astrología judiciaria con el habla de los demonios. Según este doctor de la Iglesia, la estrella vista por los magos de Oriente fue un fenómeno sobrenatural, que no formaba parte del cielo natural, y esto se veía en sus apariciones súbditas y diurnas. Es más, nuestro Grisóstomo, según Pedro, tenía fama de coplero que “hacía los villancicos para la noche del Nacimiento del Señor”. Teniendo en cuenta estos pormenores, resulta irónico nombrar a nuestro personaje astrólogo “Grisóstomo”.

Si el nombre “Grisóstomo” conlleva en sí una crítica de la astrología judiciaria, el significado de “Marcela” es ambivalente. Hay varias posibles etimologías de su nombre, incluso una que lo asocia con el dios Marte y otra que la ve como conjunción de mar y cielo. Marcela como Marte es el planeta de la guerra, y así el enemigo de Grisóstomo. El calor seco de Marte se contrasta con el calor “vital” del sol, puesto que el calor del planeta rojo se asemeja a la fiebre, y hace que los que nacen bajo su influencia sean “ayrados, feroces y destemplados”. La versión masculina de Marcela, la más común claro está, es Marcelo; por eso, García explica la selección del nombre que hace Cervantes como indicación de la “lucha” y la autodefensa que hace el personaje de sí misma ante un público antagónico. Según León Hebreo, Marte sirve para derretir las aguas de la tierra y así incitar la fecundación del mundo por el cielo. Marcela, como conjunción de mar y cielo, suena aun más irónica, si tenemos en cuenta esta etimología que nos ofrece Pérez de Moya en su tratado sobre la astronomía: “Mar quiere decir amargura”. Además, en la cosmografía antigua y medieval, que todavía predominaba en el siglo XVI, el mar y el cielo no se podían juntar, como se componían de dos elementos opuestos: el aire y el agua. De hecho, el mismo orden y la estabilidad del cosmos dependen de la conservación de la separación entre ellos. Para Grisóstomo, Marcela sería la incitación frustrada, el cielo amargo, el fenómeno visible que no se deja leer, o tal vez la imposible conjunción de dos elementos opuestos.

No se puede dejar de especular si Grisóstomo hubiera intentado usar la astrología judiciaria para determinar cuáles serían los sentimientos y decisiones de Marcela. La misma autodefensa de la doncella implica tal cosa, pues Marcela parece poner el dedo en la llaga al enunciar que el “cielo aún hasta ahora no ha querido que yo ame por destino, y el pensar que tengo de amar por elección es escusado”. ¿Cómo es posible que el buen astrólogo no pueda prever su propio destino? La ironía del comentario sarcástico de la moza depende de una doble posibilidad: o el cielo no ha querido que Marcela se enamore de Grisóstomo, lo cual indicaría que éste no ha acertado en su interpretación del cielo, o que el mismo concepto de un amor destinado por el cielo es una insensatez. De todas maneras, Marcela declara que la “ciencia” de Grisóstomo ha fracasado. Suponiendo que fuera así, entonces el buen adivino del tiempo habría entrado en un terreno mucho más peligroso para el creyente católico, al ejercer una práctica judiciaria que Ciruelo llega a equiparar con la ciencia diabólica: “Y es la voluntad del hombre muy mudable y tan libre que lo que ahora le place donde a otro lo aborrece, y por el contrario: por eso no puede haber cierto juicio por las estrellas, ni por otras causas naturales para decir de las cosas de voluntad del hombre, y el que de ellas presume de juzgar es vano y supersticioso adivino”. La frustración que Marcela representa para Grisóstomo parece ser doble: por un lado, la frustración sentimental que implica su libre elección de no desear corresponder a su deseo amoroso; y por otro lado, el fracaso de su ciencia, que no le ha permitido ver el fin infeliz al que le lleva su amor. Llama la atención el que Marcela nunca se culpabilice por haber sido cruel, dado que dicho juicio sobre ella se basa en su supuesta intencionalidad. Si Grisóstomo se hubiera sentido agredido física o emocionalmente por ella, tal agresión se debía a una mala interpretación de los pensamientos y deseos por parte de ella. Notemos cómo ella misma destaca sus acciones -y no sus sentimientos- hacia el pastor estudiante: “Pero no me llame cruel ni homicida aquél a quien yo no prometo, engaño, llamo ni admito”.

En cierta medida lo que Cervantes nos presenta en este episodio del Quijote son maneras alternativas de percibir el mundo. Aun a propósito del mismo cielo, tienen los tres personajes distintas maneras de verlo. Marcela, al terminar su discurso, explica que sale para “contemplar la hermosura del cielo, pasos con que camina el alma a su morada primera”. Ella alude a la visión del cielo como libro de Dios escrito en la naturaleza y así camino a la divinidad, o sea a partir de la tradición teológica y literaria que proviene del hexameron. Pedro ve al cielo de acuerdo con la llamada astrología rústica, un sistema de saber que se usa en el campo para poder predecir el tiempo y marcar la hora. Sólo es Grisóstomo quien pudiera escrudiñar el cielo para saber lo secreto y lo oculto. En cuanto a su interpretación del mundo social, Marcela opta por interpretar los hechos y no los pensamientos de los demás, mientras que Pedro opta por interpretar las apariencias y las “apariciones” de los demás. En suma, ambos Marcela y el cabrero Pedro evalúan a los individuos en su entorno directamente a base de lo visible, lo observable y lo fenoménico, a diferencia de Grisóstomo, quien, de acuerdo con la lógica astrológica, podría interpretar el fenómeno que es el cielo según una ciencia erudita y oculta, para así aplicarla a su entorno social. Si se acepta que Grisóstomo pueda representar la astrología judiciaria, entonces ésta, vista de acuerdo con Ciruelo y otros del siglo XVI, falla en dos aspectos: primero, por no depender de la observación directa de los mismos sujetos de interés (en este caso a Marcela, que no deja lugar de dudas en cuanto a sus sentimientos) y, segundo, por no tener en cuenta el poder de la voluntad humana ante los cuerpos celestiales. Ya que el ser humano goza de libre albedrío ante la posible influencia de las estrellas, resulta imposible extrapolar “ciencia” cierta de la vida interior del otro, al aprovecharse de la astrología judiciaria. La mente humana no se lee, como es territorio libre, afectado pero no regimentado por las fuerzas naturales y celestiales. La libertad de elección que Marcela se reclama es función de su humanidad y como tal no se puede restringir ni manipular sin recurrirse al pecado o a la maldad.

Si se me permite hacer una lectura alegórica del episodio de Grisóstomo, Pedro y Marcela, el antiguo discurso astrológico fracasa ante la invisibilidad de la vida interior del ser humano. El debate sobre la astrología del siglo XVI es fascinante para la historia de las ideas, porque es precisamente allí donde se puede vislumbrar que tanto el discurso teológico como el científico se alejan de la antigua lógica de las correspondencias e influencias. Por sólo presentar un ejemplo, el tratado de Pedro Ciruela, Reprobación de las supersticiones y hechicerías (ca. 1530), aporta buena evidencia de la confluencia en el siglo XVI de esta lógica naturalista y la teología católica. Al insistir en que lo que parece sobrenatural normalmente tiene su explicación natural (aunque a veces la explicación queda invisible a causa de los límites del saber humano), Ciruelo empieza a someter el mundo de los fenómenos a los criterios de la ciencia moderna: la observación, la razón y las leyes naturales. La mente humana aun se conserva como terreno invisible para los demás seres no divinos – y, en un giro típico del pensamiento del siglo XVI, es precisamente así que Ciruelo explica la razón por la que el diablo no puede conocer directamente los pensamientos del ente humano. El fenómeno que es el otro ser humano, en este caso Marcela para Grisóstomo, está dotado de voluntad libre y mentalidad suya accesible, sólo a través de la observación de sus acciones y palabras: lo visible, lo audible y lo tangible. Un saber que se basa en lo oculto tendrá poca cabida en el mundo discursivo de la modernidad. Al final de la historia, Grisóstomo el astrólogo está muerto, pero quedan vivos Pedro el cabrero y Marcela.

Obras citadas
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El discurso astrológico en Grisóstomo y Marcela

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Imagens Astrais na História da Arte

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Imagens Astrais na História da Arte

A Mountain Storm

Propostas para uma Relação entre Cinema, Iconologia e Investigação Histórica

Francisco Santiago Júnior

Doutor em História pela UFF. Professor do Departamento de História e do Programa de Pós-graduação em História da UFRN.

Este trabalho almeja lançar bases para expansão do conceito de iconologia na historiografia a partir da apropriação dos estudos visuais. Nosso objetivo é fundamentar a análise do cinema como uma imagem na composição das formas e sensibilidades da cultura visual contemporânea. Seguindo Jacques Aumont, parece-nos que o cinema compartilha com a pintura e outras artes visuais uma história do olhar que permite a observação histórica da construção e da crise das representações. As sensibilidades modernas são formadas pela cultura visual com a troca incessante entre imagens de variados suportes que tomam umas as outras como referências.

O conceito de iconologia pode tornar-se chave para encaminhar a análise imagética uma vez que permite “passear” pela interligação conjunta das imagens visuais e não visuais que compõem as sociedades. Para W. J. Mitchell, a iconologia é uma crítica ideológica a partir da noção de imagem, que toma seu objeto como imagem e observa as diversas interligações visuais e não visuais. A iconologia permite a problematização da cultura visual, e insere o cinema numa dinâmica da história das representações e suas sucessivas crises.

Segundo Hors Bredekamp a noção de iconologia remete à tradição dos estudos da história da arte alemã, em especial, aquela desenvolvida por Aby Warburg, cuja percepção ampliada de uma “ciência da imagem” já fazia o que os atuais estudos visuais almejam. A fortuna da ideia caberia a Erwin Panofsky em Significado nas Artes Visuais, quando estabeleceu bases heurísticas da história da arte, dividindo-a em 3 etapas: a pré-iconográfica, a iconográfica e a iconológica. Esta última referia-se a um “espírito do tempo” que permitiria perceber a maneira de pensar de uma época. Essa perspectiva influenciou sobremaneira uma série de estudos entre os quais podemos citar as análises iconológicas da astrologia e das imagens astrais no Renascimento europeu.

Desde os trabalhos de Aby Warburg, Frizt Saxl e Erwin Panofsky, desenhou-se uma tradição de estudos sobre as imagens astrais renascentistas que dialogam diretamente com a história da cultura renascentista como um todo, entre os quais se destacam as obras de Frances Yates e Eugenio Garin, os quais necessariamente não eram historiadores da arte no sentido forte do termo. Este trabalho investiga algumas versões da constituição de iconologias influenciadas pela “tradição Warburg” na investigação de temas astrológicos.

Pretendemos apenas construir chaves de leitura sobre uma tradição de história da arte (ou em diálogo com esta), que, ao investigar discursos de época sobre o que Garin chamou de “polêmica astrológica”, conseguiu desenhar bases profícuas de pensamento metódico sobre as imagens que constituiu, de fato, uma crítica dos núcleos ao redor dos quais se moveram a sensibilidade e as formas de hierarquização de uma época – ou seja uma iconologia. Neste pequeno texto, dedicamos atenção apenas a Frances Yates e Eugenio Garin.

A Grande Dama

Earth and Moon

Como afirmou John Michael Krois, os estudos sobre o ocultismo de Frances Yates estiveram relacionadas a sua preocupação com uma questão de significado duradouro: a memória em um sentido cultural. Sua obra não teria sido influente na filosofia, contudo, na reflexão sobre a história da ciência, na história da arte e na história e teoria da memória, Yates tem um lugar central, principalmente, por sua atenção às questões “marginais” da epistemologia do Renascimento. Como Krois nos lembra, os sistemas mnemônicos estudados por Yates seriam Weltanschauungen, ou seja, “visões de mundo” que partem de uma caracterização mnemônica das formas humanas de relações com o mundo.

Estas visões, acrescentaríamos, se fazem por meio da construção de “sistemas de imagens” que externalizam-internalizam a criação de marcadores capazes de instaurar e reforçar a lembrança do que é importante numa dada realidade. Para Yates, as “visões de mundo” permeavam os tratados de memória e outras produções culturais, uma vez que elas estavam presentes em outras esferas da produção cultural das sociedades renascentistas, numa “nova estrutura renascentista da psique”. Yates estudava o que hoje poderíamos chamara de “processos de indexação” dos sentidos numa dada sociedade. Interessada na vida psíquica renascentista, concebia as tradições “ocultistas”, em especial, a tradição hermética. Não era, portanto, uma historiadora da arte estrita, mas entendia o quadro de relações culturais amplos nos quais seu tema era envolto.

Em vários momentos de seus textos, realiza leitura de obras artísticas, demonstrando o corpo de relações nas quais o hermetismo e a mnemotécnica estiveram envolvidos, realizando-se como prática de letrados europeus. Exemplar disso foi sua leitura da obra de Giotto em Arte da Memória, segundo a qual re-interpreta os afrescos (1305) do pintor na Capella degli Scrovegni. A autora propõe leitura então inovadora da obra do pintor.

Ao observar a disposição das figuras a partir da marcação dos “lugares memoráveis” e informada pela tratadística mnemônica da baixa idade Média, que enfocava na lembrança constante do destino da alma após a morte, ou seja, o céu ou inferno. A historiadora desenvolve a ideia da imagem como talismã, cujos inícios estariam nos afrescos de Giotto. Ao ligar a ideia do embelezamento (que acentuaria o individualismo humanista) com a arte da memória, Yates reconduz as obras de arte renascentistas às tradições culturais diversas e observa indexações de sentido improváveis numa apreciação puramente estética.

Na verdade este princípio de análise já havia sido esboçado pela autora um ano antes, em seu célebre Giordano Bruno e Tradição Hermética no qual analisa com brevidade, o mesmo princípio da imagem-talismã a partir da tela Primavera (1478), de Sandro Boticcelli. Yates estudava a “magia natural” de Marsilio Ficino, o qual concebia a possibilidade de afastamento da influência melancólica sobre pessoas nascidas ou influenciadas sob o signo do planeta Saturno a partir do desenvolvimento de “imagens do mundo”, ou seja, talismãs que gravavam sinais visuais astrais dos planetas benéficos (Sol, Vênus e Júpiter). Num exercício de “magia natural” capaz de capturar os poderes celestiais destes astros abençoados por Deus, a aproximação e posse desses objetos poderiam angariar melhor fortuna para os seus donos. Na tela de Boticcelli, segundo Yates, o Mercúrio e a Vênus representados seriam os próprios planetas, e o vento que captura a “ninfa da primavera” seria o próprio “sopro do espírito” preconizado pela tradição hermética de Ficino. O próprio quadro de Boticcelli era um talismã, um objeto artístico-místico. Yates construía outra concepção da arte renascentista:

A dignidade do homem como mago, como operador que tem dentro de si o divino poder criador e o poder mágico de casar terra ao céu, reside numa heresia gnóstica de que o homem já foi e pode vir a ser novamente, pelo intelecto, um reflexo da divina mens, um ser divino. Segundo a reavaliação final do mago da Renascença, ele se torna um homem divino. Ainda uma vez, vem-nos à memória um paralelo com os artistas criadores, pois era esse o epíteto que os contemporâneos de Pico concediam aos grandes, a quem com frequência se referem como o divino Rafael, o divino Leonardo, ou o divino Michelangelo.

Yates

Trata-se de observar a presença de “visões de mundo” herméticas difundidas na visão social, que se realizam tanto na obra de filósofos-magos como Marsilio Ficino e Pico della Mirandola, como nas telas de Boticcelli e Pintoricchio. Em Giordano Bruno, Yates está sobre influência da interpretação que Fritz Saxl faz das imagens pintadas por Pintoricchio no Aposento dos Bórgias, do Papa Alexandre VI.

Particularmente é importante reter que Yates faz a mesma observação dos processos de indexação de valor e sentido ao analisar as imagens dos pintores citados acima, quando os indaga a partir das tradições herméticas e cabalísticas. Observa o que hoje chamaríamos de diferentes apropriações do cristianismo que é reconduzido noutra direção teosófica, filosófica e prática a partir da imbricação de concepções herméticas e cabalísticas. Fraturando a própria concepção de que as visões de mundo seriam unitárias, Yates demonstra que estas são diversificadas e interpretadas de modos diferenciados por sujeitos sociais diversos que estão informados pela mesma atmosfera cultural, tornando a cultura um campo de disputas de “visões de mundo”. Por um lado, as tradições herméticas se impregnam de cristianismo e deslocam a própria ideia de mago medieval, que do necromante torna-se teósafo (e filósofo, como afirmou Eugenio Garin) que angaria a força divina das potências astrais (Ficino) ou do conjuro de forças angelicais (Mirandola).

O processo de conseguir essa potência a partir da elaboração de talismãs estaria inserido na obra dos artistas também, cujo sentido era mais do que a impregnação iconográfica de sinais astrais ou de personagens que remetiam aos poderes da magia natural ou cabalísticas. Estaria, na verdade, inserido no próprio funcionamento das imagens no “clima cultural” no qual estavam inseridas.

Evidentemente Yates não teoriza esses aspectos todos aqui apontados. Tampouco define ou usa os termos iconologia ou iconografia em seus trabalhos (ao menos naqueles aos quais consegui ter acesso). Contudo em seu método de leitura e interpretação do material histórico, tal como em Panofsky, texto e imagens são cotejados para informarem o sentido um do outro. Ainda que seu acento seja nos textos, Yates identifica não apenas a formalização de um sistema de imagens nos tratados de memória ou na “magia natural” de Ficino, como elabora uma indagação sobre imagens formadas nestes textos. Quando observa os signos que permitem a construção de talismãs ou “imagens do mundo” na obra de Ficino, por exemplo, Yates compara as imagens dos planetas e seus atributos definidas pelo mago com seus equivalentes no tratado do Picatrix, o que demonstraria o vinculo do autor renascentista com o texto. Se o uso de imagens visuais em suas obras é menor, a observância da construção de imagens textuais como objetos funcionais é fundamental.

O estudo sobre os tratados da memória são os mais significativos neste sentido. Yates acompanha a formulação de imagens da memória desde a antiguidade, seus deslocamentos no período medieval, transformação num sistema de imagens pela escolástica até finalmente evidenciar como na Renascença, pela apropriação das tradições herméticas, o sistema de imagens torna-se “talismânico”. Isso ocorre a partir da ressignificação dessas “imagens astrais”, da “magia astral”1 que aparece nos tratados de Ficino e Mirandola, mas também no Teatro da Memória de Giulio Camillo e nas artes herméticas de Giordano Bruno. Tratava-se de observar a gestação de teorias das imagens da memória na qual a criação de imagens é o centro da própria forma de elaborar conhecimento.

1 Yates faz uma diferença fundamental pela qual assegura que Ficino e Mirandolla não eram astrólogos. Evidencia, pelo contrário a diferença entre seus usos das imagens astrológicas a partir da noção de magia “astral”.

Imagens no texto que permitem reconfigurar a visão das imagens no mundo, mas que, também, a partir das imagens visuais como as telas de Boticcelli ou Giotto, permite observar outra dimensão da vivência renascentista. Neste sentido, a metódica de interpretação histórica de Yates tenta entender como dados textos geraram sentido, evitando projeções do presente sobre o material do passado, observando como num dado contexto, textos e imagens conferem densidade histórica ao momento contemplado pelo estudioso.

A Defesa do Humanismo

OCASO

Por mais problemático que seja a vinculação direta de Garin com a tradição Warburg, alguns historiadores sustentam que essa relação pode ser pensada em no mínimo duas perspectivas: temática e metodológica. Sempre interessado na discussão do significado da “volta da vida ao antigo” (das Nachleben der Antike) para os renascentistas, Garin dialoga diretamente com a tradição do Instituto Warburg, principalmente no desenvolvimento dos temas de um trânsito cultural entre política, filosofia e artes italianas na época clássica. Isso fica muito evidente em seus textos dedicados a magia e a astrologia. Yates reconheceu a inflexão criada pelos trabalhos de Garin publicados nos anos 1950 dedicados à vinculação entre astrologia e magia e que retomavam explicitamente, entre outros, aos estudos de Aby Warburg e Fritz Saxl.

O interesse fundamental de Garin era determinar o que fora de fato o espírito humanista e no que se configurou plenamente a experiência ideológica do Renascimento. Os aspectos da Nachleben são componentes de um quadro maior de reflexão. Para Garin a especificidade histórica do Renascimento Italiano deveria ser definida numa espécie de via média na qual se reconhecia as continuidades históricas com o período medieval e a novidade histórica humanista. O humanismo é concebido como um movimento dialético complexo de concepções de mundo e de sujeito, não apenas um fenômeno filosófico, literário ou retórico.

O humanismo faria parte da experiência e da expectativa construídas em várias camadas do que hoje chamaríamos de práticas sociais. A retomada do mundo antigo seria parte da busca de inspiração própria de um método de estudo com certa novidade histórica na qual o reconhecimento da diversidade das “formas de vida e de pensamento”, das diferentes “maneiras de viver” e “de sentir”, por meio do reconhecimento do legado clássico, construíam um sentido de história novo e não escatológico.

Surge certa “metafísica do homem criador” no qual a construção de uma novidade do homem como demiurgo capaz de negociar e controlar o universo a partir do conhecimento converteu-se em ideário de pensamento e das ações de intervenção urbana, política e espiritual. Com sua herança gramsciana o historiador formulou o que poderíamos chamar de um complexo ideológico no qual a magia e a astrologia ocuparam um papel fundamental. Para Garin, personagens como Marsilio Ficino, em seus interpretações do Picatrix e do Corpus Hermeticum, ao povoarem o céu e a terra de almas, restaurando o holismo hermético pela ligação das almas das coisas com as almas das estrelas, criaram uma posição mágico-astrológica no qual o universo surgia como um organismo imenso no qual se observava correspondências harmoniosas. A alma do mundo é a mediadora que torna o talismã possível, pois é um lugar de intersecção no plano estelar, de maneira que cada individuação é uma síntese de todas as unidades vivas do cosmos num “jogo de espelhos sem fim, uma sucessão de imagens e de sombras de imagens: em cima, as formas perfeitas das ideais em baixo, o enfraquecimento das influências”.

Diferente de Yates, Garin observa a astrologia como algo maior do que a reinterpretação de imagens astrais para fins não astrológicos, distinção que a autora torna fundante para compreender o papel das imagens dos planetas na tradição hermética. O italiano compreendeu a astrologia em Ficino a partir da maneira como Pico della Mirandola entendera a astrologia que lhe era contemporânea: uma concepção ou uma linguagem celeste da realidade, a qual Garin atribui uma projeção histórica da época com um todo. Quando se imita as figuras celestes em talismãs conforme regras astrológicas, surge uma possibilidade de mediação. Segundo Garin, Pico teria uma compreensão acertada de que a astrologia fazia parte da vida do homem e de diversos campos do saber e da ação. Tratava-se de uma concepção de realidade.

Exatamente por isso a “polêmica astrológica” acompanhada em Zodíaco da Vida livro fundamental de Garin sobre o tema, é concebida pelo historiador como um ponto de encontro das perspectivas de mundo na qual ocorria a afirmação dos valores modernos adaptando as tendências astrológicas, herméticas e cabalísticas num todo capaz de fazer um diagnóstico histórico de época. A astrologia era componente do “novo homem” e sob o signo de “magia natural” e outras denominações de época, permitia observar como as imagens astrológicas foram transformadas em sinais da primeira modernidade.

A interpretação de Garin sobre a relação entre a astrologia e Giordano Bruno também divergia da de Yates. Para o italiano, a astrologia e as imagens astrológicas estiveram sujeitas a um processo de desmistificação no século XVI. Bruno e outros fizeram um uso contínuo dessas imagens que lhes diminuiu o valor de referência e integração da própria concepção de mundo e história astrológica. Bruno, em especial, ao fazê-las componentes da sua arte da memória, tirou-lhes a capacidade de serem transformadoras do mundo em si mesmo, tornando-se apenas agentes pessoais. Para Bruno as imagens eram componentes de uma reforma moral que convertia o homem em mago, conferindo-lhe poder sobre o universo. O holismo astrológico que embasava Pico e Ficino os levou a uma concepção talismânica de imagens cujos fins eram integrar o homem com o universo para manipular a fortuna, enquanto Bruno almeja dominá-lo num esforço contínuo de racionalização cujo fim último fora a completa desmistificação dos astros em si mesmos.

Em sua “abertura metódica”, Garin tratava da atividade de reinterpretação que os humanistas fizeram das três fontes fundamentais de saber antigo: o neoplatonismo, a astrologia via Picatrix e a tradição hermética. Todas sendo atualizadas pela visão e interpretação dos humanistas que reconstruíram uma concepção ou visão de mundo em tensa disputa. Ou seja, para Garin o Renascimento era composto por fraturas e contradições. Se sua concepção não é propriamente hermenêutica no sentido estrito, o é no sentido aberto do termo, uma vez que está menos interessado na forma como as tradições astrológicas sobreviveram, e mais na forma como elas constituíram e permitiram a formação e transformação do Humanismo.

Isso implica compreender que Garin concebe as imagens astrais como componentes de uma época que são movidas em textos, ideais e obras de arte. Raramente o autor parara para abordar o que a história da arte chamou de pintura e de prática artística em si mesma. Em alguns poucos casos, discutiu temas astrais na pintura, e em geral, fazia isso via a retomada dos estudos dos historiadores da arte, principalmente os do Instituto Warburg (Aby Warburg, Fritz Saxl, Erwin Panofsky, Frances Yates) ou italianos que com este dialogava (como Salvatore Settis). Compreendeu que uma concepção de mundo atravessou vários campos culturais, manifestando-se na medicina, na arte, na filosofia, na retórica, na política, na arquitetura. Qualquer compreensão da astrologia e das imagens astrais e astrológicas no Renascimento era, portanto, uma discussão sobre as tensões e disputas no campo cultural que ativavam um complexo ideológico. Uma percepção mágico-astrológica do humanismo evidencia elementos importantes de que uma “concepção de mundo” estivera sujeita a deslocamentos em função da mobilização de imagens, as quais eram sinais de um arcabouço cultural mais amplo que era a própria astrologia.

Se Garin não trabalhou na direção propriamente de uma “ciência das imagens” (iconologia), mas de uma ciência da cultura, no sentido warburguiano-panofskiano do termo, ao contemplar elementos tratados nesta última, fica evidente que o autor italiano concebe um método de trabalho amplo no qual o material de análise transcende as obras dos magos filósofos. Uma vez que a iconologia pode ser pensada como uma crítica da própria criação das imagens e dos interesses, poderes e eventos nos quais os sentidos foram gerados, Garin trata desses elementos a partir das concepções astrológicas no decorrer dos séculos XIV-XVI. Tratando as ideias e movimentos de imagens como sinais de época, no que se refere aos temas astrológicos, o italiano evidencia uma lógica do sentido como processo em mudança que não pode, evidentemente ser resumido às imagens geradas, mas que possui nelas um aspecto fundamental. O objetivo de Garin é o mesmo da iconologia, embora as imagens que ele objetiva esclarecer sejam referentes ao estatuto epistemológico das imagens no período renascentista, estatuto reconstruído a partir das categorias históricas da época. Entre textos e imagens, o autor evidencia que a astrologia era um componente do que hoje podemos chamar de cultura visual.

Considerações Finais

Flemish astronomical manuscript, c. 1800 with volvelles

Para W. Mitchell pode-se atingir e distinguir os núcleos de entendimento que uma sociedade desenvolve a partir dos processos de significação gerados por ela. Uma das operações que torna tal crítica possível é a Iconologia. Mitchell retoma, para tanto, os trabalhos inaugurais de Erwin Panofsky para demonstrar que tipo de proposta iconológica seria possível. A análise do historiador alemão sobre a perspectiva seria indicativa de uma metodologia que relaciona texto e imagem para o entendimento da “visão de mundo” de uma dada sociedade. A crítica ao trabalho de Panofsky tem visado essencialmente seu neokantismo e a visão homogeneizadora com a qual classificou o Renascimento. Panofsky teria esvaziado a Nachleben e ignorando o potencial de memória contido nas “formas patéticas”, hoje tomadas como a grande contribuição de Aby Warburg para a história da cultura. Isto seria observável ainda no famoso Saturno e a Melancolia, iniciado na década de 1930 e reformulado em 1964.

A proposta de iconologia de Panofsky, portanto, era racionalista e homogeneizante quando enquadrava a forma como as imagens e a astrologia faziam parte do mundo renascentista. Contudo, como chama atenção W. J. Mitchell, a interpretação de Panofsky parece apontar na direção importante da ligação dialética entre texto e imagem como componentes da formulação mútua dos temas e formas da cultura. Este seria o sentido primeiro da iconologia do alemão, que observaria a maneira como imagens se gestam com textos e vice-versa. Este mesmo princípio estaria contido na obra de Frances Yates na medida em que as diferentes apropriações das tradições culturais estudadas pela historiadora inglesa tratam de imagens observadas a partir de textos. Também se encontra presente na obra de Eugenio Garin, para quem temas e simbolismos culturais atuaram no universo mágico como componentes do complexo cultural mais amplo, estando na base da própria formulação das imagens.

O agenciamento de tradições aparentemente estranhas umas às outras em contextos históricos diversos é um dos traços da tradição de Aby Warburg e de estudiosos a ele relacionados. O núcleo do projeto iconológico trata as imagens como ponto de cruzamento de demandas culturais amplas nas obras de Yates e Garin. Este núcleo é a base de uma proposta iconológica tal como pensada por Micthell: um projeto de investigação cultural que toma a imagem como questão, objeto textual-visual construído no cruzamento cultural.

Eugenio Garin

Referências Bibliográficas
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O simbolismo ascensional, a Arte da Memória e a busca do método científico.

As Plêiades – Relações Interdisciplinares entre Artes Visuais e Astronomia

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Origem Clássica dos Aspectos – Skyscript

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Origem Clássica dos Aspectos

By Leigh J. McCloskey

Deborah Houlding

Este texto foi traduzido com a autorização da autora. Sua cópia, tradução e publicação só poderão serem feitas com autorização prévia.

Skyscript

Tradução:
Rachel Zaniboni
rachelzaniboni@bol.com.br

A palavra aspecto vem do latim aspicio, “considerar”. Ela é encontrada durante a Idade Média, mas antes essa palavra similar foi usada para dizer que os planetas “consideraram-se”, “contemplaram-se”, “olharam-se”, “testemunharam-se” e “viram-se”. Alguns textos tradicionais nos dizem que não é correto chamar a conjunção de aspecto, a razão é que planetas confluentes não se vêm, eles se encontram. O termo é geralmente precedido pela palavra corpórea (“físico”), enfatizando que é uma união física ao invés de uma mistura de raios. Alguns astrólogos argumentaram que o termo foi somente apropriado quando o evento ocorreu sobre paralelos semelhantes de celestial latitude, embora com mais freqüência fora usada para planetas unidos por celestial longitude somente.1

 1 Ptolomeu, em seu Tetrabilos, diz sobre isto: “…uma relação é levada a existir se isso acontece por conjugação corporal ou através de um dos aspectos tradicionais, com exceção no que diz respeito às aplicações e separações dos corpos celestes que é utilizado também para observar suas latitudes, do modo que apenas essas passagens podem ser aceitas as quais são encontradas no mesmo lado da eclíptica. No caso das aplicações e separações por aspecto, no entanto, tal prática é supérflua, porque todos os raios diminuem e convergem de toda direção no mesmo ponto, isto é, o centro da Terra”.

gráfico 1

A maioria dos aspectos menores de hoje não existiam na astrologia primitiva. O fato é que eles são incapazes de inscrever uma forma dentro da roda do zodíaco, pois os invalida de acordo com os princípios da astrologia antiga. Apenas dois deles têm uma história clássica: o semi-sextil e o inconjunct (quincúncio). A maior parte do semi-sextil foi dispensado como fraco demais para ser de influência perceptível, a razão é que o ângulo entre os signos é muito obtuso para permitir uma linha clara de visão entre os planetas: “Suas atenções são concedidas em símbolos distantes que eles podem visualizar”, disse Manilius.2 Onde isso foi usado, o aspecto foi aceito por implicar uma condição de vaga familiaridade; uma relação que era improvável por ocasionar um evento dinâmico, por sua própria conta.

2 Manilius, Astronômica, 2. 385-395.

Inconjunct (literalmente alheio) era o nome aplicado aos planetas situados cinco signos separados. Com a ausência de qualquer forma física para conectar seus signos, o próprio termo sugere um estado de aversão natural. Tal relação foi considerada lamentável ou “alheia” e os signos foram citados ao afastarem-se um do outro, indicando uma quase malévola falta de simpatia. Na literatura clássica o termo ablepton significa “sem visão” ou “cego” é freqüentemente encontrado, como é o significado de asyndeton que significa “sem conexão”, aversum “se afastou”, e alienum “desconhecido”.3

3 Ver Firmicus II. XXII e a nota 38th do tradutor (Ascella Reprints p.303). Também Horóscopos Gregos por Neugebauer & Van-Hoesen, p.13.

Naturalmente, o trígono é o aspecto mais favorável, pois a harmonia e o equilíbrio são inerentes em sua forma.4 Ele tem a capacidade de facilitar uma concordância entre os planetas, e permite-os responder uns aos outros com simpatia como permite suas naturezas. Se o resultado é benéfico ou não depende inteiramente do que os planetas trazem consigo e o que eles representam – as energias destrutivas de um Marte debilitado podem produzir uma influência catastrófica!

4 Ver Astrólogo Tradicional, edição de número 7: “Uma introdução a Numerologia Pitagórica” e edição de número 6: “Clássico Uso das Triplicidades”.

A quadratura, conhecido como o quartil ou quadrado, não era um aspecto completamente indesejável. Embora incapaz de oferecer o acordo do trígono, o fato de que os sinais têm uma “visão” forte uns dos outros o que significa que há uma familiaridade entre eles. Manilius explica que o poder do trígono é maior do que a quadratura, mas fala favoravelmente de ambos quando diz:

E o que quer que juntou em uma série os quatro ângulos favoráveis, e qualquer ponto que a linha reta marca em sua pista tripla… em cima delas tem natureza outorgada e de direito comum, a boa vontade mútua e os direitos de amizade com cada uma.5

5 Astronômica 2. 340; (Leob p.109).

 A quadratura foi tomada como inquestionavelmente prejudicial quando um planeta maléfico ou desafortunado estivesse envolvido, embora muitos textos falam da necessidade de recepção ou alguma outra forma de familiaridade para que haja uma influência positiva.

Ilustrações de os chamados aspectos “maus” são interpretados positivamente e encontrados em todo o texto do século 1º de Dorotheus de Sidon. Ele diz, por exemplo, que é melhor ter o Senhor da triplicidade da Lua em um bom lugar com a Lua ou em oposição a ela ou quartil ou trino do que ter o Senhor da triplicidade não aspectando com o ascendente ou com a Lua. O último é uma má indicação para o nativo.6

6 Dorotheus, Carmen Astrologicum, Bk I. ch.25; (Ascella Reprints p.189).

Dorotheus lembra-nos que a natureza da relação aspectual depende de um número de fatores, principalmente da força e da natureza dos planetas envolvidos. Um trino de Júpiter a Vênus pode indicar fama, ele adverte, mas se Vênus estiver afligido vai ser uma infâmia notória causada por meio de relações vergonhosas. Da mesma forma, um aspecto quadrangular não irá prejudicar se ambos os planetas estão bem colocados, dignificados e recebendo uns aos outros de forma amigável.

Dorotheus refere-se ao trígono como um aspecto de muito amor e quanto ao quartil como um de uma quantia média de amor. Tal amizade não é indicada pela oposição; este aspecto é baseado no simbolismo divisivo do número dois, é o epítome da separação e da inimizade. Apenas ocasionalmente ele é levado a representar acordo – geralmente entre as partes conflitantes que golpeiam uma aliança instável. Manilius reconheceu uma semelhança fundamental entre signos oponentes por causa de seu gênero comum, mas acrescida das mais óbvias diferenças predominantes:

…signo afrontando signo brilham opostamente, ainda por causa de sua natureza, eles são muitas vezes tidas em aliança e uma simpatia mútua surge entre eles, como eles são ligados pelo laço do gênero: …mas sobre este laço as estações prevalecem: Câncer resiste Capricórnio, embora ambas fêmeas, uma vez que o verão conflita com o inverno… Admirando-se não com os signos, portanto situados durante a batalha.7

7 Astronômica, 2. 410; (Leob p.115).

Não só é hostil, a oposição é um aspecto muito forte e contundente porque os planetas têm uma visão clara e direta do outro.

O sextil, que tem um ângulo obtuso, tem uma linha de visão frágil e sua importância foi freqüentemente subestimada pelos autores clássicos.8 Onde foi usada, sua derivação do número três determinou sua interpretação. Foi dito ser como o trino, mas mais fraco.9

 8 Firmicus, nota 39th do tradutor (Ascella Reprints p.303).

9 Dorotheus, II.17; (p.221).

Night side of Earth

 Aplicação e Desenvolvimento das Órbitas

Assumindo que planetas estão em aspecto de movimento direto e são lançados por planetas mais rápidos e recebidos por uns mais lentos. É importante observar se um aspecto está aplicando ou separando porque isso agrega valor vital descritivo para o gráfico. Geralmente, aspectos separados representam o início da vida, pessoas idosas e eventos passados; aspectos aplicáveis indicam pessoas mais jovens (aqueles nascidos após o nativo), as condições de vida mais tarde e eventos futuros.

A atitude clássica com relação a aspectos e órbitas era muito mais descontraída do que a nossa. A regra simples era a de quando dois signos estão em aspecto, todos os planetas dentro desses signos estão aspectados também, independentemente dos graus específicos. Às vezes, os picos dos signos foram usados como limites para a influência do aspecto, como nos é dito no texto do século 12 de Ibn Ezra, que afirmou que os antigos não considerariam uma conjunção entre dois planetas, embora eles estivessem em órbita, a menos que ambos também estivessem no mesmo signo. No entanto, embora Ezra tenha escrito sobre a regra ele mesmo discordou sobre isso, dizendo:

Se os dois planetas estivessem em dois signos e cada um deles estivessem na força do corpo um do outro, eles não devem ser considerados em conjunção, porque eles estão em diferentes signos. Essa é a opinião dos cientistas antigos, mas eu, Abraão, o compilador do livro, não concordo com elas.10

10 Ibn Ezra, O Início da Sabedoria, capítulo 7; Ascella Reprints, p. 209.

Na prática, a maioria dos astrólogos permitiu um aspecto que cruzou os limites dos signos onde eram perto da exatidão por grau. Também, muitos textos lembraram o estudante que imputando aspectos pelos signos sozinhos não vai necessariamente manter a filosofia das formas, o que é mais correto considerar realmente os graus. Um planeta a 28º de Leão, por exemplo, trina a um planeta a 2º de Sagitário de acordo com a relação entre os signos, mas está perto de um quadrado exato quando as posições planetárias são medidas de grau em grau. Este último é conhecido como um aspecto em partes, por considerar as “partes” (ou graus) em vez dos signos. Aspectos julgados de acordo com a relação dos signos são chamados platick, a partir de um termo que significava “placa” ou “extensa zona”.11

11 Na astrologia renascentista o termo partil geralmente referia-se a aspectos que eram exatos ou perto da perfeição, enquanto platick referia-se aqueles que eram “soltos”, ou de uma órbita mais ampla.

Na maioria dos gráficos tirados dos arquivos de Vettius Valens, procedimento padrão era aparentemente para calcular aspectos de acordo com os signos, pois ele raramente chateou-se até mesmo ao listar as posições planetárias por grau. No entanto, ele estava ciente da necessidade de considerar os graus e em um exemplo refere-se a um aspecto prejudicial que ocorre entre Touro e Virgem “porque ele está em seu quadrado, contados pelos graus”.12

12 Neugebauer & Van-Hoesen, Horóscopos Gregos, p.82. Na sua nota de rodapé os tradutores afirmam que não é possível verificar o que se entende por este comentário, revelando sua raridade no trabalho de Valens.

Orbes originados a partir de uma necessidade de determinar um limite para “perfeição” – o período de maior força do aspecto. Normalmente, isso era interpretado como o grau de exatidão, mas a opinião variava e o segundo texto do Antiochus13 do século II menciona “contato” ou “aplicação no sentido próprio”, como ocorrendo com 3º.14 O texto do século XI de astrólogo árabe al-Biruni também contém uma lista de orbes planetários que são relatados para ser copiadas a partir do trabalho do século III de Porphyrius.15 Infelizmente, atualmente nós não temos exemplos claros e inequívocos do emprego de orbes na astrologia clássica e só se pode dar um palpite fundamentado no seu desenvolvimento, baseado em informações fornecidas em textos posteriores.

13 O Thesaurus, traduzido por Robert Schmidt; editado por Robert Hand; publicado pela Golden Hind Press (1993), como parte do compromisso do Projeto Hindsight para traduzir obras astrológicas antigas.

14 William Lilly menciona este 3º de órbita sendo significativo em seu Merlini Anglici, 1677, dizendo: O aspecto partil vem a acontecer dentro da diferença de três graus – embora em outro lugar, ele define um aspecto partil exatamente para dentro de 1º.

15 Al-Biruni, O Livro da Instrução nos Elementos da Arte da Astrologia, traduzido por Ramsay R. Wright (Ascella); Notas p.255.

Em latim orbis significa literalmente “círculo” ou “esfera”, definindo uma órbita planetária como essa área do céu que prontamente o rodeia – vasta e completamente esférica de repente não está lá no céu – foi como Plínio falou da Lua.16 Alguns autores referem-se a esfera planetária como a força de seu corpo, percebendo-a como uma espécie de aura altamente carregada, invisível ao olho nu, mas mergulhada na influência do planeta.

16 História Natural II. 42; (Loeb p.195).

órbitas 1

Nós podemos ser bastante confiantes de que as órbitas do Sol e da Lua derivam da distância em que o obscurecimento ocorre durante fenômenos heliacal. A esfera tradicional do Sol de 15º – 17º é apenas sobre a distância em que planetas desaparecem de vista quando entram em conjunção com o sol. A esfera da Lua de cerca de 12 graus da Lua é o que separa os luminares quando a nova lua crescente reaparece depois da conjunção. Torna-se visível a uma distância menor que os planetas porque é um corpo mais luminoso.17 Essas imagens só podem ser aproximadas porque elas são afetadas pelo brilho das condições meteorológicas prevalecentes dos planetas. É possível que todas as órbitas planetárias originam-se de uma primeira tentativa de obscuridade heliacal. A tabela acima, por exemplo, mostra as figuras que Firmicus utilizou como determinantes por quantos graus os planetas tornam-se estrelas da manhã, que nascem antes do Sol, ou estrelas noturnas que nascem após o Sol. Com exceção do vulto dado por Mercúrio, eles têm uma estreita semelhança com a lista das órbitas tradicionais.18 Um outro argumento, no entanto, é que os limites exteriores não foram baseados de forma alguma em qualquer tipo de arco visual, mas sobre a resistência ou a superioridade dos planetas. Assim, os planetas exteriores Marte, Júpiter e Saturno têm uma influência mais proeminente, e nesse sentido foram dadas maiores órbitas que os inferiores Mercúrio e Vênus.

17 Fontes tradicionais afirmam que os planetas vão “Sob os raios do Sol” no 15º ou 17º. Lilly mencionado ambos os limites, alegando na p.113 da Astrologia Cristã que um planeta gira sob Os Raios do Sol a 17º do Sol, mais tarde se contradizendo em nota editorial tradução de Henry Coley de Guido Bonatus Anima Astrologiae. Ele afirma ali que um planeta é mais corretamente intitulado de “Debaixo dos Raios de Sol” quando é inferior a 12º do Sol; e diz-se ser “Indo Debaixo dos Raios do Sol” quando a distância é entre 1º – 15º. (Apreciação 53, p. 25).

18 Firmicus, BkII IX. Para uma ilustração detalhada de como aplicação e separação estão ligadas ao relacionamento individual entre um planeta e o Sol ver de O Princípio da Sabedoria de Ezra, Cap. 7.

No momento em que Al-Biruni escreveu seu ‘Elementos na Arte da Astrologia’, no século XI, a opinião foi acentuamente dividida sobre os “limites da finalização”. De acordo com seu comentário alguns astrólogos utilizaram um 12º auxílio de ambos os lados dos aspectos (com base no fato de que esta é a esfera da Lua); outros utilizaram o auxílio de 15º graus (a esfera do Sol): e alguns usaram a principal esfera planetária média onde quaisquer dos planetas estavam em aspecto. No entanto, outros tomaram suas lideranças de Ptolomeu, que no Tetrabiblos tinha especificado 5º de orbe para o ascendente defendendo que este deveria ser aplicado a aspectos exatos também. Outros ainda preferiram um auxílio do 6º com base no fato de que, como um quinto signo, este é a extensão média do orbe planetário.19

19 Para al-Biruni sobre órbitas ver capítulo linha 436-437, 446 e 490.

Tendo em vista a confusão, não é surpreendente que a questão das órbitas foi inteiramente evitada. Um dos primeiros textos a abordar a questão com qualquer tipo de detalhe é a do astrólogo francês Claude Dariot (1533-1594). Sua obra ofereceu uma explicação clara de como as órbitas deveriam ser determinadas, e seu método se tornou o padrão para os astrólogos da Renascença Européia.

Porção da Órbita

Como uma introdução à questão das órbitas, Dariot primeiro menciona brevemente que “utilização” pode ser dito para o 6º de perfeição. Mas ele então descreve seu sistema preferido, em que o aspecto é decidido pela órbita principal de dois planetas em questão. Ele refere-se às órbitas como círculos, radiações ou raios dos planetas, “através do qual eles podem ser unidos por qualquer conjunção ou aspecto corporal”. Ele adere aos limites planetários especificados por al-Biruni, acrescentando que estes são realmente os diâmetros das órbitas.20 Mercúrio, por exemplo, tem uma órbita total de 14º, estendendo a 7º de ambos os lados, enquanto a Lua tem uma esfera 24º estendendo 12º graus de ambos os lados. É somente com Mercúrio e o “toque” da Lua que a metade do meio de suas órbitas de conclusão (ou aplicação) realmente se inicia. Esta região do meio é chamada de “porção” da esfera, moitie é uma palavra francesa do século 15 derivada do latim medietas, significa meio. Usando os dados de al-Biruni, a porção de cada órbita é mostrada na tabela seguinte:

20 Dariot, Ad Astorum Facilis Introductio, (1593) Capítulo 7. Este texto foi publicado em folhetim sobre as questões 5,6 e 7 de O Astrólogo Tradicional.

órbitas 2

Assim, um aspecto envolvendo Mercúrio e Vênus inicia sua conclusão (ou é “em órbita”) quando os dois planetas estão 7° distantes entre si, o total das suas respectivas porções: 3½ ° + 3 ½ °. Um maior auxílio de 13½ ° é aceito para o sol e a lua (7 ½ ° + 6 ½ °), reconhecendo a importância maior dos corpos luminosos. A separação começa a ocorrer logo que os planetas passaram com exatidão, mas a influência do aspecto não está totalmente diminuída até que eles terem ido além da porção de suas esferas.

Somente no último século as órbitas determinam pela natureza do aspecto ao invés dos planetas envolvidos, um processo de simplificação que não fracassa ao aceitar que alguns planetas têm uma influência mais forte do que outros. No entanto, tão tarde quanto os meados dos anos 1940, quando Sepharial escreveu seu Novo Dicionário da Astrologia, o entendimento popular das órbitas ainda estava muito ligado com os princípios da unidade empregados pelas preferências de Dariot e Lilly.

gráfico 2

Sinister & Dexter

Trígonos, quadraturas e sextis são chamados às vezes de aspectos de dois lados em obras tradicionais, porque eles podem ser lançados para a esquerda ou para a direita de qualquer planeta.22 Se um planeta é colocado em Áries, seu quadrado para um planeta em Capricórnio é chamado de um aspecto dexter (significado de dexter a direita) e seu quadrado ao planeta em Câncer é chamado de sinister (da esquerda). A interpretação destes termos é novamente ligada à filosofia de Pitágoras e repousa sobre o modo que os sinais vêm uns aos outros. Sua visão é dita para seguir o movimento diário do céu então dexter descreve uma visão para frente natural, enquanto sinister descreve uma vista para trás tensa.

22 Al-Biruni acrescenta que quando um planeta está no Meio do Céu e tem dois aspectos sextil ou quartil onde ambos caem sobre a terra, é dito ter dois lados direitos. Se eles caem abaixo da terra eles tem dois lados esquerdos. As indicações do anterior são sucesso e vitória, Cap. 503.

O diagrama demonstra como dexter e sinister relacionam o movimento planetário. Todos os dias os planetas giram em torno da Terra de leste a oeste. Eles aparecem no horizonte leste, culminam no meio do céu e desaparecem de vista no horizonte ocidental. O movimento diurno que transporta os planetas no sentido horário em todo o céu foi primordial na astrologia tradicional, embora nos textos modernos é praticamente ignorado.23 Como já perdemos muito do entendimento geocêntrico que jaze na base do nosso simbolismo, a ênfase tem sido situada sobre o movimento anti-horário dos planetas através dos signos. Este descreve o movimento astronômico dos planetas através do zodíaco, mas perde a perspectiva dos céus conforme eles aparecem da Terra, e ignora o simbolismo essencial ligado à polaridade do dia e da noite.

23 Ptolomeu, ao falar dos dois sistemas de movimento, referiu-se ao progresso diário de uma estrela do leste a oeste como “primeiro movimento primário” (Almagesto I.8). O poeta Chaucer resumiu a sua importância quando escreveu: Causa primeira do movimento, firmamento cruel, conduzindo as estrelas com a sua oscilação diurna e arremessando tudo do leste para o ocidente, que naturalmente iria tomar outro caminho.

gráfico 3

Astrólogos clássicos, no entanto, consideraram o movimento diurno central a sua arte e chamaram-no o movimento natural do céu. Manilius explicou que, conforme um signo se eleva, seu olhar é direcionado para os signos que se elevavam antes, não para aqueles que se elevaram depois disso. Áries olha direto na direção de Aquário por sextil, Capricórnio pela quadratura e Sagitário pelo trígono:

Capricórnio vê Libra, enquanto o Áries vê Capricórnio a frente e é por sua vez visto por uma distância igual por Câncer; e este é percebido pelas estrelas da esquerda de Libra como se segue: os signos anteriores são contados como signos a direita.24

24 Astronômica, 2.290-295; (Loeb p.105).

Um aspecto dexter é, portanto, mais direto. Ele tem uma influência mais forte do que sinister e é mais provável de produzir, um efeito direto sem complicações. Um aspecto sinister, porque é proferido contra o movimento natural do céu e tem que “olhar para trás”, é mais fraco e um pouco debilitado. Os termos geralmente transmitem algo da crença antiga e generalizada cuja direção “certa” é manifesta, forte e ligada a qualidades diurnas, enquanto a “esquerda” é oculta, passiva e noturna. Daí a palavra sinister, originalmente usada para descrever algo que pertence à esquerda, passou a significar algo que é escuro, oculto e de um estado antinatural.

O Planeta Dominante

Obras clássicas também nos dizem que o planeta sobre a direita de um aspecto (ou seja, aquilo que é mais a frente em um movimento diurno) domina, vence ou se sobrepõe a outro a esquerda. (No diagrama à direita a Lua em Áries domina Mercúrio em Câncer, enquanto que Saturno em Capricórnio domina a Lua). É muito melhor ter um benéfico dominando um maléfico – deste modo reduzindo seu poder para destruir – do que ter um maléfico dominando um benéfico. Por exemplo, Dorotheus nos diz que se Júpiter domina Marte pelo quadrado, o nativo será nobre, firme, compassivo. Mas se Marte domina Júpiter eles serão mesquinhos, cansativos, fatigados e difamatórios.

Astrólogos clássicos como Vettius Valens fizeram muito uso do planeta dominante. No gráfico a seguir reproduzido ele descreve como Saturno em Aquário trouxe ao nativo um ano precário no qual ele ficou doente, escapou por pouco no mar e um processo judicial muito caro (o qual, eventualmente, ele ganhou). Valens explicou que, embora Saturno fosse angular no 7º, foi dominado por Vênus em Libra (por trígono) e Júpiter em Escorpião (por Quadratura). Então, porque os benéficos dominaram Saturno e foram os mais fortes, o infortúnio do homem foi aliviado e Saturno foi inibido de causar grave dano.26

26 O. Neugebauer & H.B Van-Hoesen, Horóscopos Gregos p. 104, No. L108, XI.

CARTA

Gráfico de Vettius Valens 108 D.C

…”ele era tudo na sua época e tinha estreita evasão no mar e tinha grandes despesas, mas o beneficiário (as estrelas) foram destinadas a estar em dominância com relação a Saturno e eram as mais fortes”.

 Em linha com esta, as casas 9, 10 e 11 de qualquer planeta foram acreditadas terem a maior influência sobre ele – especialmente a 10ª casa, que dominou o planeta da mesma forma que o Meio do Céu domina o Ascendente. Ptolomeu refere-se a este quando diz que em questão de morte as únicas casas que têm algum poder de domínio (além do ascendente e descendente) são as casas 9, 10 e 11 do ascendente, que é a questão da vida.27

27 Tetrabiblos, III.10.

Deborah Houlding é uma astróloga honorária de renome internacional, palestrante e autora. Ela editou e publicou a revista O Astrólogo Tradicional de 1993 a 2000, tem sido Editora Honorária da Revista Astrológica e Vice-Editora do Boletim de Trânsito da Associação Astrológica. Deborah teve artigos publicados em várias publicações astrológicas incluindo o Jornal Considerações, Realta Astrológico, O Astrólogo Montanha, O Praticante Honorário, e A Astrologia Trimestral. Seu livro As Casas: Templos no Céu foi nomeado na categoria Internacional do Livro do Ano dos Spica Prêmios de 1999. Visite o site do Deborah Houlding para artigos, comentários e informação sobre a astróloga horária em www.skyscript.co.uk.

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Os Limites da Astrologia – Os Prognósticos Diluvianos

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Os Limites da Astrologia

relógio astronómico by Johannes Stöffle

Fr. Antônio de Beja contra os Prognósticos Diluvianos de 1524 

Pedro Campos Franke*

 * Mestrando do Programa de Pós-graduação em História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro e bolsista da Capes.

Nas primeiras décadas do século XVI, a atenção de diversos homens de letras da Europa voltou-se massivamente para o tema dos limites da teoria da influência dos corpos celestes sobre o mundo sublunar. A chamada astrologia judiciária teve suas bases teóricas postas em questão por uma enxurrada de impressos, especificamente nos anos que se seguiram à difusão de um almanaque de prognósticos, escrito pelos astrólogos alemães Johan Stöffler e Jakob Pflaum, que previa para o ano de 1524 uma grande conjunção planetária no signo de Peixes e sugeria, a partir de tal fenômeno, uma intensa alteração climática na Terra. As previsões do Almanach nova plurinis annis venturis inserniens (1499), de caráter assaz ambíguo no que concerne aos acontecimentos climáticos concretos, foram interpretadas por alguns astrólogos como claríssimos significantes de um segundo dilúvio universal, de idênticas proporções ao ocorrido nos tempos de Noé.

Diante de manifestações de pânico coletivo e da corroboração de tais vaticínios por parte de prestigiados astrólogos europeus, coube aos filósofos naturais, teólogos e outros homens de letras (dentre eles alguns astrólogos) um consistente questionamento dos fundamentos de uma astrologia divinatória fatalista que em última instância não deixava espaço para a ação do livre arbítrio dos homens. É justamente nesta atmosfera de controvérsia que é publicado em Portugal o livro Contra os juízos dos astrólogos (1523), do frei jeronimita António de Beja.

Após uma breve introdução sobre o lugar da astrologia na época do Renascimento, veremos como Fr. António de Beja constrói em seu tratado uma argumentação fundamentada tanto no humanismo neoplatônico de Giovanni Pico della Mirandola quanto na filosofia de pensadores gregos e latinos e em interpretações bíblicas, concatenando uma crítica astrológica voltada para a ação pragmática dos intelectuais na refutação do determinismo astral em geral, e dos prognósticos sobre a conjunção de 1524 em específico.

A Controvérsia Astrológica na Época do Renascimento

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Os processos que vieram a interferir na formação da cultura científica de nosso tempo estão longe de constituir um movimento linearmente evolutivo. As tentativas de uma periodização rígida e do estabelecimento de marcos como o da Revolução Científica foram historicamente construídas a partir de modelos explicativos em constante transformação, e através dos quais não podemos deixar de perceber o embate de idéias e uma série de tensões intelectuais que são parte fundamental e imprescindível da escrita histórica.

Uma percepção clássica da formação da ciência moderna costuma opor ao florescimento de uma cultura científica no século XVII as ações obstaculizadoras, ora do movimento das idéias religiosas, ora das tradições de caráter “supersticioso” e especulativo como a magia natural, o hermetismo e a astrologia. A historiografia do século passado procurou, em grande medida, problematizar tais proposições. De um ponto de vista sincrônico, nem se faz presente categoricamente tal oposição, nem é sustentável um modelo explicativo que suponha uma linearidade na forma pela qual os embates filosófico-científicos, desde o Renascimento até o século XIX, acabaram por desestruturar o antigo sistema cósmico inspirado na física aristotélica e introduzir novos elementos à cultura científica, como o empirismo e a matematização do universo sensível. O nascimento da ciência moderna se deu, portanto, a partir da tensão entre “visões metafísicas divergentes e opostas”, e “por caminhos tortuosos e difíceis, de múltiplas e discordantes tradições.” 1

1 ROSSI, Paolo. A ciência e a filosofia dos modernos: Aspectos da Revolução Científica. São Paulo: Ed. Unesp, 1992. p. 212.

Neste sentido, a contribuição do Renascimento ao pensamento científico tem sido um dos temas mais debatidos por historiadores e filósofos da ciência, e pode-se dizer, dos mais controversos. Um forte caráter anti-naturalista do primeiro humanismo, 2 impulsionado por um novo afluxo de idéias, transformações sócio-culturais e novas traduções de textos antigos, parece indicar, grosso modo, uma aproximação de filósofos, teólogos e intelectuais em geral do Quattrocento italiano a uma cultura moral, cívica e retórica que teve seu ápice no pensamento da antigüidade latina; e um conseqüente afastamento das leituras escolásticas do pensamento grego lógico e naturalista, sobretudo o de Aristóteles, senão através de uma crítica de fato, pelo menos de uma realocação do helenismo em seu próprio tempo. De Petrarca a Marsilio Ficino e desta primeira fase até a segunda, o que se observa ao mesmo tempo é uma trajetória de idéias que se distancia da rigidez aristotélica da física natural e da lógica em direção a uma filosofia da alma, derivada das concepções neoplatônicas e centrada no elemento humano e nas formas pelas quais ele procura atuar e modificar o mundo que o circunda. 3 E é justamente a partir deste movimento que foram formuladas as mais contundentes críticas à astrologia divinatória de fins do século XV e princípios do XVI; e não, como se poderia esperar, dos primórdios de uma cultura “científica” à maneira moderna, oposta ao caráter supersticioso e supostamente anti-naturalista da astrologia. 4

2 GARIN, Eugenio. O zodíaco da vida:A polémica sobre a astrologia do século XIV ao século XVI. Lisboa: Editorial Estampa, 1988. p. 44.

3 v. Id., L’umanesimo italiano. Roma-Bari: Ed. Laterza, 1973.

4 Exemplos destas críticas são FICINO, Marsilio. Disputatio contra iudicium astrologorum. Trad. italiana de Ornella Pompeo Faracovi, Milão: RCS Libri, S.p.A., 2000; PICO DELLA MIRANDOLA, Giovanni. Disputationes adversus astrologiam divinatricem. Ed. crítica de Eugenio Garin, Florença: Valecchi, 1946-52; SAVONAROLA, Girolamo. “Trattato contra li astrologi”. In: Scritti filosofici vol. 1. Ed. crítica de Eugenio Garin e Giancarlo Garfagnini. Roma: Angelo Belardetti, 1982.

De fato, já foi amplamente discutida e demonstrada a fundamentação aristotélico-ptolomaica da prática divinatória da astrologia na época do Renascimento. 5 Aristóteles não explicita em nenhum momento de sua obra uma opinião favorável à teoria da influência dos corpos celestes no mundo sublunar, mas algumas de suas proposições acerca da incorruptibilidade dos céus, sobretudo em De caelo, De generatione et corruptione e na Meteorologica, acabaram por dar margem à interpretação de que o movimento dos astros, suas conjunções e posições, constituem não apenas signos pelos quais se pode predizer eventos futuros, como também adquirem uma relação causal com os fenômenos terrenos. A difusão medieval do Tetrabiblos de Ptolomeu constitui um dos principais suportes teóricos de tal interpretação, na medida em que o texto transformava uma lacuna na obra aristotélica em fundamento para a prática de uma astrologia conjectural, porém ainda distante do fatalismo e necessidade astrais que uma outra tradição imprimirá de forma decisiva à tradição astrológica da baixa Idade Média: 6 a dos filósofos árabes e sua particular interpretação da física aristotélica.

5 v. BROECKE, Steven vanden. The limits of influence. Boston: Brill, 2003; KOYRÉ, Alexandre. Ibid.;ROSSI, Paolo. “Sobre o declínio da Astrologia nos inícios da Idade Moderna”, In: A ciência e a filosofia dos modernos, op. cit., pp. 29-48. E para o caso específico de Portugal, v. CAROLINO, Luís Miguel. Astrologia, ciência e sociedade. Rio de Janeiro: Access Editora, 2002.

6 Vanden Broecke traduz o aspecto conjectural, e não necessário, da astrologia ptolomaica no termo “epistemic secrecy”, op. cit., pp. 20-22.

A tradição islâmica da astrologia, introduzida no ocidente a partir do século XII através de traduções das obras de Albumasar, Abenragel, Albohali e Ibn Ezra, é responsável direta pela designação de judiciária. 7 O termo passa a fazer parte da linguagem astrológica ocidental, designando uma prática astrológica que prediz acontecimentos futuros de forma fatalista, e não apenas conjetural. Ora, além de uma fortíssima fundamentação aristotélico-ptolomaica, a tradição islâmica incorporou também a noção de necessidade universal, a partir de uma releitura de proposições estóicas que haviam eliminado da física aristotélica a idéia de um futuro contingente imprevisível – que se dá indiferentemente a partir de uma causa ou de uma cadeia causal – e articulado aos signos celestes um caráter de lei, fatalista e necessária. 8

7 v. GARIN, Eugenio. O zodíaco da vida, op. cit., p. 38. e FARACOVI, Ornella Pompeo. “Indroduzione” In: FICINO, op. cit., p. 14, 15.

8 Esta tendência estóica tem como principal fundamento os escritos de Posidonio de Apaméia e se faz fortemente presente através da Idade Média árabe e bizantina. Tal tradição se relaciona à doutrina das simpatias e dos quatro elementos, e via os corpos celestes “como agentes de uma cadeia cósmica que dispunham fatalmente a vida na Terra.” (CAROLINO, op. cit., p. 48).

É através desta chave de interpretação que a astrologia judiciária pôde ganhar espaço no discurso filosófico-científico das maiores universidades européias dos séculos XV e XVI. 9 Tal interpretação estava longe de constituir um pensamento minoritário e intelectualmente depreciável e, assim como a própria filosofia aristotélica, gozava de grande respaldo e credulidade na época do Renascimento.

9 v. BROECKE, op. cit. para o caso de Louvain e outras escolas e CAROLINO, op. cit. para o caso das universidades portuguesas. v. também NORTH, John D. “Celestial Influence: The Major Premiss of Astrology” In: ZAMBELLI, Paola. Astrology Hallucinati: Stars and the End of the World in Luther’s Time. Berlim: Walter de Gruyter, 1986.

Algumas das críticas mais loquazes à astrologia divinatória durante o Quattrocento italiano partiram de filósofos estreitamente ligados ao neoplatonismo, como Marsilio Ficino e Giovanni Pico della Mirandola. Ainda que em algum momento tais autores tenham se debruçado sobre o estudo da ciência dos astros, ambos terminam por condenar sem ressalvas a prática da astrologia judiciária ou divinatória como vã, supersticiosa e contrária à religião cristã. 10 Em suas argumentações, a astrologia divinatória é refutada, entre outras razões, por ser sua prática incompatível com o pleno desfrute do livre-arbítrio dos homens, articulado por Pico e Ficino à tradição neoplatônica fundamentada nas Enéades de Plotino, que impunha às influências astrais o limite intransponível da superioridade da alma em relação aos corpos terrestres e inclusive os celestes. Segundo esta tradição – seguida de perto pelos neoplatônicos medievais e da Antigüidade tardia – os astros, sendo corpos celestes, poderiam influir nas estruturas corpóreas terrenas, mas não nas almas dos homens, sendo estas superiores e substancialmente diferentes. 11 A reflexão sobre a astrologia por parte da metafísica neoplatônica assume, assim, o ponto de vista de que a característica mais especifica e essencialmente humana dos homens é a alma.

10 v. FICINO, Marsilio. Disputatio contra iudicium astrologorum, op. cit., e a introdução de Ornela Pompeo Faracovi da mesma obra, p. 12; e a ed. crítica de E. Garin das Disputationesde Pico, op. cit.

11 v. FARACOVI, op. cit., pp. 14-20.

O jovem Giovanni Pico della Mirandola, nos últimos anos de sua breve existência acaba por dedicar-se à redação daquilo que viria a ser o mais contundente, extenso e completo tratado anti-astrológico escrito até então: as Disputationes adversus astrologiam divinatricem.12 A obra, publicada postumamente pelo sobrinho de Pico, Gian Francesco, 13 apresentava, em doze livros, refutações à prática divinatória da astrologia fundamentadas tanto em argumentações teológicas quanto filosófico-científicas. O ataque à astrologia divinatória não é desferido por Pico a partir de um “naturalismo científico”, como querem alguns, 14 e sim de uma concepção filosófica, estreitamente associada à teologia, que recusa veementemente a submissão da alma humana à influência de qualquer categoria de causa eficiente, seja ela celeste ou mundana.

12 v. ed. crítica de Eugenio Garin, op. cit.

13 v. nota crítica de Eugenio Garin em SAVONAROLA, Girolamo. “Tratatto contra li astrologi” op. cit., 1982.

14 CARVALHO, “Prefácio”, In: BEJA, Fr. António de. Contra os juyzos dos astrólogos. Coimbra: Universidade de Coimbra, 1944, p. 19.

Num livro recente, Steven Vanden Broecke propõe que, apesar do teor crítico radical das Disputationes, o verdadeiro alvo dos seus ataques não é a astrologia ou a prática astrológica em todo seu conjunto teórico e instrumental, e sim a proliferação dos prognósticos baseados na teoria das grandes conjunções de Albumasar através de toda a península itálica durante o fim do século XV, e sobretudo o impacto social que a difusão de tais prognósticos acarretava. 15 Diversos autores já chamaram a atenção para a “atmosfera de anúncios escatológicos entre conjunções e mudanças fatais” do final dos quatrocentos e início dos quinhentos. 16 É bastante razoável, portanto, que em meio a tal surto de credulidade, um grupo assaz heterogêneo de filósofos naturais, teólogos e mesmo astrólogos procurasse refutar o fatalismo dos prognósticos não apenas visando o público culto das academias e universidades, como também os setores populares da sociedade, onde estes prognósticos se difundiam com mais alarde, resultando até em “casos de pânico coletivo”. 17

15 BROECKE, “Between astrological reform and rejection: Giovanni Pico’s Disputations”, In: The Limits of Influence, op. cit.

16 GARIN, O zodíaco da vida op. cit, p. 95. v. também BROECKE, op. cit. e ZAMBELLI, op. cit. Um estudo minucioso do impacto popular das profecias foi escrito por NICCOLI, Ottavia. Prophecie and People in Renaissance Italy. Princeton University Press, 1990.

17 NICCOLI, op. cit., p. 141.

É exatamente sob esta ótica que devemos entender os tratados anti-astrológicos de cunho “vulgarizador”, escritos em língua vernácula, como o Tratato contra li astrologi, de Girolamo Savonarola e, para o caso específico a ser estudado a seguir, o de Fr. António de Beja no contexto da literatura sobre a conjunção de 1524. Estes constituem aplicações práticas e divulgadoras das argumentações desferidas por Giovanni Pico em suas Disputationes, e de outras proposições acerca dos limites da teoria da influência dos corpos celestes no mundo sublunar.

 A Conjunção de 1524 e a Crítica Astrológica de Fr. António de Beja

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Mais de uma década após a publicação do Almanach de Stöffler e Pflaum, seus vagos prognósticos acerca da conjunção de 1524 assumem proporções provavelmente nunca vislumbradas pelos dois astrólogos alemães. Com base no prenúncio de “indubitável mutação”, 18 o célebre astrólogo italiano Luca Gaurico passa a difundir a idéia de que uma tal conjunção num signo aquático seria causa de um grande dilúvio universal, nas mesmas proporções daquele descrito no Velho Testamento. 19 Em diversos lugares da Europa, seguiram-se intensas manifestações de pânico coletivo: pessoas construíam barcos, refugiavam-se nas montanhas e acumulavam provisões para sobreviver ao pretenso cataclismo. 20

 18 Apud.THORNDYKE, Lynn. “The 1524 Conjunction” In: History of Magic and experimental science vol. V. New York: The Macmillan Company, 1923., p. 181.

19 v. ZAMBELLI, Paola. “Many ends of the world: Luca Gaurico Instigator of the Debate in Italy and in Germany”, In: Astrologi Hallucinati, op. cit. pp. 239-263.

20 Sobre a imensa repercussão popular dos vaticínios diluvianos, v. NICCOLI, “A case of collective panic”, In: Prophecy, op. cit.

A partir de 1519, diversas obras passam a discutir a possibilidade de um dilúvio universal, dentre as quais o Adversus prognosticatorumde Alberti Pigghio, o De falsa diluvii prognosticatione, de Agostino Nifo e o Defensionem astrologorum iudicantium, de Miguel de Pietrasanta. Entre defesas e ataques à ciência astrológica, tais obras têm em comum a negação de um dilúvio de proporções bíblicas, ainda que aceitem em alguma medida a influência dos astros acarretando grandes inundações e tempestades locais. 21

21 Sobre toda a literatura da conjunção de 1524, v. THORNDYKE, History of Magic, op. cit.

Como já ressaltamos, as demonstrações de pânico coletivo diante dos prognósticos sobre a conjunção de 1524 22 estimularam diversos homens de letras a redigir, em língua vernácula, tratados com fins essencialmente “vulgarizadores”; por um lado refutando qualquer possibilidade de um segundo dilúvio universal, e, por outro, esclarecendo os pormenores da ciência astrológica para atacar o fatalismo astral dos prognósticos judiciários. 23 Em Portugal não poderia ter sido diferente.

22 v. NICCOLI, Ottavia. Prophecy, op. cit.

23 Alguns destes tratados: CELEBRINO, Eustachio. Dichiarazione perchè non è venuto il diluvio nel 1524, Veneza, 1524; NIFO, Agostino. Rebrobacion neuvamente ordenada contra la falta de prognosticacion del diluvio, Sevilha, 1524; SAVONAROLA, Girolamo. Trattato contra li astrologi, op. cit.

O empenho da corte de D. João III em tornar pública a falsidade da astrologia divinatória e neutralizar o alarmismo gerado pelas profecias culmina com a impressão do tratado Contra os juízos dos astrólogos, de Fr. António de Beja. O livro foi encomendado e financiado pela rainha D. Leonor, escrito em português com a intenção explícita de esclarecimento sobre a falácia da astrologia divinatória, considerando as partes da ciência dos astros que são dignas de fé.

Empregaremos aqui a edição crítica de Joaquim de Carvalho, publicada em 1944, que contém um prefácio do estudioso português a ser citado e comentado criticamente quando for cabível. As proposições de Carvalho sobre a obra de Fr. António de Beja são desferidas com excessiva desconfiança quanto a sua relevância para o debate sobre a conjunção de 1524, distanciando-o da perspectiva de um humanismo cívico e aproximando-o tão somente do ponto de vista teológico.

 A Ação dos Homens de Letras na Vida Civil e Espiritual

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O primeiro capítulo de Contra os juízos dos astrólogos traz, de forma enfática, uma justificativa do impulso “vulgarizador” que levou o autor a redigir o tratado, inserindo-se no debate com a manifesta intenção de esclarecer aqueles que menos sabem. O frade considera tal atitude necessária por parte dos mais doutos e estudiosos, tanto no que concerne à salvação das almas, quanto ao bem da comunidade; e, assim, atribui à “ignorância e pouco saber” a credulidade do vulgo em relação aos prognósticos diluvianos. 24 Contra a indevida profecia, que “se diz ser fundada em ciência astrológica”, devem agir aqueles que têm conhecimento e instrumentos para tanto, “porque, neste caso e outros que à honra de Deus pertencem, se me eu calar, diz o profeta, as pedras bradarão.” 25

24 BEJA, Fr. António de. Contra os juízos dos astrólogos. Lisboa, 1523. Transcrito e prefaciado por Joaquim de Carvalho. Coimbra: Universidade de Coimbra, 1944, p. 22. A grafia das citações foi atualizada em relação à original, para contribuir a uma maior fluência de leitura.

25 Id., Ibid. p. 23.

Seja no âmbito das justificativas bíblicas e teológicas, seja no dos “seculares negócios”, Fr. António ressalta de forma enfática o dever dos mais sábios de esclarecer e tornar públicos os temas mais controversos da sociedade: “diz Deus que se por teu calar e falta de tua doutrina, o pecador e mau se não aparta de sua maldade, ele morrerá mau, e tu não serás sem culpa de sua danação.” 26 Neste sentido, é freqüentemente invocada a importância da sabedoria para o bom funcionamento da sociedade, “bem assim o que é dotado de entendimento e dom da sabedoria, em qualquer grau que seja, é obrigado a aproveitar com ela e não deve calar, mas pregar e dizer toda cousa que pertencer ao louvor de Deus e comum proveito dos próximos” 27.

26 Id., Ibid. p. 23,24. Os grifos serão sempre meus.

27 Id., Ibid. p. 24.

O emprego da noção de “bem comum” e a exaltação do lugar social da virtude da sabedoria não se limita, no pensamento de Fr. António de Beja, a estas páginas. Tais idéias são manifestas pelo teólogo português em toda sua obra, e com um forte caráter pragmático de atuação social dirigida pela virtude intelectual. 28

28 Referimo-nos, além de Contra os juízos dos astrólogos, a BEJA, Fr. António de. Breve doutrina e ensinança de príncipes Lisboa, 1525. Transcrito e prefaciado por Mário Tavares Dias. Lisboa: Instituto de Alta Cultura, 1965.

A Refutação do Prognóstico

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Dadas as justificativas para sua douta intervenção na polêmica, Fr. António de Beja começa sua exposição formalmente escolástica, apresentando as opiniões favoráveis à significação catastrófica da conjunção de 1524, a serem posteriormente refutadas: “Pergunto se a vulgar opinião que (afirma que) será dilúvio na terra é verdadeira, e parece que sim, por duas razões” 29. A primeira destas razões tem fundamento nos escritos de Ptolomeu e sua interpretação do aristotelismo físico, e defende que “toda conjunção e ajuntamento de planetas é causa de geração ou corrupção nas cousas inferiores”. 30 A segunda opinião, compilada por Fr. António da obra de Agostino Nifo, De falsa diluvii prognosticatione, e fundamentada pelos astrólogos judiciários no primeiro livro das Meteorológicasde Aristóteles, afirma “nunca vir nem ser feito dilúvio sem algum ajuntamento ou disposição celestial que haja poder de o fazer” 31. Tal disposição ocorreria com a conjunção de planetas de qualidade úmida, que seria causa de “abundância de águas”.

29 BEJA, Fr. António de. Contra os juízos dos astrólogos, op. cit., p. 26.

30 Id., Ibid. p. 27.

31 Id., Ibid. p. 27.

Ambas estas razões, afirma o teólogo, são falsas, e deduzidas a partir de equivocadas leituras das obras dos filósofos antigos. A refutação das duas razões pelas quais se deveria crer no prognóstico começa com a contextualização de sua origem – o Almanach de Stöffler e Pflaum, que afirmam “sem temor que do tal ajuntamento há de ser feita uma grande e tão comum alteração quanto nunca ouvimos de nossos maiores que será.” 32 O prognóstico original, portanto, não se refere especificamente à possibilidade de um dilúvio, como mostra bem saber Fr. António de Beja, mas apenas a “uma grande e tão comum alteração, (…) da qual sentença tomaram estes (os astrólogos de vulgar opinião) a ousadia e disseram sem nenhum conselho que há de vir dilúvio na Terra.” 33 A essência do problema se constitui, portanto, não do prognóstico contido no Almanach, e sim a partir da “vulgar opinião” que acaba por se espalhar e atiçar os ânimos populares, “deitando juízos por que dão novas de triste alvoroço ao mundo.” 34

32 Id., Ibid. p. 28.

33 Id., Ibid. p. 29.

34 Id., Ibid. p. 28. Tanto Joaquim de Carvalho no prefácio a esta edição quanto José V. de Pina Martins no artigo “Fr. António de Beja contra a astrologia judiciária” (in: NEMÉSIO (org.), As grandes polêmicas portuguesas, Lisboa: Verbo, 1962) ignoram o fato de não ter sido o Almanach a explicitar a significação de um dilúvio universal. Pelo contrário, atribuem ao livro de prognósticos uma categórica previsão para o dilúvio de 1524, o que vimos não ser correto no item anterior.

A reação popular às profecias diluvianas constitui o motivo principal da publicação de Fr. António de Beja, que descreve alguns aspectos do alvoroço entre os nossos portugueses e naturais,

(…) postos em tanto temor que não ousam alguns edificar casas, nem fazer outros edifícios, com medo que hão pouco de durar, e outros buscam lugares postos em altos montes onde pera o dito ano se vão e acolham, outros imaginam e cuidam em seus pensamentos fazer navios e arcas em que se metam e escapem de tanta tormenta. 35

35 Id., Ibid. p. 29.

Cenas semelhantes foram descritas por fontes documentais das mais variadas procedências, muitas delas enfileiradas por Ottavia Niccoli no capítulo dedicado à conjunção de 1524, de seu livro Profezie in piazza: note sul profetismo popolare nell’Italia del primo Cinquecento. Niccoli atenta para um aspecto menos “escatológico” e mais mundano das profecias, observando que, na Itália do século XVI, a palavra diluvioseria sinônimo de alluvione (enchente), e ressaltando a recorrência de enchentes causadas por excesso de chuvas e cheias dos rios na Itália de fins dos quatrocentos e princípios dos quinhentos. 36 De fato, como referimos anteriormente, a maioria dos tratados que procuraram refutar a iminência de um dilúvio universal em 1524 acabam por ceder à aplicabilidade da influência astral que redundaria em dilúvios “particulares”, altas pluviosidades e grandes cheias fluviais. 37 A plausibilidade da ocorrência de dilúvios locais e particulares parecia ser, portanto, bastante razoável para uma boa parte da sociedade letrada e mesmo das camadas mais populares; assim como a causalidade astral de tais catástrofes menores.

36 NICCOLI, Ottavia. Prophecy and people, op. cit.,p. 142-3. Niccoli enumera nada menos que sete enchentes na região da Lombardia entre 1450 e 1500, e mais seis entre 1500 e 1550.

37 v. THORNDYKE, History of magicop. cit.pp. 193-233. Veremos que Fr. António de Beja não figura entre esta maioria – sobretudo por seguir mais de perto as argumentações anti-astrológicas de Pico della Mirandola.

Depois de distinguir os fenômenos diluvianos entre particulares e universais, António de Beja expõe as causas pelas quais os primeiros podem vir a ocorrer naturalmente, segundo Aristóteles, em cidades ou regiões específicas; a saber: simples excesso de chuvas, abundância de águas subterrâneas (o “abismo”), terremotos ou “multidão de ventos”. Através de uma ou mais destas causas naturais, pode uma localidade sofrer os danos de uma grande enchente, “e isso concedem todos. Negam, entretanto, poder se fazer naturalmente cataclismo, e universal dilúvio que venha e alague toda a terra, ou todo um reino”.38

38 BEJA, Fr. António de. Contra os juízos, op. cit., p. 35.

Possíveis e freqüentes são, portanto, os dilúvios particulares, que têm como causa eficiente fenômenos naturais, passíveis de serem identificados com base na física aristotélica. Já para os dilúvios universais, a lógica causal deve ser necessariamente outra: “Pera vir universal dilúvio na terra, não pode ser sem multidão e excesso de águas em toda ela. Isto não se pode causar naturalmente, logo, virá que naturalmente não possa chover em toda a terra”, ao menos não “sem virtude e poder de Deus”. 39

39 Id., Ibid., p. 35-6.

Adentrando a seguir uma argumentação mais especificamente astrológica, Fr. António alude pela primeira vez aos escritos anti-astrológicos de Giovanni Pico della Mirandola, a quem se refere como “varão, além de sua nobreza, digno de louvor por sua ciência e mui honestos costumes (que poucas vezes em pessoas de tanto sangue se acham juntas)”. 40 O conteúdo do livro quinto das Disputationesé evocado para que se mostre a falsidade de uma “sentença de Fr. Gregório de Módica da ordem dos pregadores, a qual divulgou em um juízo que veio da Itália, mui notório a todos e a quem se dá muita fé nesta terra”. 41 O dito juízo do monge pregador corroborava com a opinião mais freqüente entre os escritores envolvidos na polêmica – a de que a conjunção prenunciaria a ocorrência de dilúvios locais, grandes enchentes e destruição. Tais juízos constituiriam uma descabida contradição astrológica na significação de dilúvios particulares, devidamente destrinchada por Pico em suas Disputationes. Segundo esta proposição contraditória, o alinhamento na esfera celeste desses cinco planetas num determinado signo teria mais poder de influência no mundo sublunar do que cada um dos mesmos planetas agindo sozinhos, cada qual com suas próprias propriedades elementares. Fr. António contra-argumenta então que a conjunção poderia fazer “cousas novas”, mas jamais “cousas maiores”.42

40 Id., Ibid., p. 38.

41 Id., Ibid., p. 37. Não encontramos outra referência a Fr. Gregório de Módica e seus escritos, nem no compêndio de Lynn Thorndyke, nem nos livros de Paola Zambelli e de Steven Vanden Broecke.

42 Id., Ibid., p. 38, 39.

Especificamente para o caso desta prevista conjunção, acompanhada pela hipótese de dilúvios particulares decorrentes de sua influência, seria inegável, segundo os argumentos empregados por Pico, que planetas de virtude seca como Marte, Mercúrio e o Sol (não citado por Fr. Gregório de Módica, mas sim pelo prognóstico original de Stöffler) anulariam os efeitos úmidos de outros planetas como a Lua, Vênus e Júpiter. Ainda assim, veremos que ao fim e ao cabo, as proposições do conde mirandolano, corroboradas por Fr. António em seu tratado, não admitem de forma alguma tal sorte de influência astral por parte dos planetas que não o sol e a lua.

Fr. António conclui esta parte voltando aos argumentos de caráter teológico, com a certeza de que um novo dilúvio universal por mandado divino de forma alguma se concretizaria, já que teria Deus, após o dilúvio de Noé, prometido ao mesmo que tal sorte de cataclismo não ocorreria novamente. Afirma, portanto, que “se somos cristãos verdadeiros, bem devemos crer que jamais há de vir dilúvio sobre a terra, porque assim o prometeu Deus, depois daquele grande que foi em tempo de Noé.” 43

43 Id., Ibid., p. 86.

O texto remete freqüentemente à impossibilidade do dilúvio ocorrer especificamente em Portugal, segundo as proposições de Ptolomeu acerca da relação entre os signos zodiacais e as localidades geográficas da Europa. Segundo a articulação ptolomaica, assim como a Itália está submetida ao signo de Leão e a Germânia a Áries, Portugal e Espanha seriam regidos por Sagitário, o que minimizaria a influência de uma conjunção em Peixes para toda a Península Ibérica. 44

44 Id., Ibid., p. 44, 45.

Numa das passagens mais interessantes do tratado, Fr. António, ao mesmo tempo em que condena o alarmismo escatológico das profecias diluvianas, redige um enfático sermão de teor moralizante sobre a proximidade do fim do mundo e os seus “sintomas”, que se fazem notar através da degeneração dos costumes de seu tempo. Apesar de ser falso o prognóstico do dilúvio, é certo o merecimento de uma catástrofe semelhante por parte das gentes corruptas, para que os “não honestos costumes e desvairadas maldades das gentes sejam castigadas com tristes e espantosas penas em os perpétuos fogos do inferno”. Fr. António compara os maus costumes da época do dilúvio bíblico com os de seu próprio tempo, concluindo “não ser agora menor malícia na terra, nem são nestes tempos nossas vontades e desejos menos inclinados ao mal” e, dirigindo-se à rainha D. Leonor, pergunta:

que cousas (excelentíssima senhora), podiam ser naqueles dias de tanta ofensa pera Deus que agora mais não haja? (…) Presentes são a nós tantas maldades quantas nunca puderam ser. Não faltam agora escusadas tiranias nos reis, nem pouco justas e encobertas opressões e peitas no povo, más governações e irosos mandadores. 45

45 Id., Ibid., p. 47.

O clima de renovação moral com o qual são desferidas tais palavras constitui, como tentei demonstrar no primeiro capítulo, uma característica marcante do humanismo luso. Sua intensidade aumenta em meados do século XVI, sobretudo em nomes como André de Resende, Aires Barbosa e Garcia de Resende, movimentando-se freqüentemente para o âmbito do reformismo das estruturas eclesiásticas e da sociedade civil.

Fr. António de Beja articula tal sermão moralizante ao propósito anti-astrológico de sua obra, vociferando contra os astrólogos judiciários que,

buscando seu próprio e particular proveito, seguindo seus maus desejos, chamam-se doutores e mestres, por que havendo por estes nomes autoridade entre as pessoas de pouco saber, com sua falsa conversação, falem doces palavras, dizendo a uns o que há de vir, (…) tirando-os da verdade, os façam assim tão familiares, que dêem crédito às fábulas, e fingidas novidades, que cada dia quiserem dizer. Destes fuja todo cristão! 46

46 Id., Ibid., p. 48.

Na primeira parte de seu breve tratado, Fr. António se mostra muito mais interessado em refutar qualquer possibilidade de um dilúvio, e sobretudo um que possa atingir o reino de Portugal, do que em constituir uma sólida crítica à astrologia nos moldes das Disputationes de Pico della Mirandola. De fato, tal aspecto é marcante na redação de todo este tratado. Seu autor não escreve do mesmo ponto de vista dos astrólogos que polemizam entre si sobre as teorias conjuncionistas, ou mesmo dos filósofos naturais que procuram atacar tais teorias, mas tampouco remete pura e simplesmente à defesa dos interesses teológicos que procurariam refutar os prognósticos apenas quando encontram-se ultrapassados os limites da providência divina e da doutrina cristã. 47 Fr. António de Beja escreve com um intuito divulgador, e esclarecedor das falsidades de uma ciência que considera vã e supersticiosa, com a finalidade de amainar o pânico difundido nas gentes de Portugal, em específico.

47 Esta é a opinião de Joaquim de Carvalho, manifesta enfaticamente no prefácio que escreveu para a edição de Contra os juyzos dos astrólogosde 1944.

As Duas Faces da Astrologia

Johann de Sacrobosco Textus spherae materialis, Leipzig, 1509.

Fr. António de Beja dedica à parte segunda e principal de Contra os juyzos dos astrólogos uma explanação detalhada da astrologia, dividindo-a em duas partes, como era habitual: o estudo contemplativo do movimento dos astros – ciência verdadeira e parte integrante das sete artes liberais – e a arte de adivinhar o futuro a partir dos movimentos celestes – falsa ciência, supersticiosa e condenável. O teólogo jeronimita realiza um amplo e sólido compêndio sobre a ciência dos astros, fundamentando-se em filósofos gregos e latinos da Antigüidade, nos grandes doutores da Igreja e em autores renascentistas como Giovanni PicoAgostino Nifo.

À verdadeira ciência astrológica, “uma das sete artes liberais, que a sutil invenção do juízo humano achou porque usando delas houvesse virtuoso exercício e viesse em conhecimento de outras mais excelentes doutrinas”, 48 opor-se-ia uma falsa ciência divinatória, equivocada tanto pela natureza vil daqueles que a inventaram (os cananeus, povo amaldiçoado por Deus), quando pela falta de precisão de seu método – argumentações basicamente compiladas das Disputationes de Pico.

48 Id.. Ibid., p. 50.

Acerca da efetiva influência das propriedades astrais sobre os corpos terrenos, Fr. António recorre à opinião de São Tomás de Aquino, apenas para concordar parcialmente com ele. O frade concede aos depoimentos astrológicos de São Tomás apenas no que toca ao tema do livre-arbítrio – assunto que ocupa um lugar privilegiado em toda a obra do teólogo português – porque “nenhuma estrela tem poder sobre as obras humanas que procedem do livre arbítrio, (…) e posto que pera isso bem concede (São Tomás) que os podem mover e inclinar alguma cousa, não empero em tanta maneira que os constranja fazê-las se eles não quiserem”. Segundo a opinião de São Tomás, “se algum usa do juízo das estrelas pera por elas saber algumas cousas futuras que se causam e procedem dos corpos celestiais, como são securas e chuvas, (…) não é ilícito usar do conhecimento e uso das estrelas”. 49 Sobre a constatação de São Tomás, Fr. António adota a ressalva crucial de Giovanni Pico, corroborada por Savonarola, admitindo ser verdadeira tal influência apenas por parte dos “dous luzeiros do mundo, convém a saber: o sol e a lua, que somente hão poder de fazer estas mudanças de tempos e cousas temporais, cá as outras (estrelas) em estes pouco ou nada obram em nós”. 50

49 Id., Ibid., p. 66.

50 Id., Ibid., p. 67, 68.

A negação da influência dos corpos celestes que não o sol e a lua, portanto, é adotada de forma radical por Fr. António de Beja, identificando-se com a opinião de Pico, Savonarola, e aqueles que “não querem conceder que as estrelas têm alguma outra coisa mais que luz e movimento do céu em que estão”, 51 e afastando-se da opinião majoritária dos astrólogos envolvidos na polêmica diluviana.

51 Id., Ibid., p. 69.

Ao longo de toda uma longa exposição escolástica sobre os erros da astrologia judiciária, Fr. António nunca se abstém de lembrar aos leitores quanto ao principal propósito do tratado – o de refutar o prognóstico diluviano e atacar a irresponsabilidade dos astrólogos, mais interessados na “glória, fama e proveito temporal” do que no bem estar de seus próximos, exercendo sua falsa arte “pera que, dizendo muitos erros conformes ao desejo dos pouco sábios, sejam deles tidos em muita honra e estima, e alcancem por isto algum proveito temporal”, 52 e “cá fingem estar cheios de divindade e com uma enganosa astúcia dizem e pregam aos homens cousas que hão de vir”. 53

52 Id., Ibid., p. 64.

53 Id., Ibid., p. 69.

Mais adiante, como que celebrando e valorizando seu próprio trabalho de esclarecimento, refere-se ao livro que então escrevia:

por ventura quis o sumo Deus que este pequeno livro em nosso Portugal se fizesse agora, para que, sendo por ele sabida a verdade, não houvesse em os belicosos portugueses menos poder pera resistir aos publicadores de tanto alvoroço do que houve nas outras partes, de que sempre foi lançada, e isto não por outra causa salvo porque por sua incerteza era geradora de muitos alvoroços e falsidades. 54

54 Id., Ibid., p. 85.

Tais manifestações parecem confirmar a hipótese de que Contra os juyzos dos astrólogos, além de compilar das Disputationes e de outras fontes uma explanação detalhada dos pormenores da astrologia e sua parte judiciária, servia principalmente ao propósito de divulgação e esclarecimento sobre as falsas profecias, dirigido sempre à percepção crítica do papel que exerciam os astrólogos defensores das teorias das grandes conjunções na sociedade da época do Renascimento, na qual gozavam de ampla credulidade e tinha sua prática grande respaldo, tanto em meio ao vulgo, quanto entre os homens de letras e os governantes.

Como vimos na primeira parte do presente capítulo, a crítica astrológica do final do século XV e princípio do XVI parte predominantemente de um impulso que se encontra tanto ou mais no plano moral que no científico. Tal é o caso do ataque à astrologia de Pico della Mirandola, e também de Marsilio Ficino e Girolamo Savonarola. Mesmo as opiniões mais moderadas, lançadas no debate sobre a conjunção de 1524 por astrólogos e filósofos naturais, colocam ênfase na falsidade das profecias de um dilúvio bíblico, ainda que adotem sem grandes ressalvas a teoria da influência dos corpos celestes no mundo sublunar, concordando com a significação de enchentes e dilúvios particulares.

Contra os juyzos dos astrólogos traz visivelmente a urgência de tal impulso moral em sua refutação astrológica. Ao mesmo tempo em que compila argumentações técnicas e específicas sobre a ciência dos astros para comprovar a falsidade de sua parte divinatória – no que de fato extravasa o propósito inicial de refutação do cataclismo – Fr. António dirige uma poderosa exortação aos homens de letras seus “naturais” para que passassem a fazer com afinco aquilo que então levava a cabo: a interferência dos sábios e daqueles ligados às “cousas intelectuais” nos grandes temas da sociedade de seu tempo, sobremaneira através de publicações impressas. O que novamente manifesta em seu epílogo:

Não é minha intenção escandalizar alguma pessoa em particular, mas mostrar a verdade, que o dizer e autoridade de tantos doutores e santos como nesta aleguei me ensinaram, e se algum alumiado por graça divinal achar neste caso doutrinas mais saudáveis, publique-as!Porque minha intenção foi, como disse, espertar os que mais sabem, e a quem isto não satisfazer, contente-se com um dito de meu padre São Jerônimo que, escrevendo das pessoas a quem nenhum bom dizer contenta, diz: Quem não quiser beber água clara, beba a cheia de lama. 55

55 Id., Ibid., p. 103.

Considerações finais

Hieronymus Bosch_Extraindo a Loucura

 A obra de António de Beja foi escassamente discutida pela historiografia portuguesa do século XX. Sobre Contra os juyzos dos astrólogos, apenas dois estudos mais vultuosos se destacaram. O primeiro deles é o prefácio de Joaquim de Carvalho à edição que organizou do livro em 1944. Apesar do esforço em concretizar a publicação e de um aprofundado levantamento de fontes sobre a polêmica, o estudo de Carvalho diminui o valor do pensamento de Fr. António com excessivo ceticismo e com uma coleção de lugares comuns historiográficos que, tendo em vista o brilhantismo de tal pesquisador, só podemos atribuir ao contexto historiográfico específico de sua redação. O filósofo português atribui a autoria do tratado a uma “mente de formação medieval”, esvaziando-o de qualquer conteúdo de caráter humanístico. 56

56 CARVALHO, Joaquim de. Posfácio à edição de Contra os juyzos dos astrólogos. p. 114.

Duas décadas depois, José Vitorino de Pina Martins, como que para atualizar e corrigir as proposições de Carvalho, publica o artigoFr. António de Beja contra a astrologia judiciária”, em que de fato atribui uma essência humanística ao tratado anti-astrológico, ressaltando seu débito em relação à cultura italiana do Quattrocento, sobretudo ao pensamento de Pico della Mirandola. 57 Entretanto, não é apenas à “dependência ostentada pelo frade em relação a Giovanni Pico della Mirandola”, a qual “inculcaria a sua abertura ao Humanismo italiano”, 58 que se deve a aproximação de Fr. António à cultura humanística. De fato, podemos vislumbrar no pensamento de Fr. António de Beja um ímpeto ativamente moralizante e uma visão privilegiada do papel dos homens de letras na cultura impressa da época do Renascimento, características que, nas formulações acima comentadas do teólogo jeronimita, claramente podemos atribuir a uma associação estreita com uma nova concepção sobre o lugar do homem no mundo.

57 MARTINS, José V. De Pina, “Frei António de Beja contra a Astrologia Judiciária”, In: As grandes polêmicas portuguesas, vol. 1. Lisboa: Verbo, 1963, p. XVIII.

58 MARTINS, José V. de Pina. “Joaquim de Carvalho: historiador da Cultura Portuguesa”, In: CARVALHO, Joaquim. Obra Completa, vol. 2. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1982, p. XVIII.

É evidente que o presente artigo procurou analisar algumas idéias e proposições manifestas através de uma herança textual, cuja repercussão, de que não se tem de fato notícia alguma, não está, e não poderia estar, dentro dos limites de nosso objeto. Como e para que buscar, então, em livros “ignorados dos contemporâneos e esquecidos pelos confrades, sem rastro de memória entre os cronistas”, 59 aspectos elucidativos dos primórdios de um humanismo português?

59 DIAS, José Sebastião da Silva. A política cultural na época de D. João III, vol. 1, Coimbra: Universidade de Coimbra, 1969, p. 178.

A resposta talvez resida na hipótese de que aqueles livros “signifiquem já algo de novo na história da nossa cultura”, 60 ou talvez a vislumbremos por detrás das próprias palavras de São Jerônimo, colhidas por Fr. António: “quem não quiser beber água clara, beba a cheia de lama”.

60 MARTINS, Ibid., p. XVIII.

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Observação e Previsão em Astrologia Antiga

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Observação e Previsão em Astrologia Antiga

Daryn Lehoux

ehoux@queensu.ca

História do Programa de Ciência e Tecnologia, Universidade do Colégio do Rei, Halifax, NS B3H 2A1, Canadá

Tradução:
Rachel Zaniboni
rachelzaniboni@bol.com.br

Introdução

Qual o papel que a observação de fenômenos astronômicos desempenha no mecanismo preditivo do antigo astrônomo/astrólogo? Esta questão será explorada olhando para os usos astrológicos de uma família de textos e instrumentos conhecidos como parapegmata, e, em seguida, comparando-os com outros tipos de texto astrológico. Ao contextualizar um determinado dia ou data em um ciclo temporal maior, estes instrumentos foram utilizados para prever fenômenos naturais como o clima, e para regular as práticas agrícolas. Esta tradição encontra paralelos em várias tradições diferentes de presságio, comuns em todo o antigo Mediterrâneo e Oriente Médio, onde diferentes tipos de eventos aleatórios (incluindo eventos astronômicos, como eclipses) frequentemente tinham um significado sinistro. Por volta do século V A.C, entretanto, a astronomia havia se distinguido das outras tradições de presságio através do desenvolvimento de métodos para prever até mesmo os eventos astronômicos de onde provêm seus presságios. Mas a própria adoção destes novos métodos de previsão serviu para canonizar o calendário e o caráter dos eventos astronômicos, o que significa que os textos e ferramentas de astronomia cedo se tornaram, de certa forma, normativos. Agora, ao fazer suas previsões, o astrônomo/astrólogo (apesar de sua retórica ao contrário) pode ser visto ao trabalhar principalmente a partir de textos e instrumentos, ao invés de partir de observações do mundo natural.

Isto significa que o sinal real observado ao fazer uma previsão é não mais um fenômeno estelar. Em vez disso, o fenômeno estelar funciona como o sinal na teoria, mas não na prática, de previsão astrológica. O sinal na teoria é agora um texto, uma tabela, ou um instrumento.

I. Astrometereologia e práticas relacionadas no mundo clássico

NGC 1999 South of Orion

Astrometeorologia é o ramo mais antigo da astronomia/astrologia na tradição grega. Já em Hesíodo (700 A.C), que está entre os primeiros autores gregos existentes, encontramos:

Cinquenta dias após o solstício,
com a chegada do final da temporada de calor farto,
que é o tempo para os mortais velejarem…
Então são os ventos regulares e o mar propício.

(Op., 663 f.)1
1 Todas as traduções são minhas com exceção de indicações contrárias.

Aqui nós temos uma previsão sazonal para o clima propício a navegação, programado de acordo com um fenômeno astronômico. Outros tipos de marcadores sazonais astronômicos transformam-se em contexto agrícola:

Ao nascer do surgimento das Plêiades,
iniciar a colheita, e você deve lavrar quando
eles se estabelecem.

(Op., 597-8)

Exortar os escravos para debulhar milho sagrado de Deméter
quando Órion forte apareceria pela primeira vez.

(Op., 383-4)

Na ausência de um calendário solar, tais observações dos levantes anuais e configurações das estrelas fixas permitiram ao agricultor antigo ou ao marinheiro situar o dia atual no contexto do ano solar e suas estações. Quando arar, quando plantar, quando podar, quando colher, e quando era mais seguro aventurar-se no oceano, são todas indicadas por fases estelares, em vez de, como seria fazê-lo, de acordo com o calendário. Por exemplo, jardineiros no meu bairro sabem que não se devem plantar plantas anuais antes do fim de semana prolongado de Victoria (por volta do dia 24 de maio), mas poderíamos de maneira igualmente eficaz plantar utilizando uma fase estelar. Na ausência de um calendário tão eficaz no rastrear o ano solar como o calendário gregoriano é, as fases estelares seriam mesmo o melhor escolha.

As versões antigas mais bem articuladas desse tipo de prática podem ser encontradas em textos agrícolas romanos como Virgílio nas Geórgicas, Varro, (ambos I A.C) Columella, e Plínio, o Velho (ambos I D.C). Mas o núcleo da tradição já tinha sido estabelecido pelo terceiro ou segundo século A.C no que se tornou a ferramenta arquetípica para realmente fazer astro-meteorologia: algo chamado de parapegma.

latium_parapegma_1

The Latium parapegma and the nundinal days

Um parapegma é um instrumento para manter o controle de ciclos temporais de um tipo ou de outro. Numa inscrição parapegma, são perfurados buracos em uma pedra ou numa parede, e um pino/estaca é movido de um furo para o outro a cada dia (esta é a origem do nome parapegma, de παραπήγνυμι, “o pino ao lado”). Astronômica, astrológica, e/ou informação astrometeorológica está inscrita ao lado de cada buraco. Olhando para o parapegma num determinado dia, o leitor procura o pino e lê a inscrição de acompanhamento. Assim, dia a dia, as faixas do parapegma acompanha o ciclo astronômico,  astrológico, e/ou astrometeorológico. Ao todo temos cerca de 60 parapegmata ainda existentes, em vários estados de conservação que foram pormenorizadas por Ptolomeu completa e excessivamente (Phaseis), em seus restos fragmentários de grafite.

Vejamos um exemplo. Em 1902, fragmentos do segundo ou primeiro século antes de Cristo de inscrições em mármore parapegma foram escavados no teatro em Miletus. Nelas, vemos buracos (●) para um pino móvel que foi deslocado de um buraco para cada próximo dia, e ao lado da maioria dos orifícios, algumas previsões astronômicas e meteorológicas para esse dia.

(●) Capella define acronicamente de acordo com os filipinos e egípcios.

(●) Capella define na noite de acordo com o calcâneo indiano. (●)

(●) Aquila eleva-se na noite de acordo com Εuctemon.

(●) Arcturus define na parte da manhã e há uma mudança no tempo de acordo com Euctemon. Neste dia Aquila eleva-se à noite também, de acordo com os Filipinos.6

6 Minha tradução aqui é baseada na minha nova edição dos fragmentos atualmente em preparação.

Vemos aqui que várias fontes são citadas: Euctemon, Eudoxo, Filipinos (provavelmente Filipinos do Opus, o aluno de Platão), os Egípcios e Callaneus o índio. Em outra parapegmata encontramos atribuições ao astrônomo Hiparco de Rodes (o mais importante dos antecessores gregos de Ptolomeu), Meton de Atenas e Cálipo (ambos associados com o desenvolvimento de ciclos luni-solar), e até mesmo a Demócrito, Varro, e Caesar (provavelmente Julius, embora possivelmente Germanicus).7 Essa lista começa a nos dar um senso não só da grande variedade de fontes desenhadas por essa tradição, mas também de quão disseminado esta era. Eu já tinha mencionado Hesíodo, Virgílio, Columella, e Plínio, o mais velho em conexão com a astrometeorologia, e sem ser exaustivo eu poderia acrescentar a esta lista Ptolomeu, Arato, Cícero, Ovídio, Petronius, Diodoro Sículo, Galeno,e o Corpus hippocraticum, Proclus, e Sexto Empírico. Temos aqui uma tradição que teria sido familiar a praticamente qualquer pessoa na antiguidade, de poetas a agricultores, e de estudiosos a marinheiros.

7 A questão de saber se o Caesar aqui refere-se a Julius ou Germanicus é uma questão em aberto. A primeira menção em um parapegma é de Ptolomeu, Phaseis (2 D.C). Este, e parapegmata posteriores não dão nenhuma informação além do nome “Caesar”. Especulação em última análise recai sobre um julgamento quanto à ponderação de uma das duas possibilidades: ou Júlio César, em algum tipo de conexão com a reforma do calendário, pode ter deixado algum material que foi posteriormente incorporado a parapegmata sob seu nome (Plínio parece sugerir tanto a NH XVIII.211), ou a tradução de Caesar de Aratus de Germanicus (atestada mas agora perdida) pode ter incluído (ou sido relacionada) ao novo material mais tarde incorporado na tradição “parapegmática”.

A tecnologia básica do parapegmata foi adaptada para diferentes usos na antiguidade. Na época romana, começamos a ver parapegmata astrológica, bem exemplificada pelo Thermae Traiani Parapegma (fig. 1). Esta foi descoberta como um grafito em uma casa romana perto dos banhos de Trajano. A casa em si tinha sido convertida pelos cristãos em um santuário de Santa Felicità. O único desenho que temos do parapegma foi feito no início do século XIX, e o parapegma em si parece ter desaparecido ou sido destruído algum tempo logo após isso. Uma cópia de terracota, feito a partir do original ou a partir da ilustração, transformou-se em Würzburg, e um molde de gesso desta cópia e foi encontrado em Roma no início dos anos 80.

Na parte superior do parapegma, vemos imagens de cinco das sete divindades da semana astrológica, lendo da esquerda para a direita: uma lacuna (onde Saturno deveria estar), então Sol, Lua, Marte, Mercúrio, um espaço em branco para Júpiter (deliberadamente apagado?), e Vênus, em sua ordem astrológica normal. Os números de I-XV correm verticalmente pelo lado esquerdo e, a partir de XVI-XXX abaixo pela direita. Um buraco parece surgir logo acima e à direita do buraco para XXX, mas este é provavelmente um artefato do copista ou então danos da ferramenta. No meio do parapegma estão os signos do zodíaco, com dois buracos perfurados por sinal. Lendo no sentido anti-horário a partir da direita do topo: Áries, Touro, Gêmeos, Câncer, Leão, Virgem, Libra, Escorpião, Sagitário, Capricórnio, Aquário e Peixes. Um pequeno fragmento de um pino/estaca de osso foi encontrado em uma das perfurações para Gêmeos. Havia três pinos em uso neste tipo de parapegma, um para rastrear os dias da semana, um para controlar o movimento de ambos, sol ou lua (não está claro qual) através dos signos do zodíaco, e um para manter a par os dias da lua.11

11 Os dias da lua são um importante indicador astrológico de tempos propícios para certos tipos de atividades, não menos do que eram as tarefas agrícolas, como vemos em Plínio e Virgílio. Virgílio, por exemplo, nos diz que o décimo sétimo dia da lua é propício para o plantio de videiras, o nono dia é sorte para os fugitivos, mas azarado para os ladrões, e que o quinto dia é azar para todo tipo de trabalho. Para mais detalhes, consulte Lehoux, 2000, p. 148-150.

Parapegmata inscricional têm sido geralmente visto por historiadores modernos como sendo o mais antigo tipo de astroparapegma meteorológica, apesar de eu ter argumentado em outro lugar que essa tese deve ser tratada com cautela, pois é subdeterminada por evidência histórica. O mais antigo parapegma inscricional (a parapegma cerâmica) não é astro meteorológica, e o mais antigo parapegma astrometeorólogico existente é metereológico (parapegma P. Hibeh).

Literatura parapegmata funciona um pouco diferente do que o parapegmata inscricional como vimos. Onde as inscrições utilizaram pinos e buracos para acompanhar o ciclo meteorológico ou astrológico, parapegmata textual usa um tipo de calendário para executar a mesma função. Mas calendários gregos são notoriamente instáveis e não se alinham com o ano solar muito bem de ano pra ano. Para contornar esta situação, os pragmatistas literários usam calendários solares, como o Alexandrino e o Juliano.15 Assim, no Phaseis de Ptolomeu nós vemos:

Mês de Thoth

1st. 14 ½ horas: 16 a estrela na cauda de Leo sobe. De acordo com Hiparco os ventos etesianos param. De acordo com Eudoxo chuvoso; trovão; os Etesian Winds param.

2nd. 14 horas: a estrela na cauda de Leo sobe, e Spica desaparece. De acordo com Hiparco há uma mudança no clima.

3rd. 13 ½ horas: a estrela na cauda do Leo sobe. 15 horas: a estrela chamada Capella eleva-se à noite. De acordo com os egípcios os ventos etesianos param. De acordo com Eudoxo ventos variáveis. De acordo com Caesar vento; chuva; trovão. De acordo com Hiparco o vento leste sopra.

4th. 15 horas: a estrela mais recuada do conjunto de Eridanus aparece. De acordo com Cálipo é tormentoso e os ventos etesianos param.

5th. 13 ½ horas: Spica desaparece. 15 ½ hora: a estrela brilhante de Lyra define-se na parte da manhã. De acordo com Metrodoro ar ruim. De acordo com Conão os ventos etesianos cessam.

6th. 15 ½ horas: a estrela brilhante na garra do sul (de Escorpião) desaparece. De acordo com a névoa egípcia e ardor, ou chuva, ou trovão. De acordo com Eudoxo vento; trovão; ar ruim. De acordo com Hiparco vento; vento sul.

7th. De acordo com Metrodoro ar ruim. De acordo com Cálipo, Euctemon, e Felipe ar ruim e instável. De acordo com Eudoxo chuva; trovão; ventos variáveis.

15 Ambos calendários Alexandrino e Juliano são de 365 dias com um ano bissexto inserido a cada 4 anos. O calendário Juliano foi inaugurado por Júlio César em 45 A.C, e usou os nomes dos meses romanos tradicionais, mas substituiu o antigo Quintilis com Julius, e (após de 8 D.C) Sextilis com Augusto. O calendário de Alexandria foi o calendário civil do Egito romano. Ele costumava usar nomes egípcios do mês (Thoth, Phaophi, Hathyr, etc.). Cada mês tinha 30 dias, e havia cinco dias extras (epagômenos) no final do ano (ou seis em um ano bissexto). Foi inaugurado em 26 ou 30, A.C.

Geminus é a exceção à regra de que parapegmata literário incorporam calendários, em que ele não usa um calendário total, mas em vez disso usa o movimento do sol através do zodíaco como um índice do ano solar. Veja Lehoux, 2000, p. 89. Contraste esses argumentos com o consenso geral que vê o esquema zodiacal em Geminus como calendrical.

16 Significado “Para a latitude onde o dia mais longo é 14 horas e meia”.

Aqui o usuário, sabendo a data, olha para a situação astrometeorológica correspondente. Em face disto, isso parece bastante simples, mas como são as associações entre as fases estelares e as feitas pelo tempo?

II. Dois tipos de reivindicação observacional

Sexto Empírico, em seu Adversus Mathematicos, começa seu ataque contra os astrólogos por esquivarem-se de um determinado grupo de praticantes, a fim de excluí-los de seu ataque céptico. Esses praticantes são aqueles que observam as estrelas fixas, a fim de prever o tempo (os astrometeorologistas). Sexto nos diz que eles são excluídos da sua crítica em virtude da sua metodologia: Onde os (horoscópos) astrólogos que ele vai analisar todos baseiam seu trabalho nas contas hipotéticas (e, portanto, incertas) de causalidade estelar, os astrometeorologistas distinguem-se trabalhando rigorosamente a partir da observação. Como Sexto coloca:

Ele agora está diante de nós para inquirir sobre astrologia, ou a arte matemática, (pelo qual eu) não significo a prática completa de aritmética e da geometria relacionados… nem a capacidade preditiva dos seguidores de Eudoxo, Hiparco, e outros tais homens, que também a chamam de “astronomia”, pois esta é a observação de fenômenos, como na agricultura e na navegação, a partir da qual é possível prever secas e chuvas, pragas e terremotos, e outras tais mudanças atmosféricas.

(Adversus Mathematicos)

Desde as correlações apresentadas pelo astrometeorologista entre as fases estelares (os levantamentos anuais e as configurações das estrelas fixas) e o tempo são observacionais, e não teórica, Sexto – conhecido como Empírico, afinal- não tem qualquer objeção a eles.

E Sexto não é a única fonte para fazer uma reclamação para a fundação da observação de astrometeorologia. Nós encontramos uma reivindicação de observação forte também em Geminus:

As previsões reais de mudanças no clima nos parapegmata não acontecem por causa de algum tipo de regra regular, nem que sejam calculados por algum ofício, (como se) os efeitos das estrelas fossem limitados. Pelo contrário, a harmonia foi percebida por observação diária do que geralmente acontece, e (alguém) a escreveu no parapegmata.17

17 Um leitor perguntou se a alegação de Geminus que os dados em parapegmata não são calculados por um “ofício” (τέχνη) e sim podem ser uma forma de rebaixar astrometeorologicamente como uma forma de conhecimento. No contexto do argumento de Geminus, porém, acho que este não é o caso. Geminus nunca é o mais filosoficamente o mais cauteloso dos escritores e eu acho que τέχνη desliza aqui por vez inocentemente. Ele só parece estar atraindo um contraste entre correlações derivadas teoricamente e observacionalmente. Seu argumento no capítulo destina-se a rejeitar uma correlação teórica entre estrelas e o tempo improcedente. Ele não rejeita, contudo, a correlação observacional, nem parece tentar rebaixá-la como só uma espécie de conhecimento.

(Elementa Astronomiae)

Assim também Ptolomeu diz-nos em seu Phaseis que as previsões do tempo são derivadas de observação, e ele mesmo diz onde cada um de seus observadores fez sua observação:

… e (sobre) aqueles (autores), que escreveram as mudanças no clima, diferenças acontecem ao observar em locais diferentes, e para climas diferentes.

(Phaseis)

E depois,

… Os egípcios observados aqui; Dositheus em Cos; Philippus no Peloponeso, Locris, e Phocis; Cálipo no Helesponto; Meton e Euctemon em Atenas, o Cyclades, Macedônia e Thrace; Conão e Metrodoro na Itália e Sicília; Eudoxo na Ásia, na Sicília, e Itália; Caesar na Itália; Hiparco na Bitínia; e Demócrito na Macedônia e Thrace.

 (Phaseis)

Na literatura secundária moderna, encontramos também frequentemente, se casualmente, aceitação da centralidade da observação na tradição parapegmática. Mas distinguiremos dois sentidos diferentes de observação neste contexto. A observação reivindica quando a encontramos nos textos antigos (e poucos mais modernos) funciona como parte da justificativa epistemológica da astrometeorologia, mediante a apresentação de um núcleo de dados empíricos que a tradição é supostamente baseada. Neste sentido, a observação é central para a correlação entre as fases originais estelares e particulares previsões do tempo: esta fase estelar e este fenômeno meteorológico foram observados para coincidir, em algum ponto histórico no tempo, por tal e tal autoridade. Esta é como os antigos compreendiam as atribuições de acordo com o “x” que encontramos tão comumente em parapegmata.

O segundo senso de observação está confinado a literatura moderna, e tem a ver com a utilização real do parapegmata. Ao contrário do famoso pacote de palitos de Douglas Adams, a parapegmata antiga não vem com instruções de utilização. Mas como era utilizada por eles nos parece em face disso, simples e óbvio. Autores modernos geralmente supõem que um astrônomo, ou pelo menos um observador astronomicamente consciente, sairia em uma noite especial ou manhã a observar quaisquer levante estelar ou nota explicativa. Ele ou ela iria em seguida, virar para uma parapegma onde a fase estelar observada seria olhada para cima e a previsão do tempo encontrada.

Por exemplo, ao argumentar que o parapegmata usam aparentemente duas fases verdadeiras, Bowen e Goldstein dizem:

… tendo em conta que o valor prático de um parapegma reside no seu tratamento de eventos astronômicos no horizonte como sinais ou indicadores e correlacionando-os com as mudanças meteorológicas (o significata), seria estranho introduzir teoricamente e, consequentemente, eventos teóricos não observáveis como sinais. Além disso, a tradição literária que se encontra por trás é o contexto da invenção do parapegmata e se limita a relacionar o tempo para o visível astral –  fenômeno-horizonte.

E outros exemplos de aceitação explícita ou implícita da ideia de que a observação de estrelas é de alguma forma central para o uso de parapegmata são comuns. Precisamos manter essa observação prática que reivindica distintamente da observação fundamental que encontramos na literatura antiga, e vamos olhar para cada uma destas duas reivindicações, por sua vez. Como veremos, a alegação de observação prática tem dificuldade para sustentar-se quando nos voltamos para ver como foram usadas os parapegmata. Isso ocorre porque o modelo de predição assumido pelos historiadores modernos, em que observações astronômicas diárias foram referenciados nos textos astrometeorológicos a fim de obter as previsões meteorológicas do dia-a-dia, torna-se impraticável para o parapegmata (embora ele funcione bem para textos como Hesíodo). Existem alguns problemas interessantes em torno da reivindicação fundamental, bem como, em que a correlação observacional fundamental de fase e tempo não é possível sem uma esquematização antes das fases estelares.

III. Diluir a alegação de observação fundamental

A Morning Line of Stars and Planets

Vamos começar por olhar para a alegação de observação fundamental. Acontece que, para o parapegmata astrometeorológico é, em um nível muito básico, tecnicamente impossível. Algum simplesmente não pode observar a co-incidência (no sentido literal da palavra) da manhã crescente de Arcturus e uma tempestade. A chuva impede a possibilidade de fazer uma observação astronômica no dia. Dito isto, uma versão diluída da correlação observacional pode ser mantida se nós presumimos o ciclo astronômico ter sido, pelo menos parcialmente canonizado em primeiro lugar. Uma vez que tenhamos ordenado uma sequencia de fases estelares para o ano, com pelo menos uma ideia aproximada das diferenças de datas entre eles, em seguida, uma manhã chuvosa onde podemos observar o tempo e, consultando o nosso esquema para a sequencia de fases estelares, associar o tempo com a fase estelar que sabemos do texto, deveria estar acontecendo. Nós vemos algo desse tipo acontecendo em um punhado de casos nas fontes astrometeorológicas, tais como Ovídio:

Quando é Nones* de janeiro (05 de janeiro), as chuvas enviadas a você em nuvens escuras darão o sinal de que Lyra está subindo.

(Fastorum libri)
*Quarto Crescente da Lua

Assim, também, Plínio diz que podemos dizer “das tempestades que uma estrela está completando (sua fase)” nos equinócios.

É claro que esta versão diluída e fundamental de observação é complicada pela evidência de algum parapegmata que o clima poderia ser associado a uma fase estelar alguns dias antes ou depois. Veja, por exemplo, Geminus:

Muitas vezes (o parapegmatista) tem marcado uma mudança no tempo23 com o nascente ou poente de uma estrela com três ou quatro dias de atrasado, e às vezes ele antecipa a mudança por quatro dias.

(Elementa Astronomiae)

23 ἐπισημαίνει aqui é usado em um sentido mais amplo que significa “para marcar um ἐπισημασία.” A gramática desta frase é estranha, mas o sentido é claro.

Em Aécio há na parapegma uma flexibilidade semelhante no que diz respeito à sequencia temporal do tempo e fase, e Columella nos diz que “a força (vis) de uma estrela é, por vezes, antes, às vezes depois, e às vezes no próprio dia da sua crescente ou definição”. Embora essa passagem faça-nos evidentemente elaborar algumas observações reais da coincidência retardada de uma fase estelar e um fenômeno meteorológico, eles não são notavelmente a associação de costume feita no parapegmata, e eu acho que serve como a exceção que confirma a regra.

Mas tais exemplos alertam-nos para uma outra possibilidade para a correlação entre o tempo e as fases estelares, o que poderíamos chamar de interpolação observacional: um Euctemon ou um Cálipo podem ter perdido o dia exato da manhã crescente de Arcturus, mas quando o céu finalmente limpa no próximo dia, eles podem ver que Arcturus está então muito alta no céu para ter sido elevada pela primeira vez naquele dia. Então, a data real do crescente de Arcturus poderia então ser interpolada novamente para um ou dois dias antes, e, assim, a correlação feita através de interpolação observacional. Mas, novamente, esta é uma versão diluída dos tipos de fortes reivindicações observacionais que vemos em Sextus e Geminus.

Assim, uma forte reivindicação de observação fundamental é, estritamente falando, não sustentável. No entanto, podemos argumentar (eu acho plausivelmente) para uma versão diluída de tal afirmação, que isso só pode funcionar se nós presumimos (a) uma esquematização antes da sequencia anual de fases para uma determinada latitude, e/ou (b) uma interpolação de fases a partir de diferentes posições observadas de estrelas em relação ao horizonte vários dias distantes. Isso (a), (b), ou ambos – e eu suspeito que seja ambos – devem também ser visto pela consideração que, em nenhum único ano um observador vai ter sorte suficiente de conseguir uma sequencia de observações ininterruptas de fases. O tempo deve intervir de vez em quando, forçando os eventos não observáveis ​​deste ano para serem interpolados, ou inseridos a partir de observações de um ano diferente. Mas devemos ter em mente que atenuando a alegação da observação fundamental, estão simultaneamente e na mesma medida como nós, diluindo a reivindicação ao longe de qualquer definição estrita do termo observacional.

O próprio Ptolomeu parece reconhecer algo do tipo em sua discussão sobre o cálculo das fases estelares para cada uma das diferentes latitudes. Em ambas as obras Phaseis e o Almagesto admite que os seus valores para a ordem e o calendário das fases estelares para cada latitude são baseados em cálculo. Quando ele estabelece o método para este cálculo no Almagesto, ele argumenta que, embora em um mundo perfeito que faria ou recolheria observações de cada estrela em cada latitude, na prática, ele pode fazer um pouco melhor que fazer observações de uma latitude e confiar que os resultados são de fato generalizáveis. Ele então dá a construção geométrica e o método pelo qual tais generalizações poderiam, em teoria, ser calculados. Mas, em seguida, ele admite que, mesmo este método ainda é demasiado pesado para ser prático, e que ele ficará satisfeito em usar os registros de seus antecessores, e/ou uma esfera celeste para calcular as fases para as diferentes latitudes.

IV. Problemas com a alegação prática

Planets of the Morning - planet_zodiac_beletsky

Agora, a alegação prática. Vamos olhar novamente para a estrutura de um parapegma. Em cada parapegma astronômico, astrometeorológico, ou informação astrológica, está indexada a alguma função de sinalização de data. Em um parapegma inscripcional, este marcador de data é o próprio pino, que pela sua própria presença, atua como temporal, “você está aqui” marcador, o astrometeorológico ou outro ciclo controlado pelo parapegma. Em um parapegma literário, o ciclo é indexado a um calendário. Assim, dependendo do tipo de parapegma, por qualquer uma das (a), conhecendo a data, ou (b) olhando para a entrada ao lado do pino, o astrônomo é capaz de olhar para a situação atual em um parapegma. Para ver isso é só olhar para um simples parapegma astronômico inscricional Mileto I:

● O Sol em Aquário

● […..] começa se pondo de manhã e Lyra se estabelece ● ●

Cygnus começa se por cronologicamente ● ● ● ● ● ● ● ● ●

Andromeda começa a nascer de manhã ● ●

Aquário está no meio do levante.

Pegasus começa a nascer de manhã. ●

● O Centauro inteiro nasce de manhã.

Hydra inteira nasce de manha.

Cetus começa a nascer cronologicamente.

Sagitta nasce, a temporada de vento oeste o acampanha. ● ● ● ●

●Toda Cygnus se levanta cronologicamente.

Se o modelo de observação prática estivesse correto, deveríamos ver o astrônomo observando uma fase estelar e, em seguida, consultar este parapegma de coisas pra fazer o quê? Encontrar pino? Obviamente não. Mover um pino? Não. O pino foi simplesmente transferido de um buraco para o próximo todo dia. Em vez disso, é o pino que foi procurado – deveríamos dizer com propriedade que foi observado aqui, pelo usuário do parapegma, que a situação astronômica foi lida do avesso. Ao contrário à alegação da prática observacional, o que o parapegma faz é evitar a necessidade de observação astronômica. O que está sendo observado em vez disso, na prática, é uma estaca/cavilha/pino.

Assim também na literatura parapegmata, as funções do calendário estão no lugar do pino. Sabendo a data, o usuário procura a situação astrometeorológica. A própria organização do parapegma, com as fases estelares e tempo indexados ao calendário, mostram que foi por meio do calendário que a situação astrometeorológica foi referenciada. Para ver isto, vamos imaginar um usuário fazendo uma observação de, digamos, da aurora de Arcturus (vamos supor que a partir de uma inclinação de 14 horas e meia), e, em seguida, tentar encontrar essa fase em um parapegma como Ptolomeu. Nós podemos ver o quão difícil seria encontrar algo. Olhe para o seguinte trecho de oito dias do mês de Thoth em Phaseis de Ptolomeu (Thoth 23-30):

23rd. 14 ½ horas: a estrela chamada Capela nasce de manhã. 15 ½ horas: Arcturus nasce de manhã. De acordo com a garoa e ventos egípcios; há uma mudança no tempo. De acordo com Cálipo e Metrodoro, chuvoso.

24th. 13 ½ horas: a estrela compartilhada por Pegasus e Andromeda se define à noite.

25th. 13 ½ horas: a estrela brilhante no conjunto sul desaparece. 15 horas: a estrela brilhante no Cygnus se define na parte da manhã. De acordo com os egípcios, vento oeste ou vento sul, e tempestades ao longo do dia.

26th. 15 horas: Arcturus nasce de manhã. De acordo com Eudoxo, chuva. De acordo com Hiparco vento oeste ou vento sul.

27th. 14 horas: a estrela compartilhada pelos conjuntos Pegasus e Andromeda na parte da manhã, e a estrela mais recuada dos conjuntos de Eridanus na parte da manhã também.

28th. Equinócio de outono. De acordo com os egípcios e Eudoxo há uma mudança no tempo.

29th. 14 horas: a estrela chamada Antares desaparece. 14 ½ horas: Arcturus nasce de manhã. De acordo com Euctemon há uma mudança no tempo. De acordo com Demócrito chuvas e ventos instáveis.

30th. 14 ½ horas: a estrela compartilhada por Pegasus e Andromeda se define na parte da manhã. De acordo com Euctemon, Felipe e Conão há uma mudança no tempo.

Ele rapidamente se torna aparente como sendo impraticável à prática alegação observacional.

Outra dica importante é que as datas e os não fenômenos astronômicos são “observados” pelo usuário e podem ser vistos no Thoth 7 (citado anteriormente). Em sua totalidade, ele lê: “De acordo com Metrodoro ar ruim. De acordo com Cálipo, Euctemon, e Felipe ar ruim e instável. De acordo com Eudoxo chuva; trovão; ventos variáveis. “Vemos que, neste dia, podemos esperar uma combinação (a) ar ruim, (b) ar instável, (c) chuva, (d) trovão, e (e) ventos variáveis. Mas todos estes são indexados para a data somente. Não há fenômenos astronômicos que estão vinculados a tudo, portanto, qualquer observação que podemos ou não ter nesse dia é irrelevante para realmente encontrar este registro. E pelo tempo do Polemius Silvius Fasti, (5 c. AD) as fases estelares caíram fora do parapegma inteiramente e todas as entradas meteorológicas são  indexados as datas sozinhas.

O que o parapegma faz é canonizar um ciclo temporal (astronômico, astrometeorológico, astrológico) na sua totalidade, uma caso após o outro, e, em seguida, fornecer um meio prático (o pino ou uma data) de localizar nós mesmos nesse ciclo. Ele nos diz onde estamos no ano, por exemplo, e associa as diferentes localizações temporais no ciclo com ambas as fases estelares e de tempo.28 Mas as associações de fases estelares com datas, uma vez assim canonizadas, não são mais associações referenciadas por observação estelar, mas em vez disso são declarações normativas que eventos particulares, estelar ou meteorológico, acontecem em determinados dias ou em uma ordem particular, e o próprio instrumento agora serve como ferramenta para localizar-nos nesse ciclo.

28 Para a maior parte, esses ciclos não são cívicos ou religiosos. O uso de calendários civis ou outros só ocorre no lugar do pino em parapegmata literária como uma maneira prática de localizar o dia atual. A maioria dos parapegmata astrometeorológicos não menciona ciclos religiosos ou civis de forma alguma. A única exceção óbvia para isso é P. Hibeh, que se correlaciona tanto astrometeorologicamente, quanto em festas religiosas egípcias como em datas civis egípcias. Por outro lado, parapegmata inscricional romano incluem ciclos hebdomadário e nundinal (a semana de sete e oito dias romana), e alguns também acompanham os ciclos de calendário civis.

Agora, dizendo que o uso dia-a-dia do parapegmata não depende de observação, não quer dizer que a observação astronômica sai pela janela inteiramente. Pelo contrário, ele ainda tem alguns papéis a desempenhar. Por exemplo: a observação pode confirmar ou verificar o conteúdo de um parapegma, e a observação é importante e usada para calibrar o parapegmata de vez em quando,29 e a observação pode servir (como faz em Hesíodo e Arato, por exemplo) quando não há parapegma ao redor , mas a observação é basicamente supérflua no uso do dia-a-dia de um parapegma.

29 A frequência de aferição depende do tipo de parapegma. Para parapegmata astrometeorológico, esta foi provavelmente uma vez por ano ou menos. Para parapegmata astrológico, fenômenos lunares podem precisar aferir uma vez por mês ou dois. Parapegmata indexados aos calendários Juliano e Alexandrino, entretanto, foram feitos para ser auto-aferidos, como Ptolomeu diz-nos em Phaseis.

V. Como os sinais são observáveis

Arcturus

Olhe para trás no trecho de Bowen e Goldstein que nos apresentou o requerimento de observação prática, inicialmente:

…seria estranho introduzi-los teoricamente desta forma, eventos não observáveis como sinais.

Acontece que sua afirmação central é sustentada afinal de contas, embora nós achemos que devêssemos reorientar sua conclusão. É verdade que não observáveis (no sentido de imperceptíveis) eventos não podem funcionar como sinais preditivos, uma vez que um sinal é imperceptível em princípio e não poderia oferecer nenhuma maneira de alimentar-se de (sinal) no caso de um cálculo preditivo. Simplesmente não há nada para tirar uma conclusão a partir de, se nada foi percebido. Este é um ponto importante, e Bowen e Goldstein batem-no minimamente. Não há um sinal invisível.

Mas não podemos concluir que os sinais utilizados, para tirar conclusões previstas no parapegmata, devem ter sido observadas fases estelares especificamente. Já vimos que as previsões são efetuadas a partir do parapegmata observando tanto o pino quanto a data, não observando as estrelas. E uma vez que o pino ou a data é o que se observa ao fazer a previsão astrometeorológica, então é o pino ou a data que, falando propriamente, funciona como o sinal no cálculo da previsão. E o sinal é, afinal, observável.

VI. A passagem da prática de sinal teórico na astrologia

Comentei anteriormente que a reivindicação da observação prática parece manter-se quando lida em textos como Hesíodo, onde os fenômenos astronômicos associados ao clima não são indexados a um marcador de dia ou data. Tanto a estrutura do poema e da escassez de fenômenos astronômicos a observar; parece que seguir o conselho de Hesíodo é simplesmente lembrar-se de algumas regras de ouro, e de chamá-las à mente quando se sabe (através da observação ou de outra forma) que uma fase está ocorrendo. Mas no momento em que começamos a ver parapegmata completo, algo mudou, em que os utilizadores deixam de funcionar principalmente pela observação astronômica. O instrumento em si, por canonizar a totalidade de um ciclo muito detalhado, calmamente afasta-se do observacional ao instrumental. Eu digo baixinho aqui apenas porque o trabalho do parapegma é sempre entendido pelos seus utilizadores como realmente relacionado ao relacionar fases estelares com o clima. As funções das fases estelares como uma espécie de sinal, agora é só um sinal na teoria. O fato de que o usuário não precisa mais fazer observações dessas fases que ocorrem de verdade passam despercebido pelos autores antigos. E essa mudança não é única na tradição parapegmática. Outros exemplos são facilmente encontrados. Tomemos por exemplo o horóscopo da astrologia grega, onde as estrelas são vistas como condicionando o caráter de um indivíduo por suas posições no momento de seu nascimento. Para prever um evento significativo em sua vida, o astrólogo olha para a configuração do céu ao seu momento de nascimento, e, em seguida, fornece previsões com base nessa configuração. Assim como na astrometereologia, os antigos assumem que a configuração que eles usam para fazer as suas previsões é uma configuração atual. Mas é claro que não é. É, antes, um calculado reeditado de uma específica-configuração. O que se observa pelo astrólogo não são as estrelas, nem mesmo velhos relatórios de observação das estrelas, mas em vez disso é um conjunto de tabelas de um tipo ou outro que, então, determina para o astrólogo o que as posições dos planetas tinham sido num instante particular no passado.

Claro, esse não foi sempre o caso. Nos primeiros textos astrológicos (normalmente referidos como ‘presságios para astros’, os distinguimos da astrologia de horóscopos) o fenômeno astronômico ainda não era previsível. Olhe para o seguinte exemplo da tábua 59 do segundo Milênio A.C. Coleção de presságios astrais mesopotâmicos Enūma Anu Enlil:

Se Venus subir no mês de Tammuz e Gêmeos estiver a frente dele, o rei de Akkad vai morrer.

Aqui vemos um sinal observado (Gêmeos a frente de Vênus subindo no mês de Tamuz) correlacionados (possivelmente através de uma pretensão de precedência histórica) com uma previsão.36 Nós presumimos que algum observador treinado olhando para o céu com um olho aberto veja sinais deste tipo. Certa manhã, o nosso observador vê o sinal da conjunção de Vênus e de Gêmeos na subida de Vênus e, sabendo o seu caminho ao longo Enūma Anu Enlil procure a observação no texto para ver o que ela anuncia. Esquematicamente, temos a seguinte situação:

• Sinal observado – (regra) → Predição

• Conjunção observada – (mensagem de presságio) → Morte do Rei

36 Sobre o precedente na tradição do presságio, consulte Lehoux, 2002. A questão é saber se as observações foram recolhidas sistematicamente na Mesopotâmia para o desenvolvimento ou melhoria da tradição do presságio tende a estar centrada no papel dos chamados “Diários Astronômicos”.

Mas em algum ponto em torno do quinto século A.C (mais ou menos, dependendo do fenômeno e método da previsão em questão) o sinal na prótase dos presságios astrológicos – e isto é geralmente verdade só em relação ao presságio astrologico37 – se tornou objeto de uma previsão de segunda ordem. Astrônomos da Mesopotâmia eram capazes de prever a conjunção da crescente Venus com Gêmeos.38 Isso acrescenta outra camada de complexidade a previsão astrológica. Temos agora um processo de previsão de duas etapas. Na primeira etapa, o astrólogo está prevendo o que costumava ser a prótase do presságio: a conjunção de Vênus e Gêmeos, e no segundo passo é, mudar os resultados da previsão voltando para a prótase de um presságio para fornecer uma final condicionante: a morte do rei.39 Mas como é que vamos chegar a primeira dessas duas previsões, da conjunção dos dois corpos celestes? Tal como acontece com astrometeorologia, é através da consulta de textos de um tipo ou de outro. Comparando com os textos astrometeorológicos temos olhado para este trabalho e vemos que a antiga astrometeorologia grega (por exemplo, Hesíodo) é estruturalmente idêntica com as previsões de primeira ordem dos velhos presságios astrais da Mesopotâmia:

• Sinal Observado – (regra) → Previsão

Observa-se crescente das Plêiades – (regra de ouro de Hesíodo) → Boa hora de colher

37 Para ter certeza, existem outros tipos de presságio condicionantes que se servem como prótases de outros presságios, por exemplo, alguns presságios predizem eclipses (por exemplo, Manzāzu tábua 3.26 em Koch-Westenholz, 2000), que por sua vez foram acontecimentos que pressagiavam desgraça para reis e tal. E enquanto eu insisto que tais exemplos não são triviais, é somente com presságios astrais que um número significativo de prótases tornam-se previsíveis, e é somente na astrologia que essa previsibilidade é matemática.

38 Estou deliberadamente evitando a questão controversa da relação entre a astronomia e a astrologia mesopotâmica. Sabemos ao certo muito pouco como os métodos astronômicos matemáticos foram usados pelos astrólogos e adivinhos.

39 Estudiosos modernos em geral acreditam que os presságios astrais mesopotâmicos ainda contaram com a observação real de um eclipse previsto para que tenha significado sinistro, e que os eclipses não visíveis não eram ameaçadores. No entanto, existem algumas cartas e relatórios que mostram que foram tomadas medidas de precaução mesmo quando o evento sinistro previsto não foi visto no local.

Mas quando os próprios sinais tornam-se previsíveis, como em ambos parapegmata e astrologia horoscópica, vemos o sinal agora previsto assumir um novo lugar neste esquema, e um novo sinal observado, assumir a posição inicial:

(2) Sinal observado → Sinal Previsto – (regra) → Previsão referente a tabela observada → Eclipse previsto – (mensagem de presságio) → morte do rei

Ou para parapegmata:

(2a) Sinal Observado → Sinal Previsto – (Correlação “observacional”) → Tempo Previsto – Pino (esquematicamente situado) → Fase estelar – (de acordo com x) → Tempo previsto, ou Data (legislado) → Fase estelar – (de acordo com a x) → Tempo Previsto

Quão significativa uma mudança é para os seus praticantes? Poderíamos esperar que a transição aleatória para sinais previsíveis teria amplas ramificações conceituais para as cosmologias dos astrólogos. E alguns estudiosos têm feito apenas esta reivindicação. Falando sobre o impacto na Mesopotâmia, Koch Westenholz, por exemplo, disse que “temos aqui o que pode muito bem ser o primeiro exemplo documentado de uma revolução científica”, e ela acha que a mudança em questão tem implicação cosmológica que “fenômenos celestes não poderiam deixar de ser considerados como comunicações desejadas pelos deuses, e a antiga ideia, que os “sinais” no céu se correlacionam com eventos na terra, foi abandonada.” O principal problema com esta afirmação, porém, é que não há nenhuma evidência histórica disso. As fontes mesopotâmicas não fazem nenhum comentário sobre esta supostamente grande mudança cosmológica, esta “revolução científica”. Isso por si só talvez não fosse surpreendente para quem está familiarizado com textos divinatórios mesopotâmicos, que sabem quão notoriamente escassos em cosmologia, religião, filosofia e comentários epistemológicos estes textos são. Mas, em paralelo, a tradição astrometeorológica grega passou por uma mudança estrutural idêntica e vemos não só nenhum comentário com contemporânea importância sobre a mudança, mas, o que é pior, descobrimos que após a mudança a ênfase na observação pelos autores como Ptolomeu e Sexto mostram que o fato da mudança em si foi suprimida. Não é só que eles não observaram que uma mudança tinha ocorrido (ausência de evidência não é evidência de ausência), mas também eles implicitamente negaram-na.43

43 Se a insistência na observação foi intencionalmente enganosa (talvez para dar a astrologia uma autoridade mais empírica?), ou se era simplesmente o que chamei em outro momento de “empirismo desleixado”, deixo essa questão em aberto.

Tudo isto serve para mostrar uma das maneiras como a retórica e a teoria da astrologia antiga se distinguem da prática após os sinais e tornam-se previsíveis.44 Embora os sinais teóricos associados com as previsões são os fenômenos astronômicos, os sinais práticos – as coisas olhadas de verdade olhadas pelo astrólogo na elaboração de suas predições – tornam-se textos, tabelas e instrumentos.

44 Como um árbitro assinalou, em alguns casos, pode ser tentador ver a divisão entre a retórica e a prática como, pelo menos em parte atribuível aos diferentes níveis de experiência entre os profissionais. Um astrólogo astronomicamente notável como Ptolomeu, naturalmente, terá uma ideia diferente (e provavelmente mais matizada) sobre como funciona a observação na astrologia do que um mercado astrólogo teria. A evidência que tenho aduzido a este trabalho vem na maior parte dos praticantes teoricamente mais notáveis, em grande parte porque os praticantes mais simples deixaram pouco mais do que pedaços de fragmentos de horóscopo ou materiais (como placas astrológicas) com nenhum comentário teórico. Há um segundo nível de especialização nas fontes que tenho utilizado, e que é filosófico. Aqui vemos o contínuo executado a partir de Sexto na extremidade (filosoficamente sofisticado, astronomicamente (provavelmente) inocente para Ptolomeu (astronomicamente sofisticado, filosoficamente menos sofisticado) com Geminus – esticando um pouco minha metáfora – como bastante familiarizado com a astronomia em geral, mas não particularmente rico filosoficamente. E todas as três destas fontes, curiosamente, fazem observações e reivindicações essencialmente idênticas.

Agradecimentos:

Gostaria de agradecer ao Conselho de Investigação de Ciências Sociais e Humanas do Canadá pelo financiamento desta pesquisa.

Daryn Lehoux

South of Orion

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  •  The Private Feast Lists of Ancient Egypt

    This volume covers the numerous small lists of feasts that occur mainly on stelae and in tombs. A chronological study is presented wherein the major phases of Pharaonic Egypt (Old Kingdom to the Ptolemaic Period) are covered. Questions of dating these inscriptions as well as reasons concerning alterations in the lists form a major part of the discussion. In particular, differences in arrangement of these private celebrations both within a specific time period as well as between eras provide causes for the alterations of religious patterns of a non-royal sort. Calendrical ideas are likewise surveyed although for the most part the aim of this study remains focused upon the religious events themselves. Material of an ancillary nature (including some data from royal inscriptions) will be found only when they provide light upon the private religious practices.

  • Astronomical Papyri from Oxyrhynchus

    Presents 200 hitherto unpub. astronomical texts & horoscopes written in Greek on papyrus, which were excavated a century ago in the rubbish heaps of Oxyrhynchus, a district capital of Roman Egypt. Through these documents we obtain the first coherent picture of the range of astronomical activity, chiefly in the service of astrology, during the Roman Empire. The astronomy of this period turns out to have been much more varied than we previously thought, with Babylonian arithmetical methods of prediction coexisting with tables based on geometrical models of orbits. Editions of the texts are accomp. by facing translations & explanatory & philological commentaries. The intro. provides the first comprehensive treatment of astronomical papyri, explaining their contents & purpose, the underlying astronomical theories, & strategies for analyzing & dating them. Tables & graphs.

  •  Astronomy, Weather, and Calendars in the Ancient World

    The focus of this book is the interplay between ancient astronomy, meteorology, physics and calendrics. It looks at a set of popular instruments and texts (parapegmata) used in antiquity for astronomical weather prediction and the regulation of day-to-day life. Farmers, doctors, sailors and others needed to know when the heavens were conducive to various activities, and they developed a set of fairly sophisticated tools and texts for tracking temporal, astronomical and weather cycles. Sources are presented in full, with an accompanying translation. A comprehensive analysis explores questions such as: What methodologies were used in developing the science of astrometeorology? What kinds of instruments were employed and how did these change over time? How was the material collected and passed on? How did practices and theories differ in the different cultural contexts of Egypt, Mesopotamia, Greece and Rome?

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